É assessor de investimentos da Valor/XP Investimentos. É mestre em Direito e professor de pós-graduação.

Impostos, cultura e geopolítica: os desafios de ter bens no exterior

O planejamento patrimonial internacional é uma realidade para muitos. Mas o que considerar ao investir fora do Brasil para evitar vulnerabilidades?

Vitória
Publicado em 28/08/2025 às 08h30

O interesse dos brasileiros por investimentos no exterior tem crescido nos últimos tempos e, com ele, a necessidade de conhecer melhor os impactos patrimoniais, sucessórios e tributários dessa internacionalização. Se investir fora é estratégico, compreender que o patrimônio internacional sujeita-se a lógicas distintas daquelas vigentes no Brasil é um passo importante para evitar eventual frustração futura. Aspectos sucessórios, fiscais e até geopolíticos precisam ser levados em conta.

Um exemplo recente ajuda a compreender essa dimensão. A chamada Lei Magnitsky, que até algumas semanas atrás era desconhecida pela maioria, passou à pauta do dia e ilustra como um patrimônio individual de um brasileiro pode ser afetado por decisões tomadas por autoridades estrangeiras, o que traz uma lição importante sobre a influência dos fatores externos na vida atual.

Regras de sucessão, por exemplo, costumam ser um ponto nevrálgico para quem tem bens no exterior. Muito diferente de Brasil, França e Portugal, cuja legislação impõe uma legítima obrigatória e limita a liberdade de dispor bens em testamento, alguns países oferecem maior flexibilidade, sem que exista sequer uma reserva obrigatória para filhos do testador falecido, tal como já ocorreu na Inglaterra em tempos passados e é a realidade atual nos Estados Unidos.

Contudo, neste último, se o patrimônio no exterior estiver vinculado a um residente fiscal no Brasil, essa liberdade pode ser restringida e eventualmente questionada judicialmente caso não se observem detalhes no planejamento sucessório internacional. Um testamento elaborado em Miami, por exemplo, pode ter eficácia limitada em São Paulo, caso não seja articulado com as normas brasileiras.

Investimento no exterior
Investir no exterior esbarra em desafios legais, culturais e fiscais, dependendo dos países envolvidos. Crédito: Shutterstock

A exposição a regimes tributários diversos também é outro ponto de cuidado na diversificação patrimonial estrangeira. Ainda que existam tratados internacionais que cuidem da bitributação, há regras que terão de ser observadas tanto no Brasil quanto no exterior. Na prática, um mesmo acontecimento pode ser fato gerador de imposto em um país ao mesmo tempo em que é isento em outro. Nos EUA, dividendos podem ser tributados enquanto são isentos no Brasil, e o imposto incidente sobre as heranças de bens situados na América pode atingir alíquotas de 40%, o que impacta diretamente os herdeiros de brasileiros que mantêm ativos relevantes naquele país, ainda que nunca tenham pisado em solo americano.

Por outro lado, se a legislação atual no Brasil facilita o cálculo e o recolhimento de imposto de renda sobre investimentos de pessoas físicas no exterior, com apuração anual e compensação de prejuízos, há obrigações acessórias nem tão familiares para a maioria, a serem cumpridas tanto perante a Receita Federal quanto o Banco Central, como a Declaração de Capitais Brasileiros no Exterior (DCBE), cujo descumprimento implica sanções.

Para contornar essas questões, trusts, holdings offshore ou simplesmente contas internacionais podem ser estruturas úteis e legítimas, desde que estejam em conformidade com a legislação brasileira. Caso contrário, serão como um cobertor curto, que, eventualmente, resolve um problema, mas cria outro, dentro ou mesmo fora do país.

Note que, de modo algum, se pretende desestimular a diversificação patrimonial no exterior. Contudo, a praticidade atual de plataformas e sistemas financeiros para internacionalizar patrimônio talvez induza ao erro de se pensar que o planejamento patrimonial internacional funciona apenas como uma extensão das estratégias aplicadas no Brasil, enquanto deve ser visto como uma frente autônoma, específica e que desafia a integração jurídica entre diferentes sistemas regulatórios.

Se fazer investimentos globais é simples do ponto de vista operacional (abrir uma conta, fazer câmbio/remessa de dinheiro e comprar um ativo), há desafios legais, culturais e fiscais, dependendo dos países envolvidos.

Nesse cenário, o diferencial não será adotar estruturas sofisticadas ou reproduzir modelos estrangeiros, mas alinhar propósito com gestão de risco. Cada família possui sua própria geografia — jurídica, afetiva e financeira — e é nela que o planejamento internacional deve estar fundado para que se ampliem seus próprios horizontes.

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