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É advogado, procurador legislativo, professor e mestre em Direito Processual pela Ufes

Precisamos mesmo do Aeroporto das 'Montanhas Capixabas'?

Numa escala de 0 a 100, podemos deduzir que um aeroporto em Alto Caxixe, distrito rural próximo à Pedra Azul, consta como prioridade negativa para o Espírito Santo. Passo a enumerar algumas razões

  • Lorenzo Caser Mill É advogado, procurador legislativo, professor e mestre em Direito Processual pela Ufes
Publicado em 09/09/2025 às 17h41

Estou constrangido por ter de escrever esta coluna, pois considero que basicamente falarei platitudes e reproduzirei alguns poucos dados de fácil acesso ao público. Mas não resisti à rara sintonia demonstrada por forças econômicas, políticas e comunicativas do Espírito Santo nas últimas semanas em torno de uma ideia pouquíssimo ortodoxa, já anunciada em tom açodado e improrrogável: Aeroporto das “Montanhas Capixabas” — as aspas são propositais, mais à frente direi por quê.

No manejo do orçamento público, senso de prioridade frequentemente separa as boas das más gestões governamentais. Economia é administração da escassez, o que significa que a alocação dos recursos públicos finitos deve se dar em programas que atendam às necessidades mais prementes da população e do empresariado local.

Dito isso, numa escala de 0 a 100, podemos deduzir que um aeroporto em Alto Caxixe, distrito rural próximo à Pedra Azul, consta como prioridade negativa para o Espírito Santo. Passo a enumerar algumas razões.

A primeira é a provável inexistência de aeronaves comerciais para pousar ali. A Azul, principal operadora de voos regionais no país, anunciou o encerramento de 14 rotas só em 2025 devido à inviabilidade financeira, prejudicando cidades como Ponta Grossa/PR, Campos dos Goytacazes/RJ e Três Lagoas/MS — fortíssimos polos econômicos em seus respectivos estados.

Então, antes de cogitar a construção de qualquer aeroporto, o governo estadual deveria firmar protocolos de intenções junto a companhias aéreas interessadas em operar no novo terminal, sob pena de relegá-lo a um aeroclube. Nada contra aeroclubes, mas creio que os contribuintes capixabas não pretendam custear o lazer da parcela mais abastada da sociedade.

Outro ponto é a subutilização do aeroporto de Vitória. Um texto recentemente publicado n’A Gazeta argumentou, como indício da alegada demanda por novos aeroportos, que o terminal da capital “registrou o maior movimento de sua história, com 315 mil embarques e desembarques — 14% a mais do que em julho do ano anterior”. É verdade. Só esqueceu de mencionar que, atualmente, o número de passageiros transportados em voos domésticos no aeroporto de Vitória é inferior ao de 2012, quando nem existia o atual terminal: foram 1,7 milhão de passageiros, contra 1,505 milhão em 2024.

Claro, crises nacionais e externas contribuíram para essa “década perdida” da aviação, mas o fato é que, numa perspectiva puramente econômica, construir aeroportos no Espírito Santo, ao menos por ora, parece tão sábio quanto abrir uma empresa de exportação para os Estados Unidos. E a iniciativa privada sabe disso, de modo que dificilmente embarcará numa aventura do tipo — nem mesmo em modelo de concessão.

A bem da verdade, nem sequer conseguimos evitar o encerramento da rota para o aeroporto Santos Dumont, algo prejudicial em todos os aspectos para os capixabas. Longe de mim querer coibir sonhos, mas a visão reclamada pelo progresso e pelo uso do erário é a pragmática, não a onírica.

De mais a mais, há obras pendentes relacionadas à infraestrutura de transportes com o condão de gerar retorno econômico imediato, inclusive na área do turismo. Sei que existem dotações orçamentárias específicas para as diferentes atuações estatais, mas estou falando justamente de transportes.

Por exemplo, parte relevante das rodovias estaduais — ou seja, não são estradas vicinais — ainda não está pavimentada, sobretudo na região serrana, o que embaraça o escoamento da produção dos agropecuaristas (imaginem os granjeiros de Santa Maria de Jetibá, capital nacional do ovo, descendo a serra nessas condições).

Pista do Aeroporto das Montanhas deve ter 1,3 mil metros e será instalada longe de obstáculos para os voos
Pista do Aeroporto das Montanhas deve ter 1,3 mil metros e será instalada longe de obstáculos para os voos. Crédito: Divulgação / Governo do ES

A cachoeira de Matilde, uma atração fascinante, é ligada a outros distritos turísticos da região serrana por estradinhas de terra batida em péssimo estado. Se o intuito for realmente desenvolver o turismo nas “montanhas capixabas” — retomo as aspas porque, curiosamente, não vejo iniciativas similares fora do eixo Venda Nova-Aracê, com exceção tímida e pontual de Santa Teresa —, por que não investir em um circuito pavimentado (preferencialmente com bloquetes), dotado de mirantes, entre esses distritos de diferentes municípios? Há muito a se fazer além da unanimidade da duplicação da BR 262, empreitada caríssima e com desafios de engenharia.

Enfim, é preciso muita sensibilidade com as famílias que seriam desapropriadas. De fato, como observaram os responsáveis pelo estudo técnico, Alto Caxixe possui áreas razoavelmente planas que são propícias para uma pista de aviação; foi essa mesma característica geológica que há quase um século levou a região a ser destinada à agricultura.

Pequenos e médios proprietários, à semelhança das demais áreas altas de colonização predominantemente europeia, retiram dali o seu sustento e abastecem nossas casas com morangos, tomates e hortaliças. Desconheço uma única nota associativa demandando ou encorajando a construção de um aeroporto que, além de ocupar terras produtivas, alterará completamente a dinâmica da localidade.

Campos do Jordão/SP, Monte Verde/MG, Teresópolis/RJ... essas são cidades do Sudeste que contam com um pujante turismo de estância serrana. Nenhuma possui aeroporto com voos regulares. Gramado/RS recebeu 8 milhões de turistas em 2023 e só agora pondera a construção de um, cujo projeto é fortemente criticado em razão da existência do aeroporto de Caxias do Sul e da pouca distância em relação a Porto Alegre — 100 km, a mesma de Vitória a Venda Nova do Imigrante. Façamos o dever de casa e os louros do turismo virão, sem engodos.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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