Uma funcionária de uma empresa que opera um navio-plataforma da Petrobras, no Espírito Santo, conquistou na Justiça do Trabalho o direito a uma indenização de R$ 160 mil e a readaptação em serviços compatíveis com a sua função, mas em terra.
Sentença do Juízo da 8ª Vara do Trabalho de Vitória reconheceu que ela foi vítima de discriminação por sobrepeso (gordofobia) e gênero (machismo), assédio moral e a violação de dados médicos.
Em um segmento onde a atuação das mulheres ainda é relativamente pequena, as violações levaram ao adoecimento psíquico: síndrome de Burnout, transtorno de pânico, transtorno depressivo e transtorno de adaptação. Além de lesões por esforços repetitivos. Situações que foram agravadas pelas jornadas exaustivas e o confinamento imposto durante o período pandêmico, informa a sentença.
Ao se referir à empresa, SBM do Brasil Ltda, é dito ainda que os atos por ela praticados causaram dano à dignidade, à intimidade e à integridade psíquica da funcionária.
“Com abalo moral, ante a imposição de padrão estético indevido, tratamento desigual em razão do gênero e do biotipo, exposição de informações de saúde a terceiros da empresa e submissão a um ambiente de trabalho comprovadamente estressante e conflitivo”. As duas empresas negam as acusações (veja abaixo).
Além do pagamento da indenização, a SBM deverá emitir todas as comunicações de acidente de trabalho (CATs), em decorrência da subnotificação das doenças ocupacionais. O que terá impacto no valor pago ao INSS, fundo de garantia.
“Foi determinado ainda que seja feita a readaptação da minha cliente para a função que ocupava, mas em regime onshore (em terra), ou em função compatível com suas restrições de saúde, e que lhe garanta remuneração e benefícios equivalentes ao cargo que ocupava”, explica o advogado Bruno Milhorato Barbosa, que faz a defesa da funcionária, cujo nome não está sendo divulgado por se tratar de uma vítima.
O que aconteceu
A funcionária, hoje com 45 anos, foi admitida em 2016 para a função de rádio operador, atuando embarcada em um navio plataforma. Três anos depois, em abril, ocorreu o primeiro afastamento do trabalho causado pela dificuldade com o peso.
No período pandêmico ela trabalhou embarcada, enfrentando longos períodos de confinamento em hotéis e longas jornadas de trabalho de até 19 horas. “Em 2021 começaram os problemas de esgotamento, ansiedade depressiva, burnout. E em 2023 foi novamente afastada com alegações de problemas com o peso”, relata o advogado.
Um dos argumentos, segundo ele, foi de que ela não se adaptava a uma norma de uma associação privada norueguesa. “Que não é aceita em nosso ordenamento jurídico. E a minha cliente tem um biotipo diferente dos noruegueses. Mas ela sempre foi aprovada em todos os treinamentos de segurança”, relata.
O que foi comprovado no processo, segundo a sentença:
- Gordofobia - discriminação por sobrepeso desde a admissão, com coação para participar de programas de emagrecimento e afastamento do trabalho baseado no IMC, sem que houvesse inaptidão clínica.
- Violação de dados médicos - houve troca de informações confidenciais de saúde entre o médico, profissionais de RH e gestão de programas de controle de peso, com uso das métricas de saúde para "gamificar" a perda de peso. “Tem um efeito vexatório e coercitivo, compelindo a empregada a participar sob pena de constrangimento e de agravamento de sua situação funcional”.
- Assédio moral - exigência de tarefas fora da descrição do trabalho, conflito de gestão com o supervisor de segurança levaram a reclamações, que resultaram em punições para a funcionária. Ela foi exposta a situações de constrangimento, humilhação e pressão psicológica contínua, configurando o assédio moral.
- Machismo - imposição um padrão estético ou biométrico não exigido de empregados do sexo masculino na mesma função e também com IMC superior ao padrão, o que foi apontado como "medida discriminatória e sexista”
É destacado no texto judicial que a Convenção nº 111 da OIT (ratificada pelo Brasil) proíbe a discriminação com base em origem social ou qualquer outra distinção que anule a igualdade de oportunidades no emprego, com destaque para a gordofobia quando exercida com viés de gênero.
Milhorato destaca que há várias pessoas enfrentando problemas semelhantes em seus locais de trabalho. “A sentença é um alerta para pessoas que estão sofrendo e adoecendo em seus postos de trabalho”, observou.
O que dizem as empresas
Por nota a SBM Offshore informou que “não comenta processo judicial em andamento”. “A companhia ressalta que adota as melhores práticas de governança, valorizando sempre um ambiente de trabalho respeitoso, que segue elevados padrões éticos”, assinalou.
Por sua vez, a Petrobras esclarece que os fatos relatados no processo referem-se a condutas atribuídas exclusivamente à empresa prestadora de serviços. “Não há relação entre as alegações apresentadas e o objeto do contrato firmado com a Petrobras. A sentença proferida na reclamação trabalhista, inclusive, não atribui nenhuma responsabilidade à Petrobras”, disse, em nota.
Acrescenta que a companhia está adotando todas as medidas jurídicas para sua defesa no processo. “A Petrobras reitera que não compactua com qualquer prática assediadora ou discriminatória, e mantém um histórico reconhecido de promoção da diversidade, do respeito e da inclusão em seu ambiente de trabalho”, finaliza.
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