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Verba do Ministério da Saúde para municípios supera o valor dado ao Estado

Verba do Ministério da Saúde para municípios supera o valor dado ao Estado

UTIs e outros atendimentos de maior complexidade ficam a cargo dos Estados, mas, em ano eleitoral, municípios passaram a receber mais recursos do governo Bolsonaro. Veja o ranking no ES

Publicado em 29 de julho de 2020 às 16:20

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Hospital Dr Jayme Santos Neves possui contêineres para atender ao provável aumento da demanda para os casos de Covid-19
Hospital estadual Dr. Jayme Santos Neves, na Serra, um dos locais de referência no tratamento da Covid-19. (Luciney Araújo)
Verba do Ministério da Saúde para municípios supera o valor dado ao Estado

Os recursos do Ministério da Saúde para combate à Covid-19 repassados aos municípios do Espírito Santo superaram, em junho e julho, o valor transferido ao Estado. Desde o início da pandemia, em março, os municípios capixabas já receberam, juntos, R$ 158,5 milhões, enquanto para o governo do Estado foram destinados R$ 140,8 milhões. (Veja o infográfico abaixo)

Os dados foram consultados pela reportagem na última segunda-feira (27) no painel Tesouro Transparente, do governo federal, e são referentes à consolidação de todas as cinco medidas provisórias que aprovaram a transferência de dinheiro para as despesas de combate ao novo coronavírusem um montante de R$ 13,8 bilhões para todo o país. O painel é atualizado diariamente pelo governo.

Eles mostram que conforme a doença foi avançando – tendo atingido grau mais crítico no Espírito Santo em junho – o governo federal passou a transferir mais dinheiro para os municípios, que são responsáveis pela atenção primária e ações de vigilância, em vez de para o Estado, a quem cabe a implementação de leitos de UTI e assistência aos pacientes mais graves.

Em Brasília, deputados federais que querem irrigar suas bases com recursos, em ano eleitoral, pressionam o Ministério da Saúde por manobras no orçamento para acelerar as transferências aos municípios. Em todo o Brasil, a pasta aumentou em 72% o repasse às prefeituras, que saiu de R$ 7,7 bilhões no final de junho para R$ 13,26 bilhões, até o último dia 27.

Isso não ocorreu com as transferências a Estados, que, no mesmo período, tiveram um crescimento tímido: de R$ 4,1 bilhões para R$ 4,9 bilhões, um aumento de 19,5%. Os critérios de distribuição e a destinação dos recursos são apontados como principais pontos de controvérsia por órgãos como o Tribunal de Contas da União (TCU) e organizações como a Frente Nacional dos Prefeitos (FNP).

O senador Major Olimpio (PSL-SP) acusou o governo de propor a parlamentares que indicassem onde seria alocada parte do dinheiro da Portaria 1.666, a mais recente do governo federal. Ele afirmou que a verba foi distribuída pelo Ministério da Saúde para 50 senadores e 200 deputados a fim de garantir a construção de uma base de apoio.

Os números não incluem os repasses feitos pela União por meio da lei de socorro aos Estados e municípios, que também definiu repasses para aplicação em saúde e assistência social. Neste caso, os critérios estão bem definidos na lei, e os municípios do Espírito Santo têm direito a R$ 57 milhões, e o governo do Estado a R$ 224 milhões.

A guinada na execução do orçamento por parte do Ministério da Saúde pode significar não só o uso eleitoreiro das verbas, mas também a falta de aplicação adequada no combate à pandemia, conforme afirmou o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Carlos Eduardo Lula ao jornal "O Globo". Isso porque a maior parte dos municípios não tem capacidade de executar volumes expressivos de recursos em pouco tempo, além de as redes hospitalares mais avançadas serem, em geral, de âmbito estadual, e não ligados a prefeituras.

Ele considera que existe um "erro de concepção" ao se destinar mais verbas para os municípios. Embora eles necessitem de auxílio, Carlos Eduardo destaca que os custos mais robustos são arcados pelos Estados. "Os responsáveis pelas UTIs para Covid-19, pelo atendimento hospitalar mais complexo, são os Estados e não os municípios, com raras exceções. Existe um erro de origem nessa repartição."

