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Diretora registra queixa contra deputado por intimidar alunos em exposição no ES

Diretora registra queixa contra deputado por intimidar alunos em exposição no ES

Parlamentar do Republicanos estava acompanhado de um vereador do PL da Serra quando teriam intimidado alunos e professores em visita à exposição “Línguas Africanas que fazem o Brasil"

Publicado em 17 de outubro de 2025 às 18:40

Exposição: Línguas Africanas que fazem o Brasil
A exposição Línguas Africanas que fazem o Brasil ficará no Palácio Anchieta até o dia 14 de dezembro Crédito: Guilherme Sai/Divulgação

Uma saída de estudos com alunos para visitar a exposição “Línguas Africanas que fazem o Brasil”, no Palácio Anchieta, em Vitória, acabou se tornando pano de fundo para uma investigação policial. A diretora da escola que promoveu a atividade registrou queixa contra o deputado estadual Alcântaro Filho (Republicanos) após uma turma de adolescentes e professores ser filmada, sem autorização, e o parlamentar adotar atitudes consideradas intimidatórias pelo grupo. O deputado rebate as acusações. 

O grupo — 12 alunos e quatro professores — foi à exposição no último dia 10 de outubro. Logo no início da visita, conforme descrito no boletim de ocorrência registrado virtualmente, a turma foi acompanhada por cinco homens, mais tarde identificados como o deputado, o vereador Pastor Dinho Souza (PL/Serra), contra quem também foi feita queixa, e assessores que estavam fazendo filmagens com celulares.

"Inicialmente, a conduta desses indivíduos gerou transtorno, uma vez que o tom de voz elevado de suas conversas interferia diretamente na experiência dos demais visitantes e na orientação da exposição. No decorrer da atividade, o foco das filmagens passou a ser direcionado especificamente aos estudantes e professores, sem a devida autorização", relata a diretora, que não será identificada, bem como a escola situada em Vitória, para preservar a integridade da turma. 

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Diretora registra queixa contra deputado por intimidar alunos em exposição no ES

Diante das gravações sem autorização, funcionários da exposição tentaram intervir, orientando os parlamentares e assessores a parar de filmar as pessoas sem consentimento.

Um visitante que testemunhou o episódio afirma que os monitores do espaço insistiram muitas vezes para que as filmagens fossem interrompidas, mas foram ignorados. Chegou um momento em que o deputado e o vereador teriam se posicionado entre os estudantes, segundo a testemunha, e passado a contradizer as explicações da visita guiada, declarando que a exposição era "coisa do diabo".

Como eles não pararam, continua a diretora no boletim de ocorrência, os professores responsáveis pelo grupo reforçaram o pedido. 

"Após a reiteração da solicitação por parte dos docentes, os indivíduos iniciaram um processo de intimidação direcionado aos profissionais da escola. Foram proferidas, em alto e bom som, acusações de que a atividade em curso configurava 'doutrinação religiosa' e 'ideologização'. Adicionalmente, levantaram suspeitas sobre a presença dos estudantes na atividade, questionando publicamente a legitimidade da participação e o teor do evento educativo", ressalta a gestora escolar. 

Trechos das gravações foram exibidas, inclusive, nas redes sociais do deputado e do vereador sob a legenda de "Doutrinação Religiosa no Palácio Anchieta", criticando o fato de a exposição apresentar palavras e elementos ligados às religiões de matriz africana.

Após as declarações dos parlamentares, os professores afirmam ter respondido que a atividade era de natureza estritamente curricular e que a postura dos parlamentares e assessores estava causando perturbação e interferindo no desenvolvimento normal do evento. 

"A estabilização da situação somente foi alcançada após a intervenção dos monitores da visita, que conseguiram persuadir os indivíduos a se afastar do grupo de estudantes, permitindo o prosseguimento da atividade planejada", complementa a diretora, ressaltando que a ação, além de causar perturbação a uma atividade curricular autorizada, configurou um ato de intimidação e desrespeito aos professores e estudantes durante atividade pedagógica legítima e legalmente amparada.

Conforme boletim unificado, a visita estava previamente autorizada pela supervisão escolar, que analisou a proposta e a validou por estar de acordo com o previsto no currículo da rede estadual e, ainda, com o determinado pela legislação federal 11.645/2008. 

Ainda no documento, a diretora explica que a legislação estabelece a obrigatoriedade da abordagem dos temas de história e cultura afro-brasileira e indígena no currículo da educação básica, particularmente em componentes como História, Arte e Literatura, visando à valorização da história, da luta e da cultura desses povos e ao combate ao racismo estrutural no sistema educacional. 

A Polícia Civil afirma que o caso vai ser conduzido pelo 1º Distrito Policial de Vitória, em Santo Antônio, para onde foi direcionada a queixa virtual. 

