Publicado em 28 de setembro de 2020 às 21:31
A Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) decidiu, nesta segunda-feira (28), arquivar a reclamação disciplinar contra a juíza Inês Marchalek Zarpelon, da 1ª Vara Criminal de Curitiba, acusada de racismo por ter associado um réu negro a uma organização criminosa "em razão de sua raça".>
Por unanimidade, os desembargadores do Órgão Especial do TJPR seguiram o voto do relator do caso, desembargador José Augusto Gomes Aniceto. Ele concluiu que não houve intenção discriminatória ou racista por parte da magistrada.>
Na sentença, do dia 19 de junho, Inês escreveu que Natan Vieira da Paz, um homem negro de 48 anos, "seguramente" integrava a organização, "em razão de sua raça". A frase foi repetida em três partes do documento de 115 páginas. A decisão ganhou repercussão com a revolta da advogada do réu, Thayse Pozzobon, que compartilhou o caso nas redes sociais.>
Os desembargadores avaliaram que tudo não passou de um erro de português e de interpretação da sentença, tal como alegou a defesa da juíza em sustentação nesta segunda.>
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No trecho destacado por Thayse, consta que Inês escreveu que Natan "seria seguramente integrante do grupo criminoso, em razão de sua raça, agia de forma extremamente discreta os delitos e seu comportamento".>
Francisco Zardo, defensor da juíza, afirmou que o trecho em questão se refere ao que se escreveu depois, e não antes, da frase. Ou seja, que Inês citou o fator raça para descrever a conduta discreta que ele mantinha para cometer os crimes em grupo, remetendo a conclusões de depoimentos, imagens de câmeras de segurança e outras provas colhidas durante a investigação.>
Zardo citou ainda outras partes da sentença em que se constatou que o próprio grupo criminoso, composto por outras seis pessoas, utilizava características físicas de cada integrante para enganar vítimas e praticar furtos e roubos no centro de Curitiba.>
Segundo o advogado, as provas colhidas no processo comprovaram a forma de atuar do grupo: um dos integrantes da organização empurrava ou abraçava a vítima enquanto outro recolhia seus pertences e um terceiro jogava uma jaqueta por cima dos comparsas para evitar a identificação dos criminosos. Por ser "magro e negro" e "de fácil reconhecimento", Natan atuaria nessa última fase, para acobertar os demais.>
Além da interpretação do próprio texto e de outros elementos da sentença, os desembargadores levaram em consideração que as penas impostas pela juíza a Natan e aos outros seis réus foram parecidas e que apenas atenderam às circunstâncias do crime e às características dos acusados, não havendo distinção de raça e cor entre eles.>
Ao final da sustentação, Zardo citou que Inês confiava no julgamento do TJ-PR, apesar de ter sofrido "graves ofensas à sua honra" desde a divulgação do caso pela imprensa.>
No relatório final, que ainda será submetido ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o desembargador Aniceto, que é negro, destacou que a questão deveria ser decidida com "bom senso, isenção e equilíbrio" e que insinuações não seriam levadas em consideração.>
"Em momento nenhum a cor da pele do condenado foi utilizada como elemento de convicção para a condenação ou para a conclusão de o mesmo integrar o grupo criminoso", observou.>
Ao proferirem os votos, alguns desembargadores criticaram duramente a repercussão do caso e a atuação de jornalistas por terem divulgado os fatos de maneira distorcida.>
Um dos julgadores sugeriu que Inês cobre reparação de danos e uma posição da OAB-PR (Ordem dos Advogados do Brasil) sobre a conduta da advogada de Natan e do próprio presidente da entidade, Cássio Telles. Em entrevista à reportagem, ele disse que a juíza havia cometido um erro gravíssimo. Um dos desembargadores criticou ainda a postura do Senado Federal, que na ocasião divulgou nota de repúdio contra a magistrada.>
Em geral, os desembargadores também exaltaram a carreira da juíza, que tem cerca de 25 anos de magistratura. Alguns citaram ainda que foram colegas de trabalho do marido dela, o desembargador Luiz Zarpelon, que morreu há pouco mais de um ano.>
Entre os mais críticos, o desembargador Clayton Coutinho de Camargo defendeu uma lei de imprensa com penas duras para veículos que "distorcem e exacerbam" acusações.>
"Nunca tive medo de jornalista, a magistratura não tem que ter medo, a imprensa é o quarto Poder para quem a coloca como quarto Poder. [...] Imprensa livre não significa que se possa publicar o que se bem entende, não significa que se possa denegrir a imagem de alguém que está em evidência. [...] Como diz a nobre ministra, 'cala a boca já morreu', o 'cala a boca não morreu, não', porque a mídia está exacerbando acusações equivocadas, para não dizer que houve má-fé, porque sabe que a punição é mínima", discursou, citando a fala da ministra Cármem Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao liberar biografias não autorizadas.>
Procurada pela reportagem, a advogada Thayse Pozzobon não quis se manifestar sobre o resultado do julgamento. A OAB-PR não respondeu aos questionamentos da reportagem.>
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