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O que acontece com um policial que comete crime ou abuso de autoridade?

O que acontece com um policial que comete crime ou abuso de autoridade?

Na PM, ter uma pena leve ou ser demitido depende de como a conduta afetou o nome da instituição. Ferir a ética e a moral da corporação pode levar à expulsão

Publicado em 30 de outubro de 2020 às 06:01

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Segurança - Policial militar
Segurança - Policial militar . (Carlos Alberto Silva)

Com as últimas prisões de policiais com drogas e armas, que somaram três detenções de militares apenas nos últimos 12 dias, além dos episódios de abuso de autoridade, como no caso do frentista agredido por um policial, A Gazeta decidiu apurar o que acontece com esses servidores públicos que cometem crimes. O que define, afinal, se o policial vai ter uma pena leve ou ser expulso? No caso da Polícia Militar, o peso da pena tem relação com o fato do servidor ter afetado ou não a imagem da instituição. Entenda. 

De acordo com o corregedor da PM, coronel Edmilson Batista, quando a Polícia Militar recebe uma denúncia de desvio de conduta - que pode ser um crime ou uma transgressão de disciplina - - e a ação vai contra os preceitos da instituição, a Corregedoria  recebe os documentos do caso no mesmo dia do fato.

"Baseado nesse documento, vamos avaliar se há indício de crime militar - quando o policial comete crime durante a função, como o caso do sargento que deu um tapa no frentista. Se sim, nós instauramos o inquérito. Se não for crime militar e sim crime comum, como no caso do tenente aposentado preso com drogas, ou no caso de policiais de folga, por exemplo, é feito um inquérito na Polícia Civil, como uma pessoa comum", explica.

O corregedor da PM acrescenta que, nos casos de crime militar, é feito um inquérito e, na  sua conclusão,  deve-se informar se há indício de crime ou de transgressão disciplinar. Todo inquérito é encaminhado ao Ministério Público, que analisa os documentos e decide se oferece a denúncia ao juiz da auditoria militar que, por sua vez, pode acatar a denúncia. Nesta situação, o PM passa a ser considerado acusado do crime, sendo indiciado. 

Paralelo a isso, a Corregedoria também abre um procedimento administrativo para apurar a conduta do policial e decidir se o servidor será  punido. Essa punição pode ser desde a advertência, passando pela prisão administrativa até a pena máxima, que é a demissão. 

"Esse processo administrativo vai considerar não só o fato em si, mas toda a conduta desse profissional ao longo do serviço como militar. Agora, quando não é crime militar, quando ele comete esse delito na folga ou é PM aposentado, por exemplo, ele vai responder na Polícia Civil. Nesse caso, quando terminar o inquérito, se ele foi indiciado por algum crime, nós abrimos o PAD (Processo Administrativo Disciplinar) para apurar a conduta dele enquanto militar. Então, ele também pode ser punido com detenção administrativa ou com demissão e exclusão do quadro policial, dependendo da gravidade", pontua o coronel.  

FERIR A ÉTICA E A MORAL DA PM É MOTIVO DE EXPULSÃO

Dependendo da gravidade do delito cometido, o procedimento administrativo que o policial responde pode ser um processo demissionário. Ou seja, com risco de demissão. E o que faz esse militar ter uma pena leve, ou ser passível de uma expulsão, depende de como a sua conduta  manchou o nome da corporação. Se feriu a ética e a moral da PM, a ponto de afetar a imagem da instituição, ele pode ser expulso. Mas, se cometeu um delito leve, como uma falta sem justificativa ou desacato a um superior, a pena é mais branda.

"Quando é instaurado o procedimento administrativo demissionário, automaticamente o policial é afastado das funções para não atrapalhar o desenvolvimento desse trabalho, e fica à disposição do conselho que fará o processo dele. No fim, ele pode ser mesmo expulso ou pode continuar trabalhando, dependendo dos resultados. Existe uma previsão no nosso regulamento disciplinar que diz que, quando o policial comete uma infração que afete a imagem, a ética e a moral da Polícia Militar, é instaurado o procedimento demissionário. Um exemplo são esses policiais presos com drogas, afetou muito a imagem da corporação. Nesse caso, eles são afastados das funções para que não atrapalhem esse processo", aponta o corregedor.  

Já com relação às punições na gestão do Código Penal Militar, o coronel esclarece que depende da denúncia que o Ministério Público vai oferecer. Por exemplo, se o policial cometeu uma lesão corporal, é o Ministério Público que vai verificar no processo se essa lesão corporal foi leve ou grave. Com base nesse entendimento, é aplicada a pena, de acordo com o Código Penal.  "Não cabe a nós dizer qual a pena ou quantos dias de reclusão. Isso cabe à Justiça. O Ministério Público pede e a Justiça acata ou não", descreve.

PROCESSOS PODEM TER PRAZOS ADIADOS POR LAUDOS MÉDICOS

O coronel Edmilson observa, ainda, que todos os procedimentos possuem prazos legais. No Inquérito Policial Militar (IPM), o prazo é de 40 dias, podendo ser prorrogado por mais 20. Esse período pode ser ainda maior, caso ocorra suspensão  da contagem do tempo, como aconteceu durante a pandemia do novo coronavírus, por exemplo. Além disso, os investigados podem apresentar laudos médicos durante o processo. Nesta circunstância, que o corregedor afirma serem muito comuns, o prazo é suspenso e só volta a ser contabilizado quando o servidor apresentar outro laudo informando que está novamente apto para responder o procedimento.

