Publicado em 3 de setembro de 2020 às 17:43
Grande parte dos influenciadores políticos no Twitter em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, está com um público mais à esquerda agora, aponta levantamento inédito feito pela reportagem.>
A reportagem comparou a posição de mil influenciadores na rede social de maio de 2019 a agosto de 2020.>
Para isso, foi considerada a posição desses perfis no GPS Ideológico, ferramenta do jornal Folha de S.Paulo que posiciona as contas numa reta, do ponto mais à direita ao mais à esquerda, segundo quem os segue.>
Das mil contas avaliadas no ano passado, 947 estavam ativas agora. Delas, 66% se deslocaram em direção à esquerda na análise deste ano (pode ser porque ganharam mais seguidores mais à esquerda, perderam mais à direita ou ambos os movimentos combinados).>
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Entre os que tiveram as maiores variações estão as contas com perfil de seguidores posicionados nos pontos mais extremos da direita em 2019. E, após passarem a criticar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), ganharam seguidores mais ao centro.>
A deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) exemplifica o movimento. No ano passado, a média dos seus seguidores na escala ideológica era de 84 pontos, o que a colocava em posição semelhante a de Olavo de Carvalho, um dos ideólogos do governo. A escala vai de 0 (ponto mais à esquerda) a 100 (mais à direita).>
Após romper com Bolsonaro (foi retirada do posto de líder do governo no Congresso) e passar a atacá-lo publicamente, Joice foi para a posição 66, próxima ao centro.>
Seus novos seguidores estão, em média, entre os 40% à direita (posição próxima ao centro); os que a deixaram estão no grupo de radicais de direita (os 8% mais à direita).>
Joice saiu então de um ponto semelhante ao de Olavo para um próximo ao do senador Alvaro Dias (Podemos-PR).>
O governador afastado do Rio, Wilson Witzel (PSC), que se elegeu colando sua imagem à de Bolsonaro e agora se declara inimigo do presidente, teve movimento no Twitter semelhante ao de Joice --ganhando apoiadores de centro e perdendo radicais de direita.>
"Houve claro movimento de reposicionamento de Bolsonaro", diz o professor de ciência política da UFMG Felipe Nunes, diretor da Quaest, consultoria que analisa popularidade de figuras públicas em redes sociais. "Ele se distanciou de gente que o apoiava, tornando sua base mais coesa e homogênea.">
Lucas Calil, da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV, afirma que perfis como o de Joice, que romperam com o governo, conseguem ampliar a capilaridade de seu discurso --antes restrito aos mais radicais de direita.>
Essa maior amplitude pode ajudar a deputada na eleição, em que ela deve concorrer à Prefeitura de São Paulo.>
Calil ressalta que esse aumento do raio de discurso é limitado, pois ocorre em torno de um assunto determinado, a rejeição ao governo federal.>
"Esse ponto comum não extrapola o tema em específico. O perfil da Joice e de atores mais à esquerda seguem com interesses bem diferentes.">
No modelo estatístico usado pela Folha de S.Paulo, uma conta que segue o ex-presidente Lula (PT) e o perfil do MTST, por exemplo, estará à esquerda de outro que segue Olavo de Carvalho e o Escola Sem Partido.>
Se considerados os perfis que andaram ao menos 5 pontos na escala entre 2019 e 2020, aparecem 113 contas. Desse montante, 70% receberam seguidores mais à esquerda do que possuíam no ano passado.>
Pesquisadores apontam que o rompimento do bolsonarismo com o lava-jatismo é um fato importante para explicar esse movimento à esquerda de influenciadores, saindo de uma base muito à direita para ficar próxima ao centro.>
O próprio Sergio Moro, que era ministro da Justiça em 2019, contava com seguidores que se concentravam entre os 18% mais radicais à direita. Os novos seguidores estão num espectro mais diverso (que engloba os 34% mais à direita).>
Moro saiu do governo em abril, dizendo que o presidente tentava interferir politicamente na Polícia Federal.>
Também andou para a esquerda, em direção ao centro, o perfil do MBL, movimento que apoia a Lava Jato e passou a atacar o presidente.>
Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, Pablo Ortellado diz que a tendência de migração dos influenciadores de direita para o centro é condizente com uma pesquisa que ele fez, considerando dados de julho do Twitter.>
O trabalho apontou que os antigos apoiadores da Lava Jato se deslocaram para o centro. "A ruptura na direita --entre bolsonaristas de um lado, lava-jatistas e liberais antiautoritários de outro-- não foi apenas movimento das elites, mas também do público, que se segregou", afirma.>
Pedro Bruzzi, sócio da Arquimedes, que analisa a discussão política nas redes sociais, cita como exemplo de mudança na posição de Bolsonaro, além da Lava Jato, o recente alinhamento com o centrão, grupo que atacava.>
"Moro não ficou mais esquerdista, continua extremamente conservador. O governo é que radicalizou suas posições. Quem não concorda é expelido para longe.">
A maior variação entre o perfil dos seguidores de 2019 com os novos de 2020 foi da conta do senador Fabiano Contarato (Rede-ES). Ex-delegado, ele foi duro com Moro, ainda ministro, durante uma audiência no Congresso, no ano passado. Também denunciou Bolsonaro na ONU.>
Seus seguidores estavam entre os 25% mais à direita. Já os novos estão na outra ponta, entre os 40% mais à esquerda.>
O levantamento mostra ainda que há perfis que ganharam seguidores mais à direita do que possuíam em 2019, ainda que em menor volume que o movimento contrário.>
O atual ministro das Comunicações, Fábio Faria, que assumiu em junho, é um exemplo. Eleito deputado pelo PSD-RN, tem sido citado como figura importante do governo, que apaziguou os ânimos dos outros Poderes com o Executivo.>
A média da posição dos seus seguidores em 2019 colocava sua base na metade da esquerda da reta. Com mais seguidores de direita, o perfil passou a ter média de seguidores entre os 25% mais à direita.>
Autor do algoritmo que foi adaptado para o GPS Ideológico, o cientista político Pablo Barberá (London School of Economics) diz que, ao seguir alguém, via de regra o usuário tem afinidade com o perfil.>
Isso porque a pessoa passará a visualizar mais tuítes desse usuário. E receber conteúdo de alguém sem afinidade é algo custoso, em termos de tempo e de atenção --por isso, tende a ser exceção.>
A categorização desses influenciadores permite comparar, por exemplo, para qual público os políticos mais falam.>
Dos mil influenciadores considerados em 2019, 47 não estavam mais ativos em agosto: 23 foram suspensos pelo Twitter; destes, 22 estavam entre os 22% mais à direita.>
Outros 6 restringiriam o acesso de suas contas , o que impossibilita obter a lista de novos seguidores. A predominância de contas suspensas na direita foi verificada também entre os usuários.>
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