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É professor e advogado, doutor em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV. Mestre em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Autoritarismo no Brasil é parte do nosso passado que não passou

Foi e é ingenuidade acreditar que a opção pelo esquecimento ou pela negação do nosso passado de violência faria com que os impulsos autoritários desaparecessem e não retornassem

  • Lucas Melo Borges de Souza É professor e advogado, doutor em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV. Mestre em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Publicado em 17/08/2021 às 02h00
Desfile Militar em frente ao Congresso
Desfile Militar em frente ao Congresso no dia da votação do voto impresso. Crédito: Pedro França/Agência Senado

Alguns dos principais veículos de comunicação do país noticiaram, no dia 22 de julho, que o ministro da defesa, Walter Braga Netto, por meio de um interlocutor político, encaminhou um comunicado destinado a políticos e ministros do Supremo Tribunal Federal no qual dizia que, se a proposta legislativa do voto impresso não viesse a ser aprovada, não haveria eleições em 2022. Vale destacar que tal proposta é publicamente defendida por Jair Bolsonaro e seus seguidores.

Para agravar ainda mais a situação, no dia 10 de agosto, data marcada para a votação na Câmara dos Deputados da proposta de emenda constitucional referente ao voto impresso, o governo federal, auxiliado pelo chefe da Marinha e pelo ministro da defesa, organizou um desfile militar com soldados e blindados nas ruas de Brasília. O intuito era claro: intimidar não só o Congresso Nacional, que iria votar a proposta de emenda constitucional na noite do mesmo dia, mas também o Supremo Tribunal Federal, pois alguns de seus membros se manifestaram em sentido contrário à mudança eleitoral.

As duas ações devem ser interpretadas como ataques e desgastes às instituições democráticas brasileiras porque fazem parte de uma cartilha comum a atores autoritários e demagógicos na contemporaneidade. Em "Como as Democracias Morrem", Steven Levistsky e Daniel Ziblatt, professores de Harvard, destacaram que muitas vezes uma democracia não é atacada e anulada por atores externos da política, mas erodida e implodida por dentro.

Por não tolerarem uma eventual perda do poder de governar para rivais que venham a competir e a vencer as eleições dentro das regras do jogo democrático vigente, sob o pretexto de algum objetivo público legítimo (segurança nacional, aperfeiçoamento do sistema eleitoral, combate à corrupção), esses atores institucionais buscam iniciativas para mudar as regras do jogo, dominar os órgãos de fiscalização e controle, transformar adversários em inimigos, perseguir rivais e críticos e/ou remover membros de tribunais.

Só para citar alguns exemplos que merecem atenção: os políticos brancos do Sul dos Estados Unidos durante a era da Reconstrução, Fujimori no Peru, Orbán na Hungria, Erdogan na Turquia, o partido UMNO na Malásia, Hugo Chávez na Venezuela e Donald Trump nos Estados Unidos.

O que todos esses casos têm em comum com o panorama atual do Brasil é que é um erro acreditar que as palavras ditas por atores autoritários e demagógicos são meras bravatas que nunca vão chegar ao nível das ações. Para esses atores, os freios e contrapesos dos regimes democráticos, isto é, os limites institucionais ao exercício do poder, são “camisas de força” a serem submetidas às suas vontades ou até destruídas.

Quando as instituições democráticas optam por apenas eventualmente se movimentar e adotar ações contra os impulsos autoritários e demagógicos, a democracia perde porque é desgastada significativamente, não por acaso, um dos efeitos esperados por pesquisadores devido à polêmica do voto impresso é a quebra na confiança de parte da população brasileira em relação ao sistema eleitoral.

É preciso refletir historicamente o que representa vivermos hoje esse cenário. A historiografia contemporânea vê a história como um conhecimento que auxilia na compreensão das mudanças e das continuidades do presente em relação ao passado e do passado em relação ao presente.

No caso do Brasil, o autoritarismo é um problema histórico da sociedade brasileira que não foi devidamente enfrentado depois do fim da ditadura militar. Foi e é ingenuidade acreditar que a opção pelo esquecimento ou pela negação do nosso passado de violência faria com que os impulsos autoritários desaparecessem e não retornassem. Mais uma vez, o alarme de incêndio está tocando.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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