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PECs no Congresso para permitir prisão em 2ª instância dividem juristas

PECs no Congresso para permitir prisão em 2ª instância dividem juristas

Controvérsia gira em torno de existência, ou não, de cláusula pétrea que faça com que o dispositivo da presunção de inocência não possa ter nenhum tipo de alteração

Publicado em 8 de novembro de 2019 às 20:47

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Reunião da CCJ da Câmara começou a discutir, em outubro, proposta de prisão após condenação em segunda instância . (Michel Jesus / Câmara dos Deputados)

Como uma reação ao resultado do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu que a prisão só pode ocorrer após esgotamento de todos os recursos e não após decisões em segunda instância, ganharam fôlego tanto na Câmara dos Deputados como no Senado Propostas de Emenda à Constituição (PECs) para alterar a legislação e permitir que condenados possam cumprir pena após julgamento de segunda instância. Contudo, eventual mudança na Constituição divide juristas, pois afrontaria o princípio da presunção de inocência, uma das cláusulas pétreas do ordenamento jurídico brasileiro.

As cláusulas pétreas são dispositivos da Constituição que nem mesmo o Congresso Nacional pode tentar abolir. São elas: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais. Esses últimos estão previstos no artigo 5º em 78 itens, entre eles, a presunção de inocência. Para alguns juristas, todos esses direitos são imutáveis, enquanto outros consideram que os princípios não podem sair, mas o texto pode ser ajustado.

A PEC em tramitação na Câmara propõe alterar o inciso 57 do artigo 5º da Constituição, que diz que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". O novo texto seria: "ninguém será considerado culpado até a confirmação de sentença penal condenatória em grau de recurso"

O texto já recebeu parecer favorável da relatora, deputada Caroline De Toni (PSL-SC) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em 16 de outubro, mas a oposição pediu vista para analisá-lo. O deputado Felipe Francischini (PSL-PR) poderá pautá-lo na próxima segunda-feira (11).

No Senado, a PEC em tramitação propõe acrescentar um item ao artigo 93 da Constituição, que ficaria com a seguinte redação: "Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: decisão condenatória proferida por órgãos colegiados deve ser executada imediatamente, independentemente do cabimento de eventuais recursos". Na Casa, a presidente da Comissão e Constituição e Justiça do Senado, Simone Tebet (MDB-MS) já afirmou que colocará o projeto em pauta já na próxima sessão.

DIVERGÊNCIA

O doutor em Direito e professor da FDV, Américo Bedê, entende que não há a possibilidade de alterar a Constituição neste ponto. "As cláusulas pétreas são uma proteção do legislador contra o Congresso, contra maiorias de momento. Em tese, não poderia mudar. Uma eventual emenda como essa poderia ser declarada inconstitucional pelo Supremo", afirmou. Segundo ele, mesmo que a mudança seja feita no artigo 93, e não no artigo 5º, estaria indo contra a Constituição. "Pelo princípio da unidade, a Constituição tem que ser interpretada conjuntamente, esta mudança no artigo 93 estaria confrontando o 5º, e este prevalece, pois é mais abrangente", explica.

Segundo ele, no meio jurídico há uma discussão grande se deve ou não existir cláusulas pétreas. "Alguns autores consideram que toda geração é livre para traçar seu destino, e o que servia para 1988 não necessariamente serve para 2019. Consideram um excesso. É uma polêmica grande", comenta.

A professora de Direito Penal da Ufes, Margareth Zaganelli, também entende que o a presunção de inocência não pode sofrer nenhuma alteração no texto constitucional. No entanto, explica que ele serve para nortear o direito processual penal. "Ele é observado durante a instrução processual, onde há a inversão do ônus da prova, pois cabe a quem acusou, provar. Ele também é aplicado ao definir que quando não existir prova suficiente para a condenação, o juiz deve absolver o réu. E, por fim, deve ser levado em conta na análise de necessidade de prisão, que só pode ocorrer se for fundamentada."

Já o advogado e doutor em Direito Cláudio Colnago pontua que não é incomum a jurisprudência do STF ser superada por modificações da Constituição. Quanto à possibilidade da PEC, ele entende que como não existem direitos fundamentais absolutos, todos podem sofrer algum tipo de restrição, uma limitação no seu âmbito de aplicação, desde que seja razoável. "O que o Congresso não pode fazer é abolir os direitos que estão no artigo 5º. Se tivéssemos uma emenda para revogar a presunção de inocência, violaria a cláusula pétrea. Tem que haver uma interpretação restritiva, senão engessa o legislador."

Além de alterar a lei por meio de PEC, também seria possível que o legislativo articulasse uma mudança no art. 283 do Código de Processo Penal que, por ser uma lei ordinária, tem um processo de aprovação mais simples. No entanto, para Colnago, com a última decisão do STF, a medida estaria mais sujeita a questionamentos. "No cálculo político, avalia-se que já que se vai mexer na matéria, é melhor que seja por PEC, que tem um caráter mais definitivo."

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Ele acrescenta que antes da conclusão do processo legislativo, os projetos de lei ou PECs não podem ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade (ADI) no STF, na medida em que ainda não se qualificam como atos normativo. Ou seja, só poderiam ser questionados no STF após aprovados.

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