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Publicado em 21 de outubro de 2022 às 15:59
Mais da metade da população brasileira — e também dos que residem no Espírito Santo — é negra. Contudo, ocupar os espaços de liderança e de poder ainda não faz parte da realidade para a maioria dos pretos e pardos. E, nas Eleições 2022, esse retrato da baixa representatividade não é diferente: menos de 5% dos candidatos que se declararam negros tiveram sucesso na disputa. >
É verdade que o índice vem aumentando desde as eleições gerais de 2014, ano em que se tornou obrigatório ao candidato declarar a cor ou raça. Mas o indicador sobe muito lentamente e ainda reforça a sub-representatividade dessa parcela da população.>
Naquela disputa, dos 350 que afirmaram ser pretos ou pardos, apenas 13 se elegeram, o equivalente a 3,71% do grupo. Em 2018, foram 422 concorreram e 16 ganharam, isto é, 3,79%. Agora, em 2022, foram 399 negros em busca de um mandato eletivo e apenas 19 foram bem-sucedidos, ou seja, 4,76%.>
“É importante que a população negra participe desse espaço de decisão. É a política que decide nossas vidas e também o destino dos recursos e políticas públicas", pontuou Patrícia Rufino, professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) na área de Educação, Política e Sociedade. >
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Para ela, vivenciamos uma cultura em que ainda existe forte resistência à inclusão de negros nos espaços de poder e mudar essa realidade passa necessariamente pela educação. >
Opinião semelhante à de Osvaldo Martins de Oliveira, professor do Departamento de Ciências Sociais e coordenador do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da Ufes, que ressalta a importância do processo educacional e de valorização da identidade de pretos e pardos, mas defende ainda outras estratégias a mais curto prazo. >
Também doutor em Antropologia Social, Oliveira avalia que, para candidaturas pretas e pardas avançarem, é preciso articulação para além do movimento negro, ampliando suas próprias redes de modo a alcançar outros públicos. >
O professor se mira nas campanhas vitoriosas de Jackeline Rocha (PT), que se tornou a primeira mulher negra eleita para a Câmara Federal, e de Camila Valadão (Psol), a deputada estadual mais bem votada do Espírito Santo. Oliveira reconhece nas duas candidaturas bem-sucedidas essa atuação que extrapola o campo dos grupos identitários e chega a outros espaços.>
Osvaldo Martins de Oliveira
Professor da UfesVale ressaltar que Jackeline e Camila conseguiram romper também outra discrepância do cenário político, que é a presença reduzida de mulheres nos cargos eletivos, embora o público feminino represente a maioria do eleitorado. >
Ainda no critério de cor e raça, Oliveira observa outras questões que atravessam o elemento político no momento de escolher um candidato, a exemplo de como a religião tem se apresentado fortemente a cada eleição. >
"Estão 'encabestrando' o voto para outros interesses. Nessas eleições, tentam captar o voto por interesses religiosos, moralistas, que são também econômicos. Quanto mais seguidores em uma instituição religiosa, o líder tem não apenas recursos humanos, mas também mais dinheiro com o dízimo e, em votos, no período de eleições. Constroem um inimigo visível — ou invisível — afirmando que, se votar em 'fulano', a religião está ameaçada, a família está ameaçada. Grande percentual da população negra está encurralada nessa dimensão", constata. >
Isso porque a maioria dos negros reside nas periferias, região em que muitas vezes é a igreja que faz o papel do poder público. Assim, as lideranças religiosas conseguem seguidores fiéis, seja para "as coisas de Deus", seja para as da política. >
"Há sempre um jogo de interesses por trás desse embate político. Dependendo de onde o candidato negro está posicionado, pode angariar votos, mas pode perder também. Tivemos, por exemplo, candidatos ligados às religiões de matriz africana, mas há um preconceito grande a essas tradições. Ao mesmo tempo em que ganha votos de um lado, de quem está ligado a esse segmento, perde de outro", destaca o professor. >
A identificação racial acontece por autodeclaração e muitas vezes feita pelo próprio partido ou por assessores, fazendo com que os dados oficiais sejam contestados por conta de irregularidades. Há também casos de candidatos que buscavam a reeleição e mudaram a declaração de cor. É o caso do deputado federal, Evair de Melo (PP), que se declarou pardo nas Eleições 2022, mas em 2014 e 2018 se declarou branco.>
A reportagem entrou em contato com o deputado para que ele se pronunciasse sobre a mudança na autodeclaração, mas até a publicação da matéria, ele não enviou resposta.>
Em agosto, A Gazeta publicou uma reportagem mostrando que, na época, quase 40 candidatos do Estado haviam mudado a declaração de cor ou raça para as eleições de 2022. Dos 168 candidatos que participaram da votação em 2018, 37 “mudaram de cor”. Deles, 12 deixaram de ser brancos e se autodeclararam pardos, pretos ou indígenas. Os outros 25 fizeram o caminho contrário.>
Desde 2020, os partidos são obrigados a financiar campanhas de candidatos pretos e pardos de forma proporcional ao número de candidatos autodeclarados dessa forma. Isso significa, por exemplo, que se o partido tiver 10% de candidatos negros (soma de pretos e pardos, segundo classificação do IBGE), 10% dos recursos têm que ser destinados a eles.>
A novidade deste ano é que, para o cálculo do fundo partidário, a emenda constitucional 111/2019 estabeleceu que os votos dados a candidatos negros para a Câmara dos Deputados deverão ser contados em dobro.>
Assim, partidos com mais votos para candidatos que se autodeclaram pretos e pardos poderão ter acesso a uma parcela maior dos recursos. >
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