Publicado em 16 de dezembro de 2025 às 14:48
- Atualizado há 3 horas
BERLIM, ALEMANHA - Em recuo ambiental histórico, a Comissão Europeia vai adiar o banimento de carros a gasolina e diesel na Europa. Programada para 2035, a obsolescência do motor de combustão interna foi objeto nos últimos meses de intenso lobby de montadoras e governos, notadamente o da Alemanha, que celebrou a decisão na última semana. Especialistas, contudo, veem risco existenciais para as empresas do país.>
Em entrevista à imprensa em Heidelberg, Manfred Weber, presidente do Partido Popular Europeu (EPP), que detém a maior bancada do Parlamento em Estrasburgo, declarou que a decisão será anunciada na terça-feira (16), confirmando o que já havia ventilado ao tabloide Bild, nesta semana. "A Comissão Europeia dará andamento a uma clara proposta para dar fim ao banimento.">
Ao seu lado, Friedrich Merz, um dos principais defensores da medida, voltou a falar em "abertura tecnológica", uma crítica indireta à política imposta por Bruxelas, há dois anos, que previa emissões líquidas zeradas no setor de veículos a partir de 2035, inviabilizando assim os modelos convencionais. A redução de emissões cairia para 90%. "Isso agora dá à indústria uma segurança real de planejamento.">
Segundo o primeiro-ministro, o passo não significa um retrocesso ambiental, pois a eletrificação da mobilidade continuará sendo perseguida, mas agora com a ajuda de combustíveis sintéticos, modelos híbridos e dispositivos "long range" - um motor auxiliar a combustão que garante grande autonomia a motores elétricos. >
>
Há pressão também para a adoção generalizada de biocombustível. "A realidade é que ainda haverá milhões de carros com motores a combustão pelo mundo em 2035, 2040 e 2050", declarou o premiê, que abraçou a campanha pelo fim do veto de forma semelhante à que empregou no caso da imigração. >
Os dois itens têm apelo popular, ainda que pesquisas relativizem seus efeitos eleitorais, e são explorados politicamente pela ultradireita alemã.>
Como muitos conservadores europeus, Merz e Weber buscam reconquistar votos perdidos para o populismo. Segundo o chefe do EPP, a decisão de como alcançar metas climáticas deve ser deixada para mercados e consumidores.>
"Banir a tecnologia de motores a combustão não está mais em discussão", declarou o parlamentar. "Todos os motores fabricados na Alemanha neste momento podem portanto continuar a ser produzidos e comercializados.">
O argumento fala direto aos eleitores preocupados com o futuro de seus carros na garagem, mas também às montadoras, que traçaram cenários tenebrosos de desemprego e fechamento de fábricas. As vendas de veículos elétricos não decolaram como esperado após a adoção da rigorosa legislação, ainda que tenha havido recuperação neste ano.>
Países que subsidiam fortemente a eletrificação, como a Noruega, conseguiram virar a chave do mercado. Mais de 90% das vendas de veículos novos em 2025 é de modelos elétricos. O governo alemão deve retomar no ano que vem seu programa de incentivo, mas em proporção bem mais limitada. O setor diz que falta infraestrutura para a popularização dos elétricos, que respondem por 4% da frota na Alemanha (incluindo os híbridos plug-in).>
"Ao incentivar os fabricantes a ficarem presos à produção de veículos a gasolina obsoletos em um mundo em rápida eletrificação, a UE deixa sua indústria automobilística em risco considerável de ficar para trás em relação à concorrência da China e de outros países", declarou Colin Walker, da Climate Intelligence Unit. "Isso é receita para desemprego em massa.">
Em carta à Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, o presidente espanhol, Pedro Sánchez, fez observação parecida: o recuo sufocaria o investimento em modernização e deixaria as empresas europeias para trás na corrida tecnológica.>
A fala do ambientalista se baseia na teoria econômica. Vencedor do Nobel de Economia deste ano, ao lado de outros dois colegas, Philippe Aghion se notabilizou por estudos sobre destruição criativa. Em entrevista de 2023, ele aplicou o conceito à questão ambiental afirmando que "empresas que inovaram em tecnologias sujas no passado tendem a continuar inovando em tecnologias sujas no futuro".>
"Você tende a continuar fazendo o que costumava fazer bem e, por isso, precisa da intervenção do governo para redirecionar a mudança técnica para uma inovação, para tecnologias verdes", explicou. Esse era o objetivo explícito da legislação europeia.>
Especialistas em mercado automotivo já projetavam um futuro complicado para as montadoras alemãs mesmo antes do recuo de Bruxelas. Em artigo na revista Focus, Philipp Raasch traçou cenários em que as três grandes marcas alemãs, Volkswagen, BMW e Mercedes, sofrem profundas mudanças nos próximos anos.>
O prognóstico vai de licenciamento da marca, algo que a Audi já faz na China, até a um "volvização", um termo que brinca com o destino da sueca Volvo, que desde 2010 tem tecnologia e estratégia de negócios sob comando da chinesa Geely. O autor lembra que 20% das ações da Mercedes já pertencem a investidores chineses.>
As montadoras alemãs reagiram com ceticismo ao anúncio de Weber. Aguardam, junto com o fim do banimento dos motores a gasolina, outras obrigações que vão de encontro ao setor em crise. Von der Leyen advoga pelo lançamento de carros populares elétricos que ocupem o espaço de concorrentes chineses em frotas e serviços de leasing e cogita exigir uso de aço verde na fabricação dos veículos.>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta