É assessor de investimentos da Valor/XP Investimentos. É mestre em Direito e professor de pós-graduação.

Na guerra do IOF, quem mais perde é a segurança jurídica

Mudanças sucessivas nas regras do IOF confundem contribuintes, fragilizam a previsibilidade tributária e afetam a confiança no ambiente de negócios

Conhecer as regras do jogo é sempre básico ao se lançar em qualquer empreitada: de esportes e como viver em sociedade a como investir dinheiro. Desde que se cumpra o combinado, não há o que temer. Se novas regras forem criadas (e sempre são), a princípio elas só valerão para o futuro. É a segurança jurídica, algo típico ao desejo comum de conferir estabilidade nas relações humanas.

Trazendo essa ideia de previsibilidade e segurança para o campo da tributação, o cenário é um tanto desafiador. Mais do que arrecadar, há tributos que funcionam como instrumentos típicos de regulação da economia (extrafiscalidade). O IOF é um exemplo: pode funcionar como uma porta que ora se abre mais ou menos a determinada atividade, conforme os interesses nacionais dinâmicos e complexos.

Num exemplo teórico, o governo poderia fomentar operações de crédito em momento de baixa atividade econômica, baixando o IOF das operações, com interesse em aquecer a economia, ainda que arrecade menos imposto.

Apesar da mobilidade positiva que a tributação pode trazer, mudanças que interferem diretamente no bolso dos cidadãos precisam de cautela, mantendo atualíssima a lição do saudoso professor Ricardo Lobo Torres:

Ricardo Lobo Torres

Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. Vol. II. Rio: Renovar, 2005, p. 168

O capitalismo e o liberalismo necessitam de certeza, calculabilidade, legalidade e objetividade nas relações jurídicas e previsibilidade na ação do Estado

No que tange ao IOF, porém, tem ocorrido exatamente o contrário. O Poder Executivo federal propôs diversas alterações em seu conjunto de normas, para reforçar a arrecadação diante do desafio fiscal e calibrar incentivos macroeconômicos, modulando operações de crédito e câmbio para conter pressões inflacionárias. Embora legítimas, tais medidas carecem de previsibilidade e transparência.

Mas o fato é que, em menos de 60 dias, o imposto passou por uma sequência intensa de mudanças:

  • Em 22 de maio, o Decreto 12.466/2025 elevou alíquotas para câmbio, crédito e VGBL; 
  • Em 23 de maio, houve recuo parcial por meio do Decreto 12.467/2025, restaurando isenções e reduzindo parte das cobranças; 
  • Em 9 de junho, o governo editou a Medida Provisória 1.295/2025 para unificar o Imposto de Renda em 17,5% para aplicações financeiras, supostamente para compensar perdas com o IOF; 
  • Em 11 de junho, novo Decreto (12.499) trouxe novas alterações ao imposto; 
  • Em 26 de junho, o Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo 176/2025, susta os decretos governamentais do IOF, restabelecendo-se o regramento anterior do imposto; 
  • Na sequência, o governo recorre ao STF, arguindo vícios na decisão do Congresso; 
  • Convocada audiência de conciliação para o dia 15 de julho pelo ministro Alexandre de Moraes (relator das ADIs 7827 e 7839 e ADC 96, todas com objeto o IOF), não houve consenso dos envolvidos; 
  • E, quinta-feira (16 de julho), o ministro restabeleceu a maior parte das regras iniciais impostas pelo governo — incluindo alíquotas elevadas para crédito, câmbio e previdência privada — apenas vetando a cobrança sobre o “risco sacado”.

Um tanto cansativo só de ler. Imagine quem precisa entender as “regras do jogo” para ficar em dia com suas obrigações legais e fazer negócios!? Pode ser o crédito que uma grande empresa precisa para ter mais produtividade (o que gera empregos e aquece a economia) ou a família que compra moeda estrangeira para fazer uma viagem de férias. Ninguém gostaria de descobrir, de uma hora para outra, que as regras mudaram — e muito menos não saber qual regra que estará valendo já na próxima semana.

Melhor seria a ampla divulgação das propostas para permitir um debate prévio, além de alterações por lei formal, evitando a edição sucessiva de atos unilaterais (decretos).Conferir um certo tempo para que as novas regras jurídicas gerassem efeitos concretos (o que se chama de vacatio legis) também cairia bem.

No ambiente atual, fragiliza-se a confiança no sistema tributário. Mas quem é mais sacrificada é a segurança jurídica: algo fundamental para a vida em sociedade. E, tal como já disse Karl Larenz, se segurança jurídica é certeza, a garantia dos direitos é paz. A instabilidade do IOF não trouxe paz ao mercado tampouco ao governo. Que se levante, enfim, uma bandeira branca nesta guerra onde todos já perderam.

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