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Polarização de 2018 e exigência maior devem marcar eleições de 2020

Polarização de 2018 e exigência maior devem marcar eleições de 2020

Tendência é que as disputas eleitorais do ano que vem tenham características próprias, diferentes das que marcaram o pleito municipal de 2016

Publicado em 7 de outubro de 2019 às 08:16

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Eleições de 2020: projetos com resultados mais objetivos devem ser exigência do eleitor. (Amarildo)

A partir deste final de semana, em que começa circular a primeira edição impressa semanal de A Gazeta, falta exatamente um ano para os brasileiros irem às urnas escolher prefeitos e vereadores. Parece cedo demais para falar de um tópico que, no ano passado, trouxe uma carga extra de estresse à sociedade, mas é o contraste entre a perenidade da polarização política e o excesso de desafios das cidades que fazem o tema oportuno.

A tendência é que as disputas eleitorais de 2020 tenham características próprias, diferentes daquelas que marcaram o pleito municipal anterior, de 2016. Ao menos é o que apontam consultores, cientistas políticos, advogados e dirigentes partidários ouvidos pela reportagem.

Uma importante diferença geral apontada é a maneira como o leitor vai avaliar os candidatos. Como a crise na política a mantém permanentemente em evidência, esse fenômeno também vai moldando a maneira como as pessoas encaram as questões.

E aí especialistas apontam que não bastará conhecer os problemas das cidades. Afinal, os cidadãos os conhecem mais do que ninguém. Poderá ser, mais do que nunca, fundamental apresentar boas soluções aos problemas. E soluções viáveis.

“Terão peso a saúde, a segurança e a educação, mas também a crença de que o prefeito vai ser o articulador de um projeto de desenvolvimento. Ele terá que articular um plano que possa gerar emprego, renda, novas oportunidades nas cidades, atrair parceiros”, observa o cientista político Fernando Pignaton, sobretudo acerca dos pleitos nos grandes centros.

A consultora em marketing político Bete Rodrigues também acredita que a qualidade das soluções propostas poderá influenciar os resultados. E ela exemplifica usando o tópico da falta de segurança, um surrado mote de campanhas que costuma aparecer mergulhado em linhas genéricas.

Sabemos que uma educação de melhor qualidade geraria mais oportunidades e, por conseguinte, afastaria adolescentes e jovens do crime organizado? Sabemos. Mas, na avaliação de Bete, o eleitor não quer ouvir esse discurso repetido, embalado e distante demais dos seus sufocos diários.

“Não basta dizer que temos que dar cultura e escola porque isso tira meninos da rua. Essa pauta tá cansada e tem muito pouco confiabilidade. As pessoas têm que dar um passo adiante, têm que se posicionar de forma mais histérica. Precisam vir com soluções criativas e factíveis. Tem que ser novo na forma, mas possível de se realizar”, pondera.

O economista José Luiz Orrico é outro que insiste na tecla dos bons projetos. Uma ressalva, portanto, é fundamental. Não necessariamente, na avaliação de especialistas consultados, soluções factíveis são obra de políticos tradicionais ou técnicos. Há campo para florescimento de populistas de toda a sorte.

“Acredito que a pauta (em 2020) serão as cidades, o tratamento às cidades, os projetos. Ela é muito local. Os eleitores de Vitória vão votar pensando no seu dia a dia. O projeto mais convincente para a cidade pode levar (a disputa), independentemente de ser político tradicional ou não”, diz Orrico.

CONSERVADORISMO E BOLSONARISMO

Essa assertividade sugerida na elaboração de propostas pode ser replicada também na marcação de posições sobre temas polêmicos que não necessariamente têm a ver com os problemas diários das cidades. É que outra aposta forte de especialistas e observadores do processo eleitoral é a influência da agenda conservadora mesmo nos pleitos municipais.

Embora prefeitos e vereadores não tenham a menor gerência sobre a legislação de aborto, drogas, casamento homoafetivo ou regime geral de Previdência, podem ser instados a apresentar suas convicções. A depender da posição explicitada pelo político, votos preciosos podem ser conquistados ou subtraídos.

Nesses casos, Bete Rodrigues defende a total transparência. Para ela, estão nas retóricas alguns dos principais desafios aos candidatos no pleito seguinte. “Não dá para fugir desses assuntos. O que tem que ter é a postura consensada com o grupo político e com as próprias convicções e não arredar pé. No passado, candidatos evitavam expor algumas opiniões”, comenta.

A polarização política, a incidência das pautas conservadoras e a mensagem de esgotamento das forças partidárias apareceram de maneira demasiada sólida na eleição de 2018 para que estejam plenamente superadas até as disputas municipais. Mesmo aqueles grupos políticos desgastados ou escanteados pelo bolsonarismo x lulismo do ano passado - portanto, desinteressados na manutenção dessa peleja -, veem um “bis”.