Em relatório emitido na semana passada, o TCU diz que o Ministério da Saúde gastou apenas cerca de 30% do dinheiro prometido para enfrentar a Covid-19 de março a junho. A equipe técnica do órgão não conseguiu identificar a estratégia de compras, logística, distribuição de insumos, além de desconhecer "critérios para transferência de recursos" da pasta.

O Ministério da Saúde afirmou que, entre os critérios para a distribuição dos R$ 13,8 bilhões, no caso dos municípios considerou-se o tamanho da população (priorizando aqueles com menos habitantes) e a média de recursos transferidos para atenção hospitalar e atenção básica em 2019. Para os Estados, segundo a pasta, também foram considerados o número de leitos de UTI, a taxa de incidência de Covid-19 por 100 mil habitantes e a infraestrutura e a capacidade logística para recebimento de ventiladores.

ES É O TERCEIRO QUE MENOS RECEBEU RECURSOS DO GOVERNO FEDERAL

Dados do sistema "Localiza SUS", do Ministério da Saúde, mostraram ainda que o Espírito Santo (considerando o Executivo estadual e as prefeituras) está recebendo o 3º menor valor para o combate à Covid-19 entre os Estados quando considerado o repasse a cada 100 mil habitantes. 

Até julho, a União transferiu R$ 64,98 para cada 100 mil habitantes do Estado. Os menores valores foram para São Paulo (R$ 56,11), e Rio de Janeiro (R$ 59,52). Depois do Espírito Santo, em 4º lugar, está o Pará, com R$ 66,74. O maior valor foi para Roraima, com R$ 160,16.

Entre os municípios, o destaque foi Colatina, que já recebeu R$ 25,5 milhões desde o início da pandemia, o maior repasse entre as cidades capixabas. Ela recebeu mais do que o dobro de municípios como Vitória, Vila Velha e Serra, que possuem as maiores populações do Estado, e várias unidades de atendimento de saúde. A cidade do Noroeste foi ainda a que teve o maior valor liberado entre junho e julho de 2020, de R$ 9,2 milhões. (Veja o ranking no final deste texto)

Os menores repasses até hoje foram para as cidades de Alto Rio Novo, Dores do Rio Preto e Fundão.  Já Alegre, Anchieta, Iúna, Itapemirim e Ibiraçu não receberam novos recursos no mês de julho. 

O QUE ELES TÊM A DIZER

O deputado federal Josias da Vitória (Cidadania), que é o coordenador da bancada federal capixaba (incluindo deputados e senadores) foi procurado por A Gazeta para comentar a suposta pressão feita por parlamentares para a liberação de verbas para prefeituras em detrimento dos Estados em ano de eleição municipal, mas não houve retorno até a publicação desta reportagem. O mesmo ocorreu em relação à Associação dos Municípios do Estado do Espírito Santo (Amunes).

A Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) também foi acionada, para saber sobre possíveis efeitos práticos da medida adotada pelo governo federal na rede de saúde pública no Espírito Santo.

A pasta declarou que os quase R$ 14 bilhões enviados, no total, pelo governo federal a todos os Estados e municípios do país equivalem a dois programas Mais Médicos, por exemplo. Isso é capaz de representar um importante avanço nas políticas de saúde, em especial de enfrentamento à pandemia da Covid-19, ainda de acordo com a Sesa. E os recursos podem ser utilizado para reforçar ações de vigilância em saúde, atenção básica, rede de urgência e emergência e atenção hospitalar.

"Diante da ausência de agenda estratégica nacional clara para os Estados e municípios, cabe aos Estados e municípios definirem a aplicação dos respectivos recursos de custeio", afirmou.

A Secretaria acrescentou ainda que considera a velocidade do repasse tardia, tendo em vista que a pandemia começou em fevereiro e recursos estão sendo disponibilizados em julho. Isso ficou demonstrado pelas datas das habilitações de leitos de UTI feitas pelo Ministério da Saúde para o Espírito Santo: em abril, 68 habilitações; em maio, 97 habilitações e em julho, 376 habilitações.

A habilitação de leitos de UTI para tratar pacientes com Covid-19 é uma das formas de suporte financeiro dado pelo Ministério da Saúde, com aportes  para que Estados e municípios possam custeá-los. Cada leito recebe o dobro do valor normal do custeio diário para leitos de UTI, passando de R$ 800 para R$ 1,6 mil.

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