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Cidades do ES têm repasse federal menor mesmo com receita per capita mais baixa

Cidades do ES têm repasse federal menor mesmo com receita per capita mais baixa

Levantamento da Firjan mostra que critério utilizado para dividir o Fundo de Participação dos Municípios cria algumas distorções

Publicado em 27 de dezembro de 2019 às 17:43

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Prefeitura Municipal de São Mateus: cidade recebeu R$ 375,89 por morador na divisão do do FPM. (Carlos Alberto Silva - 12/012/2013)

Mesmo tendo a quarta maior receita per capita do Brasil e a maior arrecadação por habitante do Espírito Santo, Presidente Kennedy, no Sul do Estado, está entre as cidades que mais recebem repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). O recurso foi criado com dinheiro da União para diminuir as desigualdades entre os municípios brasileiros. Por outro lado, São Mateus, por exemplo, que tem a 5ª menor receita per capita do Espírito Santo, recebeu quase um terço do que foi destinado para a prefeitura kennediense.

Um levantamento feito pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) mostra que a forma como o FPM é dividido permite algumas distorções como essas, em que municípios de boa arrecadação recebem mais ajuda do que aqueles com receita proporcionalmente menor.

Impulsionada pelos royalties do petróleo, Presidente Kennedy tem receita per capita de R$ 39.954,06 por morador, segundo dados de 2018 da revista Finança dos Municípios Capixabas. E o repasse de FPM para lá foi de R$ 11,3 milhões, com cerca de R$ 989,62 para cada morador da cidade. Já São Mateus, que tem receita de R$ 2.197,38 por habitante,  quase 20 vezes menos do que os moradores kennedienses, recebeu R$ 48,3 milhões, que, divididos em seus 128  mil habitantes, chega a R$ 375,89 para cada mateense.

COMO FUNCIONA A DIVISÃO?

O Fundo de Participação dos Municípios (FPM) foi criado em 1966 para ajudar a desenvolver municípios pequenos e reduzir as desigualdades entre as cidades.

Foram definidos dois tipos de cotas, uma para as cidades do interior com menos de 142.632 habitantes, em que os critérios de divisão são populacionais, ou seja, ganha quem tem um número maior de habitantes. A outra cota é para capitais e cidades maiores que este patamar, onde, além do critério populacional, também é considerada a renda per capita dos municípios.

A maior parte do fundo, 86%, vai para os municípios que estão abaixo da cota dos 142 mil, enquanto que 13,6% são direcionados para as capitais e municípios que estão acima deste nível.

De acordo com gerente de Estudos Econômicos da Firjan, Jonathas Goulart, a divisão do repasse precisa ser atualizada, pois o FPM não é distribuído para os municípios que mais precisam. A entidade defende que o fator de renda seja considerado em todas as faixas de distribuição.

A proposta é que, junto com a nova repartição do FPM, também seja mudada a distribuição do Imposto sobre Serviços (ISS), com a contribuição ficando no município onde o serviço é consumido e não no município que fornece, como acontece atualmente.

“A primeira coisa a ser feita é os municípios reorganizarem seus gastos, por meio de uma reforma administrativa e se adequarem à nova dinâmica da economia brasileira. Depois vem a reforma tributária, de forma que o ISS seja arrecadado onde é realizado o consumo. Isso vai permitir que o municípios menores tenham uma arrecadação menor. Associado a isso, a gente revê a distribuição do FPM. Assim, a gente vai adequar o orçamento com a arrecadação dos municípios”, diz o pesquisador.

CIDADES PEQUENAS DEPENDEM MAIS DO FUNDO

Por outro lado, o economista Alberto Borges, um dos organizadores da revista Finanças dos Municípios Capixabas, destaca que a mudança da regra não pode ser feita apenas adicionando novos critérios na partilha do FPM.

Ele defende que, para o objetivo que foi criado, o FPM ainda é a melhor forma de se dividir o recurso, mesmo atendendo a apenas aspectos populacionais.

