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Médicas são indiciadas por morte de bebê durante parto em Aracruz

Médicas são indiciadas por morte de bebê durante parto em Aracruz

Recém-nascido Heitor Rossi de França morreu após mais de 12h de tentativa de parto normal. Cesárea teria sido feita tardiamente e o pequeno faleceu cerca de 1h após nascer

Publicado em 9 de maio de 2025 às 18:26

 - Atualizado há 18 dias

Saúde
O caso ocorreu no fim de 2024, no Hospital São Camilo, em Aracruz Crédito: Divulgação/Hospital São Camilo

A Polícia Civil indiciou duas médicas, de 34 e 43 anos, pelo crime de homicídio culposo devido à morte do bebê Heitor Rossi de França, que faleceu cerca de uma hora após o nascimento, em 28 de dezembro de 2024, no Hospital São Camilo, em Aracruz, no Norte do Espírito Santo. As profissionais não tiveram os nomes informados.

Na ocasião, os pais da criança relataram que as médicas insistiram, por mais de doze horas, na realização de um parto normal, mesmo após a gestante informar que não tinha passagem e que o médico responsável pelo pré-natal havia recomendado uma cesariana. Segundo os pais, até um equipamento de sucção foi utilizado durante a tentativa do procedimento. 

Polícia explica por que não pediu prisão de médicas

Segundo a Polícia Civil, o inquérito policial, "presidido pela Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCAI) de Aracruz, foi concluído, restando pelo indiciamento de duas médicas, de 34 e 43 anos, por homicídio culposo. O inquérito foi relatado e encaminhado ao Poder Judiciário". A polícia explicou que 'não houve representação pela prisão, pois não estavam presentes os requisitos para decretação da prisão preventiva'. 

O pedido de prisão pode ser feito pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES), assim como a reclassificação do crime de homicídio culposo – quando não há intenção de matar – para homicídio doloso, que prevê pena mais severa. 

O MP informou que aguarda a chegada do inquérito policial para adoção das medidas cabíveis após análise dos autos.

Relembre o caso

A história do trabalho de parto prolongado e da morte de um bebê logo após o nascimento chocou a cidade de Aracruz no fim de dezembro, e o caso se tornou alvo de investigação da Polícia Civil. Os pais do recém-nascido acusaram a equipe do Hospital São Camilo e registraram um boletim de ocorrência por negligência médica diante da perda do filho. 

O bebê Heitor Rossi de França morreu cerca de uma hora após o nascimento, segundo os pais, Isabelly Rossi Nascimento, de 18 anos, e Israel de França de Jesus, de 21. Na época, eles relataram que a gestante deu entrada no Hospital São Camilo, em Aracruz, na noite do dia 27 de dezembro de 2024.

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Médicas são indiciadas por morte de bebê durante parto em Aracruz

A certidão de óbito, emitida com base no Atestado de Óbito do Instituto Médico Legal (IML) de Vitória e obtida por A Gazeta, revelou que a causa da morte da criança foi por hemorragia intracerebral e traumatismo craniano.

Pais denunciam hospital pela morte de bebê após o parto em Aracruz
Documento aponta causa da morte de bebê Crédito: Certidão de Óbito

Os pais do bebê afirmam que, durante o que chamaram de "insistente tentativa de realizar o parto normal", a médica responsável pelo atendimento utilizou um fórceps obstétrico, uma espécie de extrator a vácuo, para tentar concluir o parto normal. Segundo os pais, o uso do instrumento teria causado ferimentos tanto na gestante quanto na cabeça do bebê, que, embora estivesse posicionado na posição correta, não conseguiu devido à falta de dilatação.

Momentos de angústia

“Nós chegamos por volta das 21h40 do dia 27 de dezembro. Fomos ao hospital porque ela estava com contrações, mas a equipe médica a liberou para voltar para casa. Quando chegamos em casa, ela jantou, tomou um banho quente e começou a sentir dores muito fortes. Foi quando ela me disse: ‘Amor, acho que estou em trabalho de parto’. Então, levei ela novamente para o hospital. Lá, tivemos que esperar bastante tempo, mais de duas horas, porque, segundo nos informaram, havia outra grávida em trabalho de parto. Quando finalmente a levaram para a sala de parto, já eram cerca de 2h ou 3h da manhã (do dia 28 de dezembro)”, conta Israel de França de Jesus, de 21 anos, pai do bebê Heitor.

