Momento pós-pandemia será de mudanças profundas nos empregos, nas relações sociais e na política
Momento pós-pandemia será de mudanças profundas nos empregos, nas relações sociais e na política. Crédito: Ilustração/Amarildo

Economistas defendem 'plano de guerra' para reerguer finanças

Desafio será driblar baixa arrecadação associada ao represamento no atendimento à saúde, aumento da fome e mais casos de violência no pós-pandemia

Vitória
Publicado em 02/12/2020 às 11h08

A pandemia da Covid-19 tem um impacto desmedido na saúde da população e, guardadas as devidas proporções da tragédia que pode se abater sobre as famílias afetadas pela doença, tem reflexos significativos também na saúde financeira de um país. O aumento de gastos públicos, ao mesmo tempo em que se perde receita, é uma conta que não fecha. E os danos causados pelo desajuste podem se assemelhar ao de um período pós-guerra para o qual os governos federal, estaduais e municipais precisam traçar um plano a fim de se reerguer.

Aqui não se fala de recuperar infraestruturas destruídas ou restabelecer a paz perdida em um conflito, mas de concentrar esforços para garantir o controle das contas públicas e, dessa maneira, o equilíbrio fiscal.

Josilmar Cordenonssi Cia

professor de Economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie

"Devido à pandemia, temos um problema parecido com a guerra, que é a dívida pública, que vai aumentar bastante. Gasta-se muito, há um esforço humanitário para a área da assistência social. Por esse lado, sim, será preciso fazer um ajuste fiscal"

O professor de Economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie Josilmar Cordenonssi Cia lembra, contudo, que após a Segunda Grande Guerra, havia um contexto diferente: a população era jovem e o crescimento demográfico, alto. Atualmente, temos uma sociedade mais envelhecida e com crescimento populacional baixo, dificultando o desenvolvimento econômico.

“E aqui estamos entrando em um cenário de dívida superior a 100% do PIB (Produto Interno Bruto). O Brasil já não estava com sustentabilidade antes (da crise sanitária), e se mostrou um dos países mais generosos na concessão de ajuda, fazendo a dívida dar um salto. Vai ser preciso fazer corte de gastos, e eventualmente aumentar impostos, para o ajuste necessário. Por isso, será um erro tremendo se o governo ultrapassar o teto de gastos”, atesta Josilmar Cordenonssi.

Dados do Ministério da Economia apresentados no final de setembro, em audiência no Congresso Nacional, indicavam que, até encerrar o ano de 2020, o rombo nas contas do setor público estará em quase R$ 900 bilhões.

R$ 900 bilhões

SERÁ O ROMBO NAS CONTAS PÚBLICAS EM 2020

O órgão projetou um gasto de R$ 871 bilhões do governo federal, mais R$ 23,6 bilhões de Estados e municípios, e ainda um déficit de R$ 1,2 bilhão das estatais. O maior volume dessas despesas está justamente relacionado ao enfrentamento da pandemia. No monitoramento de gastos da União, até o dia 27 de outubro, já haviam sido pagos R$ 452,6 bilhões em ações ligadas à Covid-19, a exemplo do auxílio emergencial à população mais vulnerável e das medidas de apoio a empresas para manutenção de empregos.

“Segundo a Secretaria do Tesouro Nacional, até o mês de agosto o déficit fiscal do governo central era de R$ 601,3 bilhões. No mesmo período de 2019, foi de R$ 52,1 bilhões. Comparando esses números, podemos concluir a gravidade da economia do ponto de vista fiscal”, reforça o economista Mario Vasconcelos.

REGRA FISCAL

O teto de gastos a que se refere Josilmar Cordenonssi é uma regra fiscal que limita as despesas do setor público, e foi estabelecido por meio da Emenda Constitucional 95. Ao impor restrições ao próprio governo, aponta o professor da Mackenzie, aumentou a credibilidade do mercado sobre a sustentabilidade da dívida, e o PIB voltava a crescer.

“Então, veio a pandemia, algo que ninguém esperava, e foi feito um orçamento de guerra para o momento de calamidade pública. E estamos estourando qualquer teto. Mas essa condição deve ser apenas para este ano. Precisamos voltar ao trilho normal”, enfatiza.

A preocupação de Josilmar é que o governo federal, em função da popularidade obtida a partir da concessão do auxílio emergencial, perca o foco sobre a necessidade do ajuste. “Está na hora de esquecer um pouco a eleição de 2022 e pensar no país. Se colocar a política em primeiro lugar, a reeleição também vai estar perdida”, opina o professor.

Josilmar Cordenonssi Cia

Professor de Economia da Mackenzie

"Devido à pandemia, temos um problema parecido com a guerra, que é a dívida pública, que vai aumentar bastante. Gasta-se muito, há um esforço humanitário para a área da assistência social. Por esse lado, sim, será preciso fazer um ajuste fiscal"
Ilustração: coronavírus vai afetar a economia de todo o planeta e trará uma nova crise para o Brasil
Ilustração: coronavírus vai afetar a economia de todo o planeta e trará uma nova crise para o Brasil. Crédito: Amarildo

PAPEL DO ESTADO

Para Robson Zucolotto, do Departamento de Ciências Contábeis da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), a pandemia estabelece algumas associações com o período pós-guerra porque recoloca no debate a necessidade do papel do Estado na retomada da atividade econômica. “Inclusive para desenvolvimento da infraestrutura, mas sobretudo para garantir redes de proteção aos mais vulneráveis.”