Na disputa pelo governo do Estado em 2018, o PSB viu Carlos Manato (PSL) regionalizar o discurso agressivo de Jair Bolsonaro, denunciar o “socialista” Renato Casagrande e até sonhar com um segundo turno.

“Essa disputa direita e esquerda vai estar presente (em 2020). Ela não está resolvida. O projeto da direita não consegue se estabelecer. Do outro lado, a esquerda vai passar por essa avaliação de querer continuar sendo mais à esquerda ou de querer fazer aproximação com o centro, ou algo que seja mais degustável”. É o que pensa Odmar Nascimento, coordenador da Fundação João Mangabeira no Estado, entidade de formação política do PSB e um dos principais aliados de Casagrande.

Do outro lado, Manato, interessado em eleger prefeitos e vereadores no Estado, percorre municípios com o que chama de seminários de formação. Em vez de discursos de políticos locais exaltando o presidente e criticando governos municipais, história.

“O partido está fazendo esses seminários para divulgar o que é ser de direita. Não é colocar para falar todas as lideranças. Fala-se o mínimo possível. Fala o Wellington Callegari, que é historiador e fala da história da direita no Brasil”, conta.

O cientista político João Gualberto Vasconcellos também vislumbra uma perenidade da agenda conservadora. Os indícios disso estão no Estado, no país e no mundo.

“Nas sociedades europeia e americana, tem a rejeição a imigrantes. Na nossa tem alguns aspectos, como certa militarização do dia a dia da política. Aqui no Espírito Santo, o movimento político-militar volta a se expressar. A onda conservadora tende a continuar. Somos um país evangélico, que em sua maioria são mais conservadores. Essa presença mais firme dos evangélicos na política ainda não se esgotou”, pondera.

FIM DAS COLIGAÇÕES PODE DAR BASTA ÀS LARANJAS

O peso da agenda conservadora nas eleições municipais, bem como o da qualidade das propostas para as cidades, ainda são apenas apostas. O que de fato marcará e já está marcando as disputas de prefeitos e vereadores de 2020 é o fim das coligações proporcionais. Partidos terão que se resolver internamente para lançar candidatos competitivos.

Com a nova regra, aprovada em 2017, duas tendências surgem no horizonte. Uma é a redução da grossura da sopa de letrinhas partidárias nas eleições. Outra é a redução de lançamento de mulheres como candidatas “laranjas”.

É que a partir do ano que vem os partidos vão concorrer sozinhos. Isso quer dizer que para alcançar as votações necessárias para ter direito às cadeiras nas Câmaras municipais cada partido só pode contar com os desempenhos dos candidatos a vereador das próprias agremiações. Está vedada a união dos candidatos mais competitivos de dois ou mais partidos. Assim, não soa interessante colocar mulheres para “cumprir tabela”.

Conforme prevê a legislação eleitoral, ao menos 30% das candidaturas proporcionais (para cargos de vereador, deputado estadual e deputado federal) devem ser destinados a um dos gêneros - apesar de a lei não fazer a especificação, em geral a menor parte fica com as mulheres.

Essa cota vira um problema para os partidos. Ainda que não interessados em dar estrutura e dinheiro para que elas tenham candidaturas competitivas, a leis os obriga a lançá-las. E aí as candidaturas de fachada aparecem. Surgem mulheres que não fazem campanha, não pedem votos. Tem também aquelas que sonham em ser eleitas, mudar as políticas públicas, mas são munidas com apenas uma fração da estrutura dos figurões, homens.

Agora, se cada partido precisa atingir, sem estar coligado, determinada quantidade de votos para ter direito a uma cadeira no parlamento, é interessante que todos os candidatos e todas as candidatas precisam ter alguma força.

“O principal ponto da eleição de 2020 é o fim da coligação. Uma chapa competitiva começa pelas mulheres. A chapa tem que ser preenchida com candidatas competitivas. Havia muitas mulheres como ‘quebra galho’. Agora, isso não interessa mais”, afirma o advogado especialista em Direito Eleitoral Marcelo Nunes.

Entre candidatos a vereador, são comuns aqueles cidadãos simples e conhecedores das realidades das comunidades que os cercam. Esse perfil costuma trazer certa informalidade para as campanhas. E aí está outro possível obstáculo para candidatos ao Legislativo.

Vigorou já na eleição de 2018 uma regra que obriga os candidatos a informarem em, no máximo, 72 horas todos os recursos que recebem como financiamento. A exigência demanda certa expertise dos profissionais que atuam nas campanhas.

Ex-juiz eleitoral, o advogado Danilo Araújo Carneiro alerta que um descuido nesse aspecto pode resultar em problemas na prestação de contas e, consequentemente, na eventual posse no cargo.

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“A prestação de contas é muito mais em tempo real. No passado, dava para ir fazendo acertos. A pessoa ia acumulando as contas, ia fazendo acertos quase fantasmas. É uma eleição que vai precisar de inteligência no background. Candidaturas amadoras estão fora, tem que haver profissionais. Se não houver a prestação de contas como deve, pode ter problema”, diz.

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