Em nota, Alcântaro Filho repudiou integralmente o que chamou de tentativa de inversão dos fatos. "Em momento algum houve intimidação, mas sim fiscalização legítima e amparada pela Constituição". Ele reafirmou o compromisso com a proteção das crianças e a transparência nas atividades pedagógicas, acrescentando que não aceitará que se tente silenciar a atuação parlamentar e tomará as medidas jurídicas contra toda e qualquer inverdade e ameaça sofrida.

O vereador Pastor Dinho Souza, também em nota, diz desconhecer a queixa e ressalta que não intimidou nenhum profissional da educação ou aluno. Ele disse que tomou conhecimento da exposição no Palácio Anchieta após a filha chegar em casa falando sobre o que viu no passeio da escola.

"Como pai, entrei em contato com o deputado estadual Alcântaro Filho, buscando auxílio na representação do parlamentar. Sou cristão e minha família também. Quem ensina religião para meus filhos sou eu e minha esposa, e não a escola. A exposição, sob o pretexto de falar de cultura, sob a ótica da minha fé e valores, não passa de uma doutrinação religiosa de religiões de matriz africana, e não propriamente da cultura africana, conforme divulgado pela escola da minha filha."

Por fim,  afirma que respeita a cultura africana, mas não professa as religiões de matrizes africanas, às quais a filha foi exposta na visita escolar. 

Respeito

Secretaria de Estado da Educação (Sedu) afirma, em nota, que repudia, de forma veemente, qualquer atitude que represente constrangimento, intimidação ou desrespeito a estudantes e profissionais da educação. A Sedu ressalta, ainda, que acompanha o caso e adotará as providências cabíveis para assegurar a segurança, o respeito e a integridade da comunidade escolar envolvida.

Ainda na nota, a secretaria frisa que as escolas da rede estadual são orientadas a realizar atividades pedagógicas externas de maneira planejada e supervisionada, como parte do processo de ensino e aprendizagem. "Essas ações têm caráter educativo, são previamente autorizadas pelas famílias e pela Superintendência Regional da Educação e têm como objetivo ampliar as experiências culturais e formativas dos estudantes."

Sobre a visita à exposição “Línguas Africanas que fazem o Brasil”, no Palácio Anchieta, a Sedu reforça o que já havia manifestado a diretora, pontuando que "a atividade está em total consonância com as diretrizes curriculares da educação básica e com a legislação vigente, que estabelece o ensino da história e da cultura africana, afro-brasileira e indígena em todos os níveis de ensino, conforme a lei 11.645/2008, que alterou a lei 10.639/2003, e ambas modificaram a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9.394/1996)."

Exposição

Diante do episódio, o governo capixaba se manifestou por meio da Secretaria da Cultura (Secult), informando que o Palácio Anchieta, assim como todos os espaços culturais públicos do Estado, são ambientes plurais de diálogo, reflexão e aprendizado.

A Secult ressalta que a exposição revela, por meio de instalações interativas, videoinstalações, esculturas, filmes e registros históricos, a profunda influência de línguas africanas como o iorubá, o ewe-fon e as do grupo banto no português falado no Brasil e em diversas manifestações culturais do país. A mostra explora como essas línguas ajudaram a moldar o vocabulário, as expressões e a própria cultura brasileira. A entrada é gratuita.

A exposição tem curadoria do músico e filósofo Tiganá Santana e, conforme informações da Secult, reúne importantes nomes da arte contemporânea brasileira e conta com a participação dos artistas capixabas Castiel Vitorino Brasileiro, Natan Dias e Jaíne Muniz. A visitação vai até o dia 14 de dezembro de 2025, com recursos de acessibilidade, como audiodescrição, Libras e acessibilidade motora.

Línguas Africanas teve recorde de público desde a reabertura do Museu da Língua Portuguesa, com mais de 240 mil visitantes em São Paulo. A mostra é uma iniciativa do Instituto Cultural Vale e do Museu Vale, com concepção do Museu da Língua Portuguesa — instituição da Secretaria da Cultura do governo de São Paulo (órgão da administração de Tarcísio de Freitas, do mesmo partido do deputado Alcântaro Filho) —, com apoio do governo do Espírito Santo, por meio da Secult. Conta ainda com patrocínio da Vale e realização do Ministério da Cultura (Minc), por meio da Lei de Incentivo à Cultura.

Serviço:

  • Exposição “Línguas africanas que fazem o Brasil - Itinerância Espírito Santo”
  • Local: Palácio Anchieta - Praça João Clímaco, s/n - Centro, Vitória
  • Visitação: Até 14 de dezembro
  • Dias e horários: de terça a sexta-feira, das 8h às 18h, e aos sábados, domingos e feriados, das 9 às 16h
  • Entrada gratuita e classificação livre.

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