Publicado em 30 de setembro de 2020 às 08:11
Um homem que agrediu a avó da menina capixaba grávida após estupro, em agosto, para demover a família da ideia de abortar usou o nome da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves na abordagem e se encontrou com a comitiva médica que tentava evitar o procedimento. Ele também expôs informações sigilosas sobre o caso. >
Pedro Teodoro, fundador do Projeto Família Cristã na cidade de São Mateus (ES) e hoje candidato a vereador pelo PSL, abordou a família da vítima no dia 14 de agosto sob o pretexto de oferecer uma oração. Estava acompanhado de Ronaldo José de Souza, ex-coordenador diocesano da Renovação Carismática Católica, e sua mulher, Cristina.>
O objetivo era pressionar a avó, representante legal da menina, a desautorizar o aborto, previsto no Código Penal quando a gravidez resulta de estupro ou impõe risco de vida para a mãe, como era o caso. Tanto a avó quanto a criança haviam manifestado desejo de interromper a gravidez. Ao resistir às investidas do grupo, a avó passou a ser agredida verbalmente e passou mal.>
Testemunhas relatam que, na véspera do ataque, Pedro Teodoro manteve encontro com a comitiva de médicas identificadas como sendo do HSFA (Hospital São Francisco de Assis) de Jacareí (SP), em uma conhecida padaria de São Mateus.>
>
Conforme a Folha de S.Paulo revelou, a comitiva foi apresentada pela representante do MMFDH, Alinne Duarte de Andrade Santana, como de conhecimento da ministra, em reunião na sede da prefeitura, em 13 de agosto. A equipe expôs plano pelo qual a menina ficaria em um abrigo para gestantes, acompanhada por um familiar, e teria acompanhamento do HSFA até o parto.>
A comitiva era composta por Mariângela Consoli de Oliveira, assistente social, presidente da Associação Guadalupe e ligado ao movimento Brasil Sem Aborto; Janaína Aparecida Schineider Cassoti, infectologista com passagens pelo Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes (Hucam), de Vitória; Renata Gusson Martins, farmacêutica e bioquímica ligada ao Movimento Mulheres pela Vida; e Rafaela Lima Santos, residente de urologia da Faculdade de Medicina do ABC.>
Em áudios obtidos pela Folha de S.Paulo, Pedro pressiona a avó a vetar o o aborto, dizendo que, como familiar da criança, ela é a única que tem esse poder de decisão. Para isso, argumenta que o procedimento de aborto é similar a um parto normal sem anestesia.>
"O procedimento que eles querem fazer agora é o quê? É levar ela e induzir um parto normal. Tem que aplicar uma medicação na vagina dela, para induzir o parto, ela vai ter como se estivesse dando à luz normal, sentir contrações, sentir dor", afirma ele. "É mais um trauma", acrescenta uma mulher que fazia parte da comitiva de Pedro.>
O procedimento, no entanto, é realizado com anestesia e difere de um parto.>
Em seguida, ele afirma colocar à disposição da avó uma equipe de especialistas. "[Eles] sabem lidar com esse tipo de situação e tão dando toda a garantia que fazer o que eles querem fazer agora é mais risco do que levar a gestação à frente e fazer uma cesárea com anestesia, com tudo correto.">
O homem diz falar "em nome do projeto". "Eu tenho um corpo de médicos inteiro em São Paulo, em Brasília.">
"Tenho juízes que são cristãos, que são do bem, que estão do nosso lado", afirma Pedro, possivelmente em referência à Anajure, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos criada por Damares.>
Pedro afirma então que conversou "ontem com a assessora da ministra Damares [dia 13, quando Alinne Duarte esteve na reunião em São Mateus]".>
"Só pra você saber o nível de informação que eu tenho aqui. A ministra Damares!", afirma.>
Uma tia da criança entra então na conversa e reforça que a família vai fazer de tudo para conserguir o aborto. Ela afirma que é "uma criança gerando outra criança" e que o bebê vai ser produto "de um monstro".>
A tia questiona também como Pedro e sua comitiva obtiveram informações sigilosas sobre o caso: "Imprensa nenhuma teve acesso ao nome dela, e vocês estão sabendo".>
"Porque cê vê o que Deus tá querendo fazer. É o que Deus tá querendo fazer", responde Pedro Teodoro.>
A interrupção da gravidez foi autorizada na noite do dia 14 pela Vara da Infância e da Juventude de São Mateus. Como o Hucam se recusou a realizar o procedimento, a menina foi transferida para o Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), no Recife (PE), onde o aborto foi realizado no dia 18.>
Procurado, Pedro Teodoro se recusou a falar com a Folha. Ele é alvo de ação civil pública que investiga seu acesso a informações sigilosas sobre o caso após publicar em redes sociais e a identificação da menina e o nome do hospital no Recife quase ao mesmo tempo que a ativista Sara Giromini, também conhecida como Sara Winter.>
A exposição fez com que a criança fosse inscrita no Programa de Proteção a Testemunhas, tendo seu nome e endereço alterados. A família da vítima também o processa por danos morais.>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta