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Prefeitura gasta R$ 621 mil com iluminação de ruas de bairro nobre da Serra

Valor foi pago nos últimos cinco anos em área localizada em frente a bairro popular; caso é investigado pelo Ministério Público e administradora da região contesta ação

Vitória
Publicado em 17/12/2025 às 03h30
Boulevard Lagoa, serra
Crédito: Arte - Camilly Napoleão com Adobe Firefly

Um inquérito civil conduzido pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES) apura a legalidade de um benefício que custou à Prefeitura da Serra R$ 621 mil nos últimos cinco anos: os gastos relativos à iluminação das vias internas de um bairro de classe alta, o Boulevard Lagoa.

O principal argumento é de que não é justo que os cofres públicos continuem assumindo o valor relativo a um empreendimento com acesso restrito. E neste caso, avalia que o ônus deva recair sobre os próprios condôminos. Localizado próximo a Lagoa Jacunem, o espaço é vizinho de um bairro popular, Feu Rosa.

“Trata-se de área com acesso controlado e utilização predominantemente restrita aos seus moradores, situação que configura indevida transferência de ônus à coletividade em benefício de um grupo social específico, de condição econômica elevada, o que motivou a atuação do Ministério Público”, informou, em nota.

Aponta ainda que a lei municipal que autorizou o fechamento do bairro e que fala sobre a continuidade da prestação dos serviços públicos, não diz que ela deverá ser gratuita. “Tal norma não contém, de forma implícita ou explícita, a obrigação de que esses serviços sejam prestados às custas da coletividade. A continuidade não importa gratuidade”.

E acrescenta que também será alvo da verificação do MP, por meio da 7ª Promotoria de Justiça Cível da Serra,  a prestação de outros serviços, como os de esgoto, água e gás. 

Em relação a iluminação, a apuração inicial indica que são despendidos, mensalmente, R$ 10.356,68 com as 206 lâmpadas instaladas no local. Valores que foram apurados pela concessionária de energia.

Bairro contesta ação

Já houve tentativas de acordo que levaram para a mesa de negociação, além do MP, de representantes do município, da concessionária de energia e a Associação Boulevard Lagoa (ABL), que administra o bairro. O objetivo era que os custos fossem transferidos para os moradores, sem sucesso.

A ABL, por intermédio de seu advogado, Elifas Moura de Miranda Junior, defende que a responsabilidade pelo pagamento é do município. Afirmam que o local não é um condomínio, mas sim um "loteamento de acesso controlado", uma categoria em que as vias e áreas públicas permanecem sob o domínio da prefeitura, mesmo com o controle de entrada. E que a situação está prevista em lei federal e municipal.

“Os moradores do Boulevard Lagoa já pagam regularmente a Contribuição de Iluminação Pública (CIP), o que reforça seu direito ao serviço em condições de igualdade com outros moradores da cidade. Cobrança extra seria injusta”, observa o advogado.

Sustenta ainda que o estatuto social da ABL delimita suas funções à manutenção das áreas privadas ou de uso comum dos associados, seguindo o previsto no Código Civil. E avalia que não existem condições jurídicas que justifiquem a continuidade das investigações.

O MP,  por sua vez, adota entendimento diverso. Lança mão de decisões de outros tribunais, inclusive do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que tem reconhecido que áreas internas de loteamentos fechados ou de acesso controlado, ainda que formalmente classificadas como vias públicas, não devem ter sua iluminação custeada pelo poder público.

“O motivo é a restrição de acesso e uso exclusivo pelos moradores, configurando afronta aos princípios da isonomia e da moralidade administrativa”, informa o órgão ministerial.

E assinala que a Contribuição de Iluminação Pública (CIP), paga por todos os munícipes, não se confunde com o custeio da iluminação interna de áreas de uso restrito e que já há decisões apontando que isto não pode ser considerado bitributação.

Apesar da recusa inicial em relação a um acordo, a 7ª Promotoria de Justiça determinou a expedição de ofício à Associação, em 12 de dezembro, concedendo o prazo de vinte dias para informar se permanece ou não a recusa. “Caso mantida, será ajuizada ação civil pública para compelir o condomínio a assumir suas despesas”, acrescenta.

O que diz a prefeitura?

A Secretaria de Serviços da Serra confirmou que a iluminação pública do Boulevard Lagoa  está na conta do município  e que são pontos sem medição individual, com consumo estimado. Por nota, acrescenta que arca apenas com o custo da energia elétrica, não realizando manutenção regular por entender que se trata hoje de área privada com restrição de acesso.

Mas adianta que, tecnicamente, é possível desvincular o consumo da conta municipal, desde que o condomínio execute obras de engenharia para criação de circuitos exclusivos, com medição individualizada e posterior solicitação formal de descadastramento junto à EDP.

Mas pondera que não pode efetuar a suspensão do atendimento na região. “A interrupção imediata do pagamento da energia não é viável, pois comprometeria a segurança pública e não encontra respaldo jurídico consolidado. Mas estamos à disposição do MP para construção conjunta de uma solução legal e tecnicamente adequada”, disse, em nota.

O bairro

O loteamento que um dia foi totalmente aberto, passou por várias transformações até chegar à condição de bairro com acesso restrito a moradores e às pessoas por eles autorizadas. Uma situação viabilizada por meio de leis municipais e termo de concessão.

Segundo o MP, esses atos normativos conferiram à ABL a administração das áreas internas. “A concessão abrangeu, portanto, bens públicos situados no interior do empreendimento que, embora formalmente classificados como vias e áreas públicas, deixaram de ser fruídos de forma ampla e irrestrita pela coletividade”, assinala,  ressaltando que sua atuação se pauta "exclusivamente pela defesa da ordem jurídica, do patrimônio público e do interesse coletivo".

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