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Entenda a CPI da Covid e as consequências para Bolsonaro

Entenda a CPI da Covid e as consequências para Bolsonaro

Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, terá que instalar a CPI por decisão do STF. Entenda o que isso significa e quais são os próximos passos

Publicado em 9 de abril de 2021 às 16:55- Atualizado há 3 anos

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Da direita para esq: Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, Jair Bolsonaro, presidente da República, Hamilton Mourão, vice-presidente e Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados
Da direita para esquerda: Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, Jair Bolsonaro, presidente da República, Hamilton Mourão, vice-presidente e Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados. (Marcos Correa)

Senado deve dar início, na próxima semana, à instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar a atuação do governo federal no enfrentamento à pandemia de Covid-19. Por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), vai ter que tirar da gaveta o requerimento de CPI apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e assinado por 31 parlamentares, inclusive dois dos três que representam o Espírito Santo na Casa.

A decisão de Barroso atende o pedido de Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Cidadania-GO), que foram à Corte  após Pacheco manter o pedido engavetado desde fevereiro, mesmo com todas os requisitos necessários para a instauração da CPI.

O objetivo é investigar as possíveis omissões e responsabilidades do governo federal diante da pandemia, que já matou mais de 340 mil brasileiros desde março do ano passado. As investigações podem resultar em elementos para futuras investigações de instituições competentes, como Ministério Público Federal e Polícia Federal.

Politicamente também há efeitos colaterais para o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A abertura da comissão pode gerar um grande desgaste ao governo federal, especialmente em um momento em que a aprovação da gestão despenca, as vacinas chegam de forma lenta e quase todo o Congresso – deputados e alguns senadores em fim de mandato – está de olho na eleição do ano que vem.

Cientistas políticos apontam, ainda, que a decisão do STF nesse contexto favorece Pacheco e Arthur Lira (PP-AL), eleitos presidentes do Senado e da Câmara com o apoio de Bolsonaro, uma vez que a instalação da CPI terá as digitais do Supremo e não do Legislativo.

O QUE É A CPI DA COVID

Proposta pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), com o apoio de outros 31 parlamentares, a comissão tem como objetivo apurar a conduta do governo federal na condução da pandemia de Covid-19 no Brasil, em especial a possível omissão da União nos lugares onde houve colapso do sistema de saúde, como foi o caso da falta de oxigênio em Manaus

A comissão será formada por 11 membros e sete suplentes, os membros são indicados pelos partidos e por blocos partidários. O grupo terá um prazo de 90 dias para ouvir autoridades e levantar provas para, depois, emitir um relatório.

QUEM PROPÔS

O requerimento foi apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede). A ideia tem o apoio de 31 senadores, cinco a mais do que o mínimo necessário para abertura de uma investigação. O pedido foi assinado por parlamentares de Cidadania, Rede, PDT, PT, MDB, Podemos, PSDB, PSD e PROS. No Espírito Santo, Rose de Freitas (MDB) e Fabiano Contarato (Rede) assinaram o requerimento. Já para Marcos Do Val (Podemos), a iniciativa é "discurso populista".

POR QUE ESSA DISCUSSÃO CHEGOU AO SUPREMO

O requerimento para a criação da comissão foi protocolado no Senado, por Randolfe, no dia 4 de fevereiro. Desde então, não houve qualquer movimento de Pacheco para que o colegiado fosse instaurado. Com a demora, dois senadores, Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Cidadania-GO), foram ao STF apelando para o "direito da minoria", que considera que a minoria no Congresso pode pedir a criação de comissões, desde que reúna um terço das assinaturas de uma das Casas, tenha um fato pré-determinado, prazo e custo previstos.

Em uma decisão liminar (provisória) e monocrática, Barroso acolheu o pedido e determinou que Pacheco tome as providências necessárias para criar o colegiado, decisão que causou uma forte reação por parte de Bolsonaro e integrantes do governo. Embora considere a medida "equivocada", Pacheco disse, em coletiva, que vai acatar a determinação porque tem "responsabilidade institucional e cívica".

A decisão ainda será discutida pelos demais ministros, mas até que se decida diferentemente, a palavra de Barroso é a que será seguida, conforme aponta o pós-doutor em Direito e professor da Ufes Ricardo Gueiros.

Para Bolsonaro, o movimento é uma interferência do Poder Judiciário. O presidente atacou o ministro nas redes sociais. "Falta-lhe coragem moral e sobra-lhe imprópria militância política", escreveu. 