Assim, um dos erros que identifica e que não pode ser admitido em um momento como o atual está relacionado ao enfraquecimento da atuação do Estado na planificação econômica. “Em países com o capitalismo pouco desenvolvido como o Brasil, acreditar em livre mercado parece até desonesto. Para se ter uma ideia, basta olhar nosso mercado de capitais concentrado (em operações e volume) e compará-lo com países de capitalismo desenvolvido”, observa o professor, que tem experiência nas áreas de administração e contabilidade pública.

Zucolotto acredita que uma dos principais impactos da pandemia para União, Estados e municípios se dará na área social, para a qual o aporte de recursos públicos é imprescindível, apesar do desaquecimento da economia ou mesmo por causa dele que leva à perda da arrecadação.

“A diminuição de renda reduz o consumo, que leva ao fechamento de empresas, aumentando o desemprego, reduzindo ainda mais a renda, elevando muitas pessoas para a informalidade (que não pagam impostos) ou atividades ilícitas, que também não pagam e ainda criam outros problemas para o Estado”, pontua.

POBREZA

Logo, explica Zucolotto, uma das consequências desse cenário será o avanço da pobreza e da extrema pobreza, demonstrando que os efeitos da crise sanitária vão perdurar e atingir sobremaneira a parcela da população mais fragilizada.

Robson Zucolotto

Departamento de Ciências Contábeis da Ufes

"Há que se imaginar que, além da arrecadação, haverá uma série de problemas sociais educação, saúde, segurança, emprego, renda e que terão que ser tratados pelos governos locais. Houve uma nova alta nos índices de desemprego (no início de outubro de 2020, chegava a 14,4% da população economicamente ativa). Até o final da pandemia, e diante da inação política do governo central, esse quadro provavelmente se agravará"

Zucolotto adverte que a baixa arrecadação associada a represamento no atendimento à saúde, aumento da fome e mais casos de violência, por exemplo, acarretará uma situação bastante complexa, sobretudo para os prefeitos eleitos em novembro de 2020.

Mas os governadores, em sua avaliação, não ficam em situação mais confortável. Apesar de os Estados contarem com uma base arrecadatória maior, devido ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o professor diz que não terão a folga orçamentária necessária para elaborar políticas públicas, principalmente sociais, que consigam corrigir as distorções e os problemas delas decorrentes.

-R$ 850 milhões

ESTIMATIVA DE QUEDA DA RECEITA DO PAÍS EM 2021

Sobre o Espírito Santo, particularmente, Zucolotto demonstra apreensão com o risco de o Estado perder uma parcela dos royalties do petróleo, após julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) em que se questiona a sua distribuição.

“Além disso, o impacto da pandemia pode ser visto na proposta de Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021, a qual traz uma redução de 4,29% em relação a 2020. São cerca de R$ 850 milhões de queda na estimativa de receita”, aponta.

COORDENAÇÃO NACIONAL

Mario Vasconcelos avalia que os impactos no campo econômico foram e continuam sendo muito fortes porque a pandemia tem sido tratada pela União mais como um problema político do que de saúde pública.

A falta de uma coordenação forte do governo federal, destaca Vasconcelos, transferiu para Estados e municípios a responsabilidade de enfrentamento à Covid-19, e cada qual adotou as medidas que considerava necessárias num cenário de baixa arrecadação.

Análise semelhante faz Pablo Lira, diretor de Integração e Projetos Especiais do Instituto Jones Santos Neves (IJSN). Para ele, o país demorou mais tempo para apresentar redução na curva de casos e mortes por Covid-19 pela ausência de liderança nacional que conduzisse um trabalho de prevenção e controle da doença em escala federal.

Lira pondera que, sem um trabalho articulado, além de mais óbitos, a economia brasileira também foi afetada pela necessidade de se estender as medidas de restrição das atividades econômicas por um período maior. E, mesmo quando o socorro federal chegou, a distribuição dos recursos mostrou-se desigual, ao destinar verba para gestores que não tiveram perda de arrecadação, ao passo que outros não receberam quantia suficiente para cobrir os gastos, conforme revelou, em junho de 2020, um relatório da Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz).

ESTRATÉGIAS PARA EQUILIBRAR AS CONTAS

  • Controle de gastos: as despesas não devem nunca superar a receita
  • Ações corretivas de combate à corrupção: os desvios na administração retiram recursos que deveriam ser aplicados na execução de políticas públicas.
  • Redução da burocracia: os entraves da administração pública interferem no nível de competitividade de Estados e municípios.
  • Fortalecimento das áreas de controle interno: com a iniciativa espera-se que os recursos, ainda mais escassos neste momento de pandemia, tornem-se políticas efetivas.
  • Investimento em diagnóstico: medida indicada, sobretudo, para os novos prefeitos. Ter uma boa avaliação da receita e das despesas vai garantir melhores intervenções por parte do administrador.
  • Revisão do orçamento para 2021: mesmo para os gestores atuais, é importante revisar os planos para o próximo ano e definir prioridades.
  • Maior transparência: a medida confere mais credibilidade à gestão pública, não só diante da população, mas também de investidores.
  • Investimento em tecnologia: possibilita a dinamização dos procedimentos administrativos, aumentando a eficiência.
  • Elaboração de projetos para captação de recursos junto aos organismos de financiamento: para tanto, é importante ter uma equipe técnica capacitada para desenvolver as propostas e, assim, conseguir os recursos.

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