Publicado em 29 de setembro de 2020 às 10:00
Um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) obtido pela reportagem levanta suspeita em um repasse do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, sem licitação, com uma empresa alvo de operação há dois meses do Ministério Público do Distrito Federal. >
A transação citada no relatório da Secretaria de Controle Externo do TCU refere-se a R$ 4 milhões para bancar uma campanha publicitária de enfrentamento à violência doméstica durante o período de isolamento social.>
A verba foi destinada à agência Fields, por meio de um TED (termo de execução descentralizada) no contrato de R$ 90 milhões firmado com outro ministério - o da Cidadania, que é chefiado por Onyx Lorenzoni.>
O relatório afirma que "o fato pode indicar a dispensa indevida de processo licitatório, com prejuízo à obtenção da proposta mais vantajosa à administração [pública]".>
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A Fields é citada na investigação do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público por suspeita de ter sido utilizada para a lavagem de dinheiro na compra de leitos hospitalares durante o governo de Agnelo Queiroz, no Distrito Federal, de 2011 a 2014.>
A proprietária da agência, Adriana Zanini, foi pega durante uma operação do grupo no dia 23 de julho, com uma mala com R$ 250 mil em cédulas de reais e de dólares em sua casa.>
A empresária é investigada por suspeita de ter atuado em crimes de lavagem de dinheiro quando figurava no Conselho Administrativo do Instituto Brasília para o Bem-Estar do Servidor (Ibeps).>
Além de Zanini, estão sendo investigados o ex-governador Agnelo Queiroz e o ex-secretário de Saúde Rafael Barbosa, entre outros.>
A empresa firmou um contrato com o Ministério da Cidadania em 2017, que é prorrogado desde então. Por causa de aditivos, o valor do serviço subiu de R$ 30 milhões para R$ 90 milhões.>
Com base em um desses ajustes, foi emitida uma ordem de execução da campanha de Damares Alves. Cerca de R$ 2,5 milhões já foram liquidados.>
A sugestão da área técnica, que ainda será votada pelo TCU, é pedir às duas pastas esclarecimentos sobre a operação, inclusive a justificativa para a inclusão dos gastos em contrato firmado anteriormente à liberação do dinheiro vinculado ao período do coronavírus.>
Em situações de urgência e necessidade, o TCU tem o entendimento de que é possível realizar despesas sem licitação. Mas ainda mantém alguns critérios, como a exposição dos motivos da escolha do fornecedor e a justificativa do preço contratado.>
Por isso, técnicos do órgão de controle querem fazer uma vistoria no contrato do Ministério da Cidadania com a Fields, na transação entre Damares e Onyx, além de cópias dos documentos que fundamentaram a seleção da empresa para a realização da campanha, bem como da documentação relativa à dispensa de licitação.>
O pedido foi feito dentro do processo que acompanha a execução das ações relacionadas ao enfrentamento da pandemia, no âmbito do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, "buscando identificar riscos e contribuir para a melhoria do ambiente de controle e para o alcance de resultados".>
Diante da calamidade pública provocada pela Covid-19, o governo federal e o Congresso flexibilizaram algumas regras orçamentárias. Assim, foi possível irrigar o caixa de alguns ministérios para ações ligadas a efeitos da pandemia e as medidas de isolamento social.>
Na pandemia, cresceu a violência contra a mulher. Os primeiros alertas foram feitos há seis meses. Em abril, as denúncias subiram 38% em relação ao mesmo período do ano passado, de acordo com o Ligue 180.>
Reportagem publicada pela Folha de S. Paulo na semana passada mostrou que, apesar disso, a pasta usou até este setembro metade da verba deste ano para proteção da mulher e igualdade de direitos. A pasta de Damares ainda terá, em 2021, um corte de 25% dos recursos na área.>
Com Orçamento mais livre, o governo colocou mais dinheiro nas mãos de Damares, R$ 45 milhões numa operação de 2 de abril. O recurso é para enfrentar a situação de emergência e foi usado para reforçar programas que já estavam em andamento e para novas ações, inclusive a publicitária.>
A campanha foi lançada por Damares em 15 de maio, com o objetivo de conscientizar a população a denunciar abusos e violência doméstica. Incluiu a impressão de cartazes direcionados ao público-alvo da campanha, com a frase "Estou em casa 24 horas com quem me agride".>
O material foi preparado para ser veiculado na internet, no rádio, na televisão e nos condomínios, em carros de som e rádios comunitárias.>
Procurada, a pasta disse que, atualmente, não possui contrato com agências de publicidade e, por isso, usou o Ministério da Cidadania como intermediário, que foi o responsável por selecionar a agência.>
O ministério comandado por Onyx afirmou que a Fields passou por licitação em 2017 e que foi escolhida para a campanha de Damares porque as outras duas agências com quem a pasta tem contrato estavam com outras atribuições.>
Segundo a pasta da Cidadania, "até o presente momento foi mantida a vantajosidade econômica do contrato [com a Fields, desde 2017] e não houve nenhum registro que desabone a prestação do serviço pela empresa".>
A Fields foi questionada quais foram os serviços prestados ao órgão, como foi o processo de contratação e o que teria a dizer sobre a suspeita do TCU.>
Em resposta, a empresa afirmou que "o Ministério da Cidadania já prestou todos os esclarecimentos à Folha de S. Paulo". "Nada temos a acrescentar", disse.>
Sobre a Operação do Gaeco, a Fields disse que, na época do ocorrido, em julho deste ano, "o advogado encarregado do caso esclareceu que os valores apreendidos têm origem lícita e que quaisquer manifestações serão feitas nos autos".>
Após a publicação da reportagem, o advogado André Gerheim, que defende a Fields, enviou uma nota na qual critica o MP pela investigação contra a Fields e Zanini.>
"Cumpre destacar que a Fields jamais firmou qualquer contrato com o governo do Distrito Federal, sendo que o nome da sra. Adriana foi inserido de forma absolutamente leviana pelo MPDFT, que, mesmo sem realizar qualquer procedimento investigatório, concluiu que esta fazia parte da diretoria do Ibesp", afirmou.>
Gerheim disse ainda que a Fields "jamais teve qualquer contrato com o Ibesp, sendo que, até o dia da mencionada operação, nem sequer sabia da existência desse instituto".>
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