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Combate à pandemia: Líderes bem-sucedidos unem empatia a postura firme

Combate à pandemia: Líderes bem-sucedidos unem empatia a postura firme

Índices de popularidade e de aprovação de líderes mundiais estão relacionados à maneira como os governos respondem ao avanço do novo coronavírus. Para analistas, faltam solidariedade e acolhimento da população a Bolsonaro e Trump

Publicado em 1 de maio de 2020 às 11:59

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Durante o enfrentamento da pandemia, índices de popularidade e de aprovação de líderes mundiais estão relacionados à maneira como os governos respondem ao avanço do novo coronavírus – mas há exceções.

Mar a Lago - Flórida, Presidente da República Jair Bolsonaro acompanhado do Presidente dos Estados Unidos Donald Trump, posam para fotografia
Bolsonaro e Trump contrariam a tendência de aproximação das populações aos seus líderes em momentos de crise, segundo analistas. (Alan Santos)

De acordo com analistas ouvidos pela Folha de S.Paulo, os presidentes Jair Bolsonaro, do Brasil, e Donald Trump, dos Estados Unidos, contrariam a tendência de aproximação das populações aos seus líderes em momentos de crise, seja ela causada por uma emergência de saúde pública, como a atual, ou por guerras, atentados terroristas e eventos de igual importância.

"As pessoas acreditam que apoiar o líder do país em um determinado contexto é importante quando veem que o líder está reagindo de uma maneira que parece sensata e razoável", explica Fernando Bizzarro, pesquisador do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade Harvard.

No Brasil, a pesquisa mais recente realizada pelo Datafolha mostrou que a avaliação geral de Bolsonaro ficou estável em relação ao último levantamento, realizado em dezembro. Hoje, 38% classificam a gestão do presidente como ruim ou péssima. Outros 33% dos entrevistados afirmam que o governo é bom ou ótimo, e 26%, como regular. Em dezembro, eram 36%, 30% e 32%, respectivamente.

A aparente estabilidade da avaliação do governo Bolsonaro contrasta, entretanto, com a imagem do líder brasileiro no cenário internacional. O jornal inglês Financial Times, por exemplo, publicou nesta semana o editorial "A autodestruição do Trump tropical", com o subtítulo "Como Bolsonaro está montando a causa de seu próprio impeachment".

De acordo com o jornal, "qualquer sentimento positivo se evaporou em meio a uma tríplice crise: um aprofundamento da emergência de saúde pública, uma profunda recessão econômica e calamidade política".

A comparação com o presidente americano não é aleatória. Buscando alinhamento total com os EUA, Bolsonaro tenta, de acordo com Bizzarro, manter uma "posição antiestablishment" e consolidar sua "marca de diferente" ao rejeitar, à semelhança do líder americano, as medidas de isolamento social como tentativa de conter o coronavírus.

Para a professora de relações internacionais da ESPM Carolina Pavese, os dois líderes têm perfis muito similares e "confundem assertividade com agressividade".

"Vemos em ambos traços de personalidade que, em líderes políticos, são características perigosas e contrárias ao perfil ideal de um líder para lidar com essa crise."

À frente do país que se tornou o novo epicentro da epidemia, Trump já começa a pagar o preço político de sua postura em relação à Covid-19 – negacionista, a princípio, e, hoje, conflituosa, com governadores, conselheiros, China e a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Segundo o Instituto Gallup, a aprovação de Trump foi de 49%, no meio de março, para 43% no meio de abril, enquanto a média das pesquisas compiladas diariamente pelo site FiveThirtyEight confirma que o melhor período do republicano foi justamente quando ele deu peso à pandemia.

Para Bizzarro e Pavese, o líder republicano perdeu seu principal trunfo político para tentar a reeleição em novembro. "Os EUA tinham uma excelente projeção de crescimento, mas agora são ameaçados por uma retração violenta como não se via desde a crise de 1929", diz Pavese.

Carlos Melo, cientista político e professor do Insper, avalia que "recomendações esdrúxulas" de Trump, como a sugestão de injeções de desinfetante para combater a Covid-19, corroem a imagem do presidente e colocam em risco sua vitória nas urnas.

"Talvez seu eleitorado mais fiel não o abandone, muito parecido com o que se dá aqui no Brasil em relação a Bolsonaro, mas ele ganha desafetos. No caso de uma eleição em que o voto não é obrigatório, a postura dele pode ser muito prejudicial", analisa Melo.

