Na última terça-feira (9), três pessoas se preparavam para serem julgadas por um assassinato ocorrido na Serra. São acusadas de retirar um jovem de 21 anos de um ônibus do Transcol e matá-lo, por passar na área de rivais do tráfico. Mas a sessão foi suspensa e o júri, com réus presos, precisou ser adiado por seis meses.
O motivo foi uma confusão, marcada por gritos e ameaças, envolvendo um dos advogados de defesa, Filipe da Silva Martins, e os promotores do caso, Rachel Mergulhão Tannenbaum e César Nasser Fonseca.
Em notas, tanto o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) quanto a Ordem dos Advogados do Brasil, seção Espírito Santo (OAB-ES), apresentaram informações diferentes sobre o episódio. O órgão ministerial aponta para tentativa de intimidação, enquanto a Ordem assinala que o ocorrido foi uma ação de criminalização do trabalho da advocacia.
Os fatos foram descritos na ata da sessão do júri: “O advogado começou a gritar com os promotores e, com o dedo em riste, caminhou na direção da Promotora de Justiça, Dra. Rachel, dizendo que ela estava desrespeitando a advocacia e que não hesitaria em dar voz de prisão a ela. O advogado, Dr. Filipe da Silva Martins, continuou esbravejando e afirmou que, agora, então, faria questão de ouvir a testemunha Bárbara e que não aceitaria mais fazer o júri sem a oitiva dela.”
A nota do MP relata que os fatos ocorreram antes dos tradicionais debates que envolvem o júri, o que revela, aponta, "uma atitude desproporcional e destituída de qualquer justificativa profissional”.
E avalia o ocorrido como uma atitude machista do advogado, indicando discriminação de gênero, assinalando que o ataque foi direcionado somente para a promotora, o que reforça, aponta, “a dimensão discriminatória da agressão”.
“A descrição da autoridade judicial revela uma agressividade manifesta, com tom elevado, ameaças e gestualidade incompatíveis com a liturgia do Júri. Não bastasse isso, o comportamento foi dirigido exclusivamente à Promotora de Justiça, embora esta estivesse acompanhada de um colega homem, a quem o advogado não se dirigiu com a mesma hostilidade”, informa nota assinada pelo chefe do MP, Francisco Martinez Berdeal.
Por sua vez, a OAB-ES apresenta outra versão, afirmando que a situação decorre de “discursos depreciativos” direcionados à advocacia, de forma reiterada, em diversos plenários de júri.
E cita que a promotora tem juntado aos processos reportagens jornalísticas sem relação com os julgamentos, apontando suspeitas sobre a participação de advogados em condutas criminosas. E manifestou repúdio “à postura adotada pela promotora de justiça Rachel Mergulhão Tannenbaum”.
“Qualquer tentativa de criminalizar os deslegitimar o trabalho da defesa constitui afronta não apenas aos advogados e advogadas, mas à sociedade”, informa texto assinado pela presidente da Ordem, Érica Neves, acompanhada de outros quatro representantes da instituição.
O que motivou o conflito
Logo após os trabalhos do júri serem iniciados, os promotores argumentaram que uma prova havia sido juntada ao processo fora do prazo, pelo advogado. Ela acabou sendo excluída pela juíza Lívia Regina Savergnini Bissoli Lage.
Na sequência o advogado informou que se tratava de um mapa, que seria necessário para a sua apresentação ao júri. O conflito ocorreu logo após os promotores confirmarem que a prova não poderia ser utilizada.
Além do trecho citado acima, a ata informa que, diante do cenário, o advogado decidiu que iria ouvir uma testemunha cujo depoimento havia sido descartado. A mulher, que estava na lista dos que seriam ouvidos pela defesa, não compareceu, e estava com o telefone desligado.
Confusão na entrada
Em meio a confusão no plenário do júri, um outro fato foi relatado pelos policiais militares responsáveis pela segurança do fórum à juíza.
Segundo eles, na portaria, o advogado também pleiteou que a mãe do seu cliente, um dos acusados pelo crime, “entrasse no fórum sem passar pelo detector de metais e demais procedimentos padrão de segurança”, é relatado na ata de sessão.
A situação descrita na ata ocorreu de forma diferente, relata o advogado. Ele foi chamado à portaria do fórum a pedido da mãe do réu e alguns familiares, que desejavam fazer uma oração antes do júri.
Como o sol estava muito quente, a família acessou a portaria, onde a mãe passou pelo detector de metais com uma bolsa pequena, o que não foi percebido pela segurança.
Quando a oração já tinha sido iniciada, eles pediram que a mãe retornasse ao detector de metais. Momento em que o advogado solicitou que aguardassem a oração ser concluída, o que foi feito, sob monitoramento dos guardas e de policiais militares. E acrescenta que durante todo o tempo eles permaneceram na portaria, sem acessar as dependências do fórum.
A juíza decidiu remarcar o júri para março do próximo ano, e voltou a intimar a testemunha pedida pelo advogado, determinando inclusive a sua “condução coercitiva”. Os jurados foram dispensados e a sessão de julgamento encerrada.
O crime
O assassinato aconteceu em 1º de agosto de 2019. Segundo as investigações policiais, Luan Lucas de Paula Moreira, de 21 anos, morava no bairro Jardim Tropical. Ao pegar um ônibus da linha 843, passou por José de Anchieta, considerado um bairro rival.
A vítima, que já não tinha mais envolvimento com o tráfico, voltava de uma audiência no fórum, quando foi visto no ônibus e reconhecido pelos antigos rivais. Ele foi retirado do coletivo, sob ameaças, agredido e assassinado com um pedaço de madeira. Os acusados pelo crime e estão presos enquanto aguardam o julgamento.
Atualização
12 de dezembro de 2025 às 12:12
O texto foi atualizado com informações do advogado sobre a situação ocorrida na portaria do fórum.
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