Publicado em 28 de setembro de 2020 às 11:28
Quatro pesquisadores do Insper propõem que as discussões sobre a reforma administrativa incluam a regulamentação do artigo da Constituição que prevê a perda de cargo público por insuficiência de desempenho. >
Um projeto neste sentido está em discussão no Congresso há 22 anos, sem que tenha sido concluído até agora.>
Segundo eles, para além da questão fiscal, a reforma deve tratar de incentivos aos bons servidores, que devem ser chamados a debater a questão e construir um modelo, junto com o Legislativo, que possa valer para todas as esferas de governo e para os funcionários públicos já contratados.>
Uma proposta destacada pelos autores é o projeto do ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, enviada ao Congresso em 1998 pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.>
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Ele chegou a ser aprovado pela Câmara, foi modificada pelo Senado e está à espera de uma nova avaliação dos deputados desde 2007.>
Citam também o projeto de lei do Senado 116/2017, da senadora Maria do Carmo Alves (DEM-SE), que chegou a ser aprovado em duas comissões e está pronto para votação em plenário desde agosto de 2019. Nesse caso, os autores afirmam que a proposta é mais detalhada e que se aplicaria mais ao funcionalismo federal,e não a outros níveis.>
A Constituição Federal prevê, desde 1998, a possibilidade de demissão de servidores públicos por insuficiência de desempenho. O texto constitucional também determina que o Congresso deve aprovar lei complementar que regulamente essa questão, algo que tem sido adiado desde então.>
No início de setembro, o Ministério da Economia apresentou uma reforma administrativa que mexe novamente na Constituição e deixa para um segundo momento a regulamentação de questões como a avaliação de desempenho.>
"A Constituição não estabelece uma estabilidade incondicional. A Emenda [19/1998] estabeleceu que 'como condição para a aquisição da estabilidade, é obrigatória a avaliação especial de desempenho' e que há possibilidade de perda de cargo 'mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar.' O problema é que essa lei complementar nunca foi aprovada", diz o texto assinado pelos pesquisadores do Insper Fernando Schüler, Sandro Cabral, Sergio Lazzarini e Gustavo Tavares.>
"É um caso claro de omissão legislativa. Há 22 anos foi aprovada a Emenda 19, e o artigo 41 da Constituição prevê explicitamente a avaliação e demanda que o Congresso faça uma lei regulamentando. O Congresso está descumprindo um mandamento constitucional há 22 anos", afirma Schüler, que também é colunista da Folha.>
Ele e os demais colegas afirmam que o projeto do ex-ministro Bresser tem a vantagem de ser mais flexível, o que permitiria aplicá-lo aos servidores de União, estados e municípios, que poderiam adaptar a avaliação de acordo com as especificidades de cada carreira.>
Também dizem que os processos de avaliação no setor público nunca terão as características comuns de processos análogos no setor privado.>
"Nesse âmbito, as avaliações individuais de desempenho devem refletir objetivos públicos claros e, sempre que possível, mensuráveis e transparentes", afirmam.>
Para os autores, o maior desafio nos primeiros anos de implementação do processo é criar uma cultura de avaliação no setor público brasileiro.>
Isso começa por uma estratégia de comunicação que deve reconhecer que há inúmeros exemplos de boas e bons servidores públicos. E que a existência de um sistema de avaliação de desempenho justo e eficaz é do interesse desses profissionais também.>
"A falta desse sistema faz com que alguns maus profissionais não sofram consequências pelos seus atos e deixem o fardo para colegas com maior comprometimento à causa pública", afirmam.>
O pesquisador Gustavo Tavares diz que a forma como a reforma do governo está sendo apresentada, seguindo uma estratégia de comunicação mais crítica aos servidores e sem que esses tenham participado da elaboração das novas regras, contribui para causar resistências.>
"Quando você cria esse sentimento de caça as bruxas, até o bom servidor deixa de apoiar a reforma e não vê o valor de uma proposta que pode ser boa para ele. Tem de ficar claro que ela [avaliação de desempenho] será de interesse dos bons servidores", afirma Tavares.>
"A PEC [do governo] está muito confusa, mistura muitas coisas. Foi feita sem muito diálogo. Essa forma demoniza o funcionário público. É necessário ter foco no que é essencial", diz Sandro Cabral.>
"Ser humano responde a incentivo, e incentivo é recompensa e punição. Aquele que não produz mais não pode ser recompensado com salário vitalício. É um tema que independe do espectro ideológico. Deveria unir gente de direita e esquerda", afirma.>
Sergio Lazzarini diz que há várias iniciativas no setor público de avaliação de desempenho atrelada a promoções ou bônus salarial, mas que esses não são incentivos tão poderosos quanto a possibilidade de perda do cargo público.>
Segundo os pesquisadores, há necessidade de envolvimento, desde já, de representantes dos servidores públicos nas discussões legislativas, para dar mais legitimidade aos projetos, o que facilitará sua futura adesão.>
"A simples existência de um sistema de avaliação de desempenho não garante melhoria de resultados. É necessário que esse sistema seja reconhecido por todos os envolvidos como legítimo, justo e voltado, verdadeiramente, à melhoria do serviço público", afirmam os quatro autores.>
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