Entre os líderes europeus, Pedro Sánchez, primeiro-ministro da Espanha, teve a maior queda de popularidade, de acordo com pesquisa realizada pelo Gabinete de Estudos Sociais e de Opinião Pública (Gesop). No final de março, 44% dos espanhóis aprovavam a gestão do premiê. Em abril, a cifra caiu para 30,3%.

A demora em decretar a paralisação das atividades, de acordo com críticos de Sánchez, é um dos motivos de a Espanha ser o segundo país com o maior número de casos confirmados da Covid-19 -quase 240 mil até a tarde desta quinta-feira (30) –, atrás apenas dos EUA, de acordo com a universidade americana Johns Hopkins.

Para Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da FGV, o coronavírus não é, entretanto, a única causa da queda na popularidade do líder espanhol.

De acordo com o professor, a maneira como Sánchez lidou com a crise foi pior do que outros governos europeus, mas a Espanha já apresentava um cenário de instabilidade política anterior à pandemia.

"A Espanha tem um sistema político fragilizado, um incômodo estrutural no governo, uma coalizão que não é a ideal e um futuro político bastante incerto", analisa.

Para Pavese, da ESPM, os líderes mais bem-sucedidos frente à pandemia são aqueles que unem uma postura de empatia e acolhimento da população à demonstração de postura firme e controlada.

São os casos, por exemplo, de Jacinda Ardern, primeira-ministra da Nova Zelândia, Angela Merkel, chanceler da Alemanha, Moon Jae-in, presidente da Coreia do Sul, e Alberto Fernández, presidente da Argentina.

Enquanto, segundo a professora, Bolsonaro e Trump parecem considerar a empatia como uma demonstração de fraqueza, líderes como Jacinda, Merkel e Emmanuel Macron, presidente da França, apresentam um discurso que reconhece a gravidade da crise e é seguido de uma postura que não gera pânico.

"É como se eles dissessem: 'O problema está posto, ele é grave, a gente entende e partilha desse medo de vocês, mas a gente vai fazer o possível para enfrentar isso juntos e vamos conseguir", ilustra Pavese.

A lógica, de acordo com a professora, é que esse posicionamento atraia o apoio e a adesão da população a "medidas politicamente difíceis de implantar", como o lockdown.

Exemplo disso é a Nova Zelândia que, mesmo tendo imposto medidas mais restritivas de contenção, recebeu reconhecimento internacional. A revista americana The Atlantic se referiu à primeira-ministra neozelandesa como "a líder mais eficaz do planeta" e o Financial Times a chamou de "Santa Jacinda".

Internamente, 88% dos neozelandeses dizem que o governo tomou decisões corretas em relação ao coronavírus, e 83% afirmam acreditar que a gestão de Jacinda é capaz de lidar com outros problemas nacionais, de acordo com pesquisa realizada pela empresa Colmar Brunton.

Ainda entre lideranças femininas, a postura sóbria e técnica de Merkel também lhe rendeu elogios. "Merkel é uma líder bastante durona, pouco deixa transparecer seus sentimentos, mas ela fez um pronunciamento belíssimo, cheio de sentimento e de coragem", avalia Melo.

O cientista político se refere ao discurso em que a chanceler alemã comparou a pandemia à Segunda Guerra Mundial.

"Desde a reunificação alemã, não, desde a Segunda Guerra Mundial, não houve um desafio para o nosso país que dependa tanto da nossa solidariedade comum", disse Merkel em pronunciamento transmitido pela televisão.

Os cidadãos alemães parecem estar de acordo com sua líder. Quase três quartos (72%) dos entrevistados pelo instituto Infratest Dimap estão satisfeitos com o gerenciamento da crise causada pelo coronavírus, e apenas 30% têm alguma crítica ao governo.

Na Coreia do Sul, o bom resultado do enfrentamento da pandemia já se traduziu nas urnas. O Partido Democrata, do presidente Moon Jae-in, conquistou a maioria nas eleições parlamentares do país realizadas no dia 15 de abril.

"O povo empoderou nossos esforços desesperados para superar a crise nacional por meio da eleição", disse Moon em um comunicado após a divulgação do resultado da eleição --uma das primeiras votações nacionais em todo o mundo desde o início da pandemia.

De acordo com Stuenkel, a Coreia do Sul e a maior parte dos países mais bem-sucedidos no enfrentamento do coronavírus têm elementos em comum que geram um ambiente mais propício para lidar de maneira adequada com a crise.

"São todos governos nos quais há uma estrutura clara de liderança, pouca divisão interna e uma boa comunicação."

Segundo o professor, os índices de popularidade tendem a mudar, entretanto, após as fases mais agudas da crise.

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