Quatro policiais civis que atuam no Departamento Especializado de Narcóticos (Denarc), da Polícia Civil, se tornaram réus em uma ação penal.
São acusados de desvio de drogas apreendidas para traficantes do grupo criminoso Primeiro Comando da Capital (PCC), com atuação na Ilha do Príncipe, em Vitória. Um deles é apontado como “orientador estratégico da facção”.
Com eles também foram denunciados pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES) outras quatro pessoas, incluindo o traficante que mantinha contato com os policiais. A lista inclui os seguintes nomes:
- Eduardo Tadeu Ribeiro Batista da Cunha - policial civil
- Erildo Rosa Junior - policial civil
- Eduardo Aznar Bichara - policial civil
- Alessandro Tiago Silva Dutra - policial civil
- Yago Saib Bahia Da Silva - traficante / PCC
- Daniel Goes Maria Cunha
- Rod Wudson Teixeira Dos Santos
- Wanderson Lourenço Pires
Segundo a decisão do Juízo da 4ª Vara Criminal da Serra, eles vão responder pelas supostas práticas dos crimes de organização criminosa armada com participação de funcionário público, tráfico de drogas, associação para o tráfico, corrupção passiva, corrupção ativa e peculato.
Foi aceito o pedido de prisão preventiva para o policial Eduardo Tadeu, mas recusado proposta semelhante destinada a Erildo Rosa. Mas os dois permanecem afastados de suas funções junto à corporação.
As defesas dos réus negam as acusações e apontam que ao longo do processo será possível mostrar o não envolvimento de seus clientes com o tráfico. Confira abaixo.
Atuação para grupo criminoso
A decisão traz algumas informações sobre a investigação que resultou na denúncia contra o grupo. Destaca a participação do policial Eduardo Tadeu, o "Dudu" ou "D33". Ele é apontado como “uma liderança nefasta dentro do núcleo de agentes públicos”.
É informado sobre as provas de que ele, supostamente, coordenava as atividades do grupo, como facilitador do tráfico e gestor de interesses de facções. “Filtrando informações de inteligência para beneficiar a facção parceira e neutralizar grupos rivais”.
Seu nome foi localizado na agenda da liderança do PCC, onde manteria comunicação frequente e em tempo real com o traficante Yago Saib, inclusive durante a realização de diligências oficiais.
“O investigador não apenas se omitia em seu dever funcional de efetuar a prisão do foragido, como também supostamente atuava como orientador estratégico da facção, conforme se depreende da troca de mensagens iniciada em 20 de fevereiro de 2024, em que é saudado como ‘Turco Chefe”", é dito no texto judicial.
É citado um histórico de "acertos" que seriam feitos entre os policiais e o grupo criminoso, com uma espécie de gestão logística profissional de drogas desviadas de apreensões oficiais, apontada como peculato ou desvio.
“Conduta que demonstra total desapego às normas fundamentais da carreira policial”, acrescentando que ele teria transformado o aparato repressivo do Estado em um verdadeiro "balcão de negócios".
É citada uma prova que apontaria para a comercialização, por Eduardo Tadeu, de um quilo de crack (óleo) diretamente com a liderança do tráfico, cuja entrega teria ocorrido próxima à sede do próprio Denarc, mediante o recebimento de aproximadamente R$ 18 mil.
E justifica a prisão preventiva. “A manutenção do réu em liberdade representaria um risco iminente de reiteração delitiva e de embaraço à instrução criminal, visto que o réu detinha profundo conhecimento sobre os sistemas de inteligência e métodos investigativos do Estado”.
“Boletins viciados”
Em relação ao policial Erildo Rosa Júnior é dito que há indícios de sua participação em diligências direcionadas pelo PCC, mas com uma atuação diferente quando comparada ao policial Eduardo Tadeu. E que as provas até o momento informam que ele supostamente faria a execução de campo, lavrando Boletins de Ocorrência apontados como viciados, sob a coordenação de terceiros.
“Não foram identificados diálogos diretos de Erildo negociando a venda de entorpecentes ou gerindo o repasse de valores provenientes do crime”, informa o texto. Foi então negado a sua prisão preventiva e mantido o afastamento de suas funções.
Elo com os policiais
Também se tornou réu Yago Saib Bahia da Silva, conhecido como Passarinho ou Pardal, liderança do tráfico na Ilha do Príncipe. Algumas investigações apontam que mantinha contato próximo com os denunciados.
Informações presentes em denúncias do MPES revelam que a suposta “parceria” incluía pagamento de propinas para garantir segurança e acesso a dados sigilosos e direcionamento de ações policiais. Um detalhe: era um criminoso que tinha contra ele um mandado de prisão.
Yago só foi detido em março do ano passado em uma situação inusitada. Fugia de uma perseguição de rivais quando seu carro capotou. Ao ser socorrido, a sua identidade foi revelada. Tentou fugir, mas acabou preso. Ele se encontra na Penitenciária de Segurança Máxima 2, em Viana.
O que dizem as defesas
A defesa de Eduardo Tadeu é realizada pelo advogado Rafael Almeida. Ele destaca que a sua primeira ação será recorrer contra a prisão preventiva que foi decretada para o seu cliente.
“E tendo em vista o recebimento da denúncia, vamos analisar o acervo de provas que foi entregue pelo MP para traçar a linha de defesa”, acrescenta Almeida.
O advogado Frederico Pozzatti representa o policial Erildo Rosa Júnior. Informa que, ao contrário do que foi apresentado à Justiça, o seu cliente sempre foi atuante contra o tráfico, principalmente contra a facção apontada na denúncia, o PCC.
“Meu cliente chefiava uma equipe agressiva contra o PCC e não sabemos de onde veio esta informação de favorecimento a facção. Meu cliente é um dos policiais que mais agiu contra o PCC. É uma pessoa íntegra, proba, correta, que sempre respeitou a Polícia Civil”, assinala Pozzatti.
O advogado Fabio Marçal assumiu nesta quinta-feira (18) a defesa do policial Eduardo Aznar Bichara. Afirma que a análise do processo revela que não há nenhum tipo de prova específica que comprometa seu cliente e que vai provar a inocência dele durante a instrução do processo.
“Ele está tranquilo, acredita e confia na Justiça. Infelizmente trabalha na mesma delegacia, mas não fez nada errado. Só é muito trabalhador. Vamos provar que é inocente”, afirma Marçal.
As defesas dos demais réus não foram localizadas, mas o espaço segue aberto as manifestações.
A operação
O caso foi investigado na Operação Turquia. No início de novembro foi deflagrada a ação realizada pela Polícia Federal no Espírito Santo e o MPES, por meio do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco-Central).
O foco foi o enfrentamento de um grupo criminoso com atuação no tráfico de drogas. A ação contou com apoio da Corregedoria da Polícia Civil do Espírito Santo e do Núcleo de Inteligência da Assessoria Militar do Ministério Público.
No dia da operação, durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão, foi encontrado no pátio do Denarc uma queima, feita em duas manilhas empilhadas, onde foram encontrados em meio a cinzas e a fumaça, restos de pinos de drogas e vestígios de aparelhos telefônicos, balança de precisão e até de um simulacro de arma de fogo, tudo queimado.
A ação ocorreu em Vitória, Vila Velha e Serra. As investigações começaram após a prisão em flagrante de um dos principais líderes do tráfico de drogas na Ilha do Príncipe, em fevereiro de 2024. Posteriormente, com o aprofundamento das apurações, foram verificados fortes indícios de que o preso e os servidores públicos mantinham relação, indicando uma possível cooperação ilícita durante diligências policiais.
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