O QUE ACONTECE AGORA

Com a decisão de Barroso, que apenas ressaltou que os requisitos para criação da CPI foram supridos, Pacheco adiantou que dará início aos trabalhos na semana que vem, com a leitura do requerimento em plenário e o pedido para que os partidos comecem a indicar seus membros para integrar o colegiado. Depois, será decidido quem vai presidir e relatar na comissão. O prazo para as oitivas e apuração é de 90 dias.

"Não cabe ao presidente do Senado, presentes todos esses requisitos, não instalá-la. Não cabe ao presidente a análise da conveniência política. Não poderia a opinião do Presidente prevalecer sobre um terço do Senado. Além disso, trata-se de matéria já consolidada no STF, havendo vários precedentes sobre o assunto", aponta Gueiros.

QUEM PODE SER OUVIDO

Um dos grandes motivos de desgaste para o governo na instalação dessa CPI são as pessoas que podem ser convocadas para ser ouvidas, destaca o cientista político e professor da Mackenzie Rodrigo Prando.

Como um dos atores principais no combate à pandemia é o Ministério da Saúde, podem ser chamados os ex-ministros que ocuparam o cargo, inclusive Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, que deixaram o cargo por discordância na forma como Bolsonaro lidava com o cenário de crise. Além disso, o próprio Jair Bolsonaro, caso seja convocado pelo Senado, deverá ir prestar contas.

O QUE PODE ACONTECER COM BOLSONARO

Existem duas análises sobre o tema. Primeiro, as consequências políticas e, também, as prováveis consequências jurídicas.

Possíveis resultados políticos

Os resultados mais evidentes da CPI, que já se mostram desde a sua instauração, estão nas consequências do desgaste à imagem do governo federal. A comissão tem como objetivo "passar uma lupa" em cima dos principais momentos críticos da pandemia, como o caso do colapso da saúde nos Estados do Norte e na demora para adquirir vacinas, o que arranha ainda mais a imagem da gestão de Bolsonaro, que tem sido cada vez mais desaprovada pela população.

"A CPI tem a cobertura ampla da mídia, você vê os erros expostos nas reportagens. Vai apurar se o governo federal agiu ou se omitiu na pandemia e sabemos o quanto o teto de vidro do Planalto é amplo. Bolsonaro promoveu aglomerações, insistiu em medicamentos sem comprovação, foi contra medidas de isolamento, se recusou a usar máscara... Fora que é um desgaste em ano pré-eleitoral, o que nenhum presidente da República, que vai tentar reeleição, quer ou precisa", aponta o cientista político e professor do Insper Leandro Consentino. 

Para Prando, há também um sinal claro de que Bolsonaro comprou briga com todos os lados possíveis, além de ter feito uma dívida grande com o Centrão ao negociar cargos e emendas para eleger seus candidatos como presidentes no Congresso, exatamente para ter uma sobrevida política e se livrar da possibilidade de um impeachment. Acontece, ressalta, que não existe fidelidade entre os membros do Centrão.

"Os atores políticos sempre se perguntaram se instalar o impeachment não seria conturbar mais ainda um cenário que já era muito tenso. Mas, chega um momento que eles começaram a perceber que não tem mais volta. Pior do que 4 mil pessoas morrendo por dia não fica. Agora agem não por meio do impeachment, mas da CPI e o governo colhe o que plantou. Desde o primeiro dia ele assumiu uma postura de ataque às instituições. Bolsonaro não aprendeu, como militar, que quando se abre muitas frentes de batalha a defesa fica fragilizada", aponta o professor.

E como não só Bolsonaro quer se reeleger, deputados e senadores começam a se movimentar pensando nos votos que não podem perder. "A política implica na conquista e na manutenção do poder. Os senadores e deputados já estão se perguntando se querem se associar à imagem do presidente ou não. O presidente significa concretamente uma possibilidade de permanência no poder? Isso não dá mais pra dizer hoje. Com isso, mesmo os mais aliados, passam a querer 'um pedaço do latifúndio' para atacar o governo", pontua.

Possíveis resultados jurídicos

As CPIs não possuem uma atribuição de julgamento, conforme aponta o advogado constitucionalista Cláudio Colnago. O que existe é a investigação, ou seja, o fato de que a conduta do governo federal será apurada não implica, necessariamente que haverá alguma responsabilização. 

"Ao final de seus trabalhos, ao longo dos quais podem ser feitas diligências e ouvidas testemunhas, deverá ser elaborado relatório. Este relatório, que sintetiza as conclusões da CPI, deve ser enviado ao Ministério Público, para a eventual apuração de responsabilidades civil ou criminal", explica Colnago.

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