“Cidades pequenas precisam de uma fonte de recursos porque elas não têm fontes de tributação robustas, não têm fontes de receita própria. As principais fontes são o ICMS, que vai para o Estado; o Imposto de Renda, que vai para a União; e sobra para os municípios o ISS, que para as cidades pequenas não possuem um grande volume, e o IPTU e o ITBI, que não sustentam a administração. Atualmente, mesmo com arrecadação menor, os municípios pequenos têm as mesmas obrigações que os municípios maiores. É um tema complexo. Só mudar a regra do FPM não vai resolver”, argumenta Borges.

De fato, apesar das distorções, a maior parte das prefeituras no topo do ranking de FPM per capita são de cidades que têm no fundo o principal pilar da arrecadação. É o caso de Divino São Lourenço, onde o repasse representa 40% da receita, e Muqui, em que 35% do que recebe também vem do fundo. O primeiro é o maior FPM per capita do Estado - R$ 1.965,55 - enquanto Muqui tem a 27º maior fatia por habitante, R$ 924,59.

“Hoje as cidades pequenas estão perdendo habitantes, virando cidades fantasmas, com casas abandonadas porque as pessoas estão se aglomerando em cidades maiores. Ou seja, a população está indo para as cidades grandes e o FPM indo para as menores. Mas se a União passar a levar o dinheiro todo para os municípios maiores, acaba de vez com as cidades pequenas, o que pode causar um desequilíbrio no fluxo migratório, diminuindo os empregos no interior e levando ainda mais pessoas para as grandes concentrações”, analisa Alberto Borges.

FUNDO SERÁ TURBINADO

No dia 17 de dezembro, a Câmara dos Deputados aprovou a PEC 391 que aumenta o repasse do FPM. A nova regra amplia em 1 ponto percentual os recursos do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

O aumento será gradual, com acréscimo de 0,25 ponto percentual nos primeiros dois anos da mudança, além de mais 0,5 ponto percentual a partir do terceiro ano, atingindo 1 ponto percentual no quarto ano. Com isso, o fundo deve ser turbinado em R$ 1,3 bilhão já no primeiro ano de vigência. 

A expectativa é de que, em quatro anos, o ganho adicional para os municípios chegue a R$ 10 bilhões.  Representantes da equipe econômica do governo já sinalizaram que não há previsão orçamentária para a proposta ser colocada em prática em 2020. O texto já foi aprovado no Senado e em 1º turno na Câmara. Resta mais uma votação entre os deputados federais para o projeto ser promulgado. A expectativa é de que ele entre na pauta em fevereiro de 2020.

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Repartição do FPM aprofunda injustiças

"A regra para a distribuição do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) foi criada em um Brasil rural, em 1965, onde, para ajudar os municípios do interior, foi definido um critério com base apenas no volume populacional. De lá para cá, houve a urbanização, as populações aumentaram, boa parte da população migrou para as grandes cidades e a pobreza nos centros também aumentou. Com isso, a regra de divisão está defasada. O FPM, a rigor, em vez de dar mais equilíbrio, aprofunda as injustiças com esse critério utilizado. Os municípios com menos de 142 mil habitantes, que compõem a maioria do país, acabam sendo prejudicados já que só acima desta faixa é que vão ser analisados também os critérios de renda. Quando só se usa um critério, a chance de desequilíbrio é muito grande. O que a gente vê, na prática, são grandes cidades com população empobrecida, sendo ainda mais penalizadas. Enquanto municípios pequenos, mas de economia pujante, com boa arrecadação, são ainda mais beneficiados. Com isso, muitas cidades que vemos por aí a fora não se preocupam muito com a arrecadação, têm uma equipe fiscal mal estruturada, não possuem sistema informatizado, têm uma fiscalização tributária ruim... Porque têm no FPM um dos principais pilares. É importante que estas cidades busquem investimentos, atrair industrias, grandes empresas, fortalecer o comércio, a fim de que fiquem mais independente do FPM."

Análise

Samir Nemer

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