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Publicado em 6 de junho de 2022 às 17:28
Apesar de ter passado por análise da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara de Vitória, o projeto de lei que proíbe o funcionamento de banheiros unissex nos espaços públicos e privados na Capital, e que foi aprovado por vereadores do município nesta segunda-feira (6), é inconstitucional, segundo especialistas ouvidos por A Gazeta.>
Juristas explicam que a proposta, que trata de banheiros sem destinação a um público específico, sinalizando que o usuário é “livre para usar o banheiro correspondente ao gênero com o qual se identifica”, vai contra a Constituição Federal, cujo artigo 5º estabelece, por exemplo, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, e têm direito à igualdade, entre outras garantias fundamentais. >
O projeto de lei aprovado pela Câmara proíbe a utilização dos banheiros unissex e prevê que os estabelecimentos que já possuem banheiros deste tipo em funcionamento deverão mudar sua finalidade para "banheiro família", passando a destiná-lo ao uso de pais com seus filhos com idade até 12 anos.>
A única exceção diz respeito aos estabelecimentos, sejam públicos ou privados, que tiverem somente um banheiro. Nestes casos, seria permitido o uso geral, desde que o espaço seja disponibilizado para “utilização individual, independente do sexo, mantida a privacidade, com a porta fechada.”>
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Assim, para todos os efeitos, caso o texto seja sancionado, pessoas travestis, transexuais e transgêneros não poderão utilizar os banheiros de Vitória conforme o gênero com o qual se identificam, apenas de acordo com seu sexo.>
O projeto de lei aprovado pela Câmara proíbe a utilização dos banheiros unissex, e prevê que os estabelecimentos que já possuem banheiros deste tipo em funcionamento deverão mudar sua finalidade para "banheiro família"
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O advogado constitucional Flávio Fabiano observa que o mundo passa por um amadurecimento de ideias, e que todas as vezes que uma lei vem para inibir direitos conquistados por meio de lutas sociais, afrontando, inclusive, à própria Constituição Federal, criam-se novas barreiras. >
“Além de ferir a igualdade entre pessoas ao segregar indistintamente sem oferecer uma saída, o projeto de lei também fere os direitos humanos e à própria dignidade humana, sendo, portanto, inconstitucional.”>
Ele pontua que o texto aprovado é frágil e cria um ambiente ainda mais discriminatório, e frisa que o “Estado (poder) está para garantir a dignidade das pessoas, não para apedrejamento ou matança indiretas atrás de segregação e retiradas de conquistas.”>
Para o advogado Rivelino Amaral, o projeto contraria diversos avanços dos últimos anos. Para ele, proibições desta natureza “ferem de morte” a Constituição.>
“A sociedade deu diversos passos no sentido de respeito às opções, especialmente sexuais das pessoas, e proibições dessa natureza ferem de morte a Constituição, que diz em seu artigo 5º que todos são iguais perante a lei, sem distinção de raça, cor, etnia, sexo, religião. O mundo tem se movimentando para adequar-se à realidade atual. Esses banheiros existem em diversos países, como no Reino Unido, na Alemanha, entre outros. O projeto (aprovado na Câmara) vai contra a direção que o mundo caminha.”>
O texto foi aprovado por 6 votos a 2. Autor do projeto, o vereador Gilvan da Federal (Patriota) também foi procurado para comentar sobre a aprovação da proposta. >
Por meio de nota, a assessoria do parlamentar disse que ele, como representante do povo, ouviu o "clamor popular que não deseja ver suas filhas compartilhando banheiro com homens". "Espero sim, um resultado diferente daqui por diante”, diz.>
O texto, que teve como coautores os vereadores André Brandino (PSC), Armandinho Fontoura (Podemos), Davi Esmael (PSD), Leandro Piquet (Republicanos), Denninho Silva (União), Luiz Emanuel e Maurício Leite (ambos do Cidadania), agora segue para sanção ou veto do prefeito, conforme explicou a Câmara de Vitória.>
A Prefeitura de Vitória, por sua vez, ao ser questionada se Lorenzo Pazolini pretende sancionar o projeto, esclareceu que ainda não havia recebido o texto, que “está sendo debatido no Poder Legislativo Municipal". >
"Em respeito à independência e à autonomia dos Poderes, o Poder Executivo aguardará o encerramento do devido processo legislativo e o recebimento do mesmo para analisá-lo”, afirmou a PMV.>
A proposta foi motivada por uma resolução do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), que, desde o final de 2021, permite que pessoas travestis, transexuais e transgêneros utilizem os banheiros conforme o gênero com o qual se identificam. O Ministério Público Federal no Espírito Santo (MPF/ES) explicou, porém, que a legislação municipal não vale dentro de campi da universidade.>
Anteriormente, uma representação contra a universidade chegou a ser formulada pelo deputado estadual Capitão Assumção, apontando possíveis irregularidades cometidas pelo reitor ao expedir a resolução. Entretanto, a representação foi arquivada pelo MPF/ES, que esclareceu ainda que “o acesso a banheiros e demais espaços segregados conforme a identificação de gênero não se confunde com espaços unissex, uma vez que esses permanecem divididos, com base na identidade de gênero do usuário, não do sexo.”>
Ainda segundo a nota, ficou evidente durante a apuração do MPF sobre a representação movida por Assumção, que a resolução do Conselho Departamental do Centro de Educação da Ufes está de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro e com o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF). >
“Por fim, o MPF esclarece que a Ufes possui autonomia administrativa e que aos efeitos da lei aprovada pela Câmara de Vitória não afetam as decisões adotadas pela reitoria.”>
A Administração Central da Ufes, por sua vez, informou que, “caso o projeto de lei seja sancionado pelo prefeito municipal de Vitória, a questão será analisada pela Procuradoria Federal na Universidade.”>
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