"Nesses casos, o processo fica suspenso. Nós até lamentamos. Para nós, é o pior cenário, pois não queremos que o procedimento fique parado. Mas foge do nosso controle", lamenta.

Opinião semelhante tem o secretário estadual da Segurança Pública, coronel Alexandre Ramalho, que na última quarta-feira (28) afirmou que a legislação no Brasil dá direito à ampla defesa, que acaba oferecendo todas as condições desse processo ser postergado ao máximo. 

"Estou falando de apresentação de documentos médicos que comprovam doenças, problemas psiquiátricos, psicológicos, que pode acontecer no decurso de qualquer processo criminal, não apenas naqueles envolvendo policiais. Por vezes, nós fomos questionados por que o processo está demorando. É porque existe uma brecha legal que permite e exige que ele só seja ouvido quando estiver apto para isso. E ele pode apresentar isso várias vezes durante o processo. Se não acatar, acaba tornando um feito totalmente inválido perante a Justiça. Essas brechas na legislação são altamente condenadas nas instituições de segurança pública. Nós não apoiamos essa prática. Esse policial não vai ter nosso apoio e defesa. Ele vai ter toda a defesa externa, conforme a justiça e a legislação determinam", disse, na ocasião.

POLICIAIS CONTINUAM RECEBENDO SALÁRIO DURANTE OS PROCESSOS

O corregedor afirma que, enquanto o processo corre, o policial continua recebendo o salário normalmente até ser julgado, devido a uma previsão legal que determina esse pagamento. Caso condenado, o militar perde a função, é excluído da PM e, só assim, deixa de receber. 

"Muitas vezes, após um policial cometer crime, vemos pessoas comentando que ele está impune, como tem acontecido no caso do PM que agrediu o frentista. Esse caso não está impune. O processo foi encaminhado para o Ministério Público, que ofereceu a denúncia. Se for condenado, ele vai receber a pena da Justiça, como prevê a legislação. O mais importante é deixar claro que nenhum ato cometido por policial militar que chegue ao nosso conhecimento deixará de ser apurado.  Porém, é preciso entender que, nesses casos,a Corregedoria faz a parte documental do inquérito e esse documento é passado ao Ministério Público, que dá prosseguimento", destaca.

Policial deu tapa na cara do frentista e apontou a arma para ele
Policial deu tapa na cara do frentista e apontou a arma para ele . (TV Gazeta)

POLÍCIAL CIVIL PODE RECORRER APÓS DEMISSÃO

Procedimento semelhante ocorre quando o servidor que comete o delito é um policial civil. De acordo com a corregedora da Polícia Civil, delegada Fabiana Maioral, quando a PC recebe as informações do crime, é feita uma apuração, como em uma delegacia. No final do inquérito, se houver evidências de cometimento de crime, o caso também é encaminhado ao Ministério Público, que oferece denúncia, tramitando um processo criminal ao judiciário.

"Paralelo a isso, temos a parte administrativa, que são as transgressões. Praticamente todos os crimes têm uma apuração na área administrativa dentro do nosso estatuto. Então, nós apuramos, na divisão de crimes funcionais, o inquérito policial que vai para o judiciário. Na divisão de acompanhamento funcional, apuramos a parte administrativa através de uma sumária e no final, se realmente ficar comprovado que houve a transgressão, é instaurado um processo administrativo, no qual é dada ampla defesa e seguimos todos os ritos para não ter problema e correr risco de anulação", descreve.

Segundo a corregedora, quando é finalizado o PAD, esse processo é encaminhado ao conselho de polícia e um dos conselheiros relata o processo e leva para a pauta de julgamento. E é nessa instância que será definida a pena ou absolvição. Ou seja, quem aplica a pena é o conselho e não a corregedoria. Nessa parte administrativa, a pena pode ser a suspensão, a demissão ou cassação de aposentadoria. 

"Esse policial continua recebendo salário, mesmo que seja afastado. Tem uma situação peculiar: depois que ele passa pelo conselho e é votada a demissão dele, ele pode recorrer ao secretário segurança. Enquanto isso, ele tem o direito de continuar recebendo o salário. Depois, o secretário faz um voto em cima do processo, vai para o governador, que acata com demissão ou não. Se decidir por não demitir, o servidor acaba retornando para a polícia. Ele só para de receber quando a demissão é homologada pelo governador e é publicada em Diário Oficial ", explica. 

Na Polícia Civil, o prazo para apuração preliminar em denúncia contra servidores é de dois anos. Nesse tempo, a PC precisa instaurar um PAD, caso contrário, o crime é prescrito.  Depois, há mais dois anos de prazo para a apuração do processo administrativo, totalizando quatro anos para o fim desse procedimento. 

"A perda do cargo em decorrência de condenação, segundo o Código Penal, ocorre quando for aplicada a pena privativa de liberdade, por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever na administração pública, ou quando for aplicada pena privativa de liberdade superior a quatro anos. Então, a perda do cargo como decorrência da condenação, vai depender da pena que será aplicada a ele. É uma questão do Código Penal", finaliza a delegada Fabiana Maioral. 

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