“Levaram minha esposa para a sala de parto humanizado, e eu fiquei ao lado dela o tempo todo. Lá, a médica orientou que ela ficasse debaixo do chuveiro quente, enquanto minha esposa implorava por socorro, pedindo para que realizassem uma cesariana. No entanto, a médica insistia: ‘Não, mãe, você vai ter um parto normal'. Só que não dava para ter um parto normal, os médicos que atenderam ela durante a gestação diziam que ela não tinha passagem", detalhou Israel.

"E aí deixaram ela nessa sala. Quando foi por volta das 10h (do dia 28 de dezembro), ela já estava com 10 cm de dilatação completa, mas não tinha passagem. Mesmo assim, continuaram insistindo. Então, a médica perguntou se ela queria receber ocitocina na veia para aumentar as contrações. Minha esposa perguntou quais eram os efeitos desse medicamento, e a médica respondeu que ele só aumentaria as contrações, facilitando o nascimento do bebê. Com base nessa explicação, minha esposa autorizou", complementou.

"O tempo foi passando, e a médica disse que a ocitocina não estava fazendo efeito. Foi quando ela buscou um aparelho de sucção a vácuo. Perguntamos o que era aquilo, e ela explicou que era apenas para abrir a passagem da mãe, dizendo que o aparelho não encostaria na criança, não a machucaria nem a prejudicaria. No entanto, mesmo com a cabeça da criança já posicionada, não havia passagem suficiente. A médica insistia para que o bebê passasse, mas não tinha como, não havia passagem", detalhou Israel.

"Fazia um barulho durante esse procedimento, parecido com o estouro de uma champanhe, e saía muito sangue, muito sangue mesmo. Eu falei para a médica: ‘Moça, vai machucar minha esposa e meu filho’. Então, ela respondeu: ‘Não, pai, isso aqui é um procedimento padrão'"

Israel de França de Jesus

Pai do bebê que morreu, em entrevista para A Gazeta em 2 de janeiro de 2025

"Quando ela (a médica) viu que o parto normal não seria possível, foi levada para a sala de parto cesariano. O menino nasceu, chorou, abriu os olhos. Após cortarem o cordão umbilical, a médica ficou preocupada, começou a chamar ajuda para que chamassem todos os médicos do hospital, e me pediram para sair da sala”, relatou.

Segundo o pai, os ultrassons e exames realizados durante a gestação não indicaram nenhuma alteração. “Estava tudo certo com a minha esposa e meu filho. E nós vamos acionar a Justiça. A gente quer justiça pelo meu filho”, disse o pai emocionado.

Suspeita de crime fez corpo ser levado para o IML

Após o falecimento, o corpo do menino foi encaminhado ao Serviço de Verificação de Óbito (SVO), em Vitória, subordinado à Secretaria de Estado da Saúde (Sesa). No entanto, a equipe do SVO avaliou que o envio do corpo ao local não era adequado por haver suspeita de que a morte havia decorrido de crime, e, por isso, o transferiu para o Instituto Médico Legal (IML) de Vitória, onde foram identificadas lesões como causa da morte do bebê.

Na época, a Polícia Científica informou que o serviço de transporte de cadáver foi acionado na tarde do domingo (29 de dezembro), por volta das 16h, para recolher um corpo no Serviço de Verificação de Óbito (SVO) da Secretaria da Saúde (Sesa), no bairro Bento Ferreira, em Vitória. O corpo da vítima, um bebê recém-nascido, foi encaminhado para o Instituto Médico Legal (IML) em Vitória, para a realização do exame cadavérico.

"Segundo informações do acionamento, o pai da criança registrou ocorrência na Delegacia, apontando possível negligência médica, com a alegação de que o parto teria ocorrido além do prazo ideal. A causa da morte só poderá ser confirmada após a conclusão dos exames", informou a Polícia Científica naquela ocasião.

Situação das médicas

Após o caso, que teve rápida repercussão nas redes sociais e na imprensa, o Hospital São Camilo divulgou uma longa nota em que lamentou a morte do bebê e afirmou que a equipe seguiu protocolos clínicos baseados, segundo a instituição, nas "melhores práticas da literatura médica, para garantir a segurança da mãe e do bebê". O hospital também informou que abriria uma apuração interna.

A reportagem de A Gazeta solicitou, nesta sexta-feira (9), um novo posicionamento, questionando o desfecho dessa apuração e se as médicas indiciadas continuam atuando na unidade.  Em resposta, a unidade informou que "desde o primeiro momento, foram adotadas providências internas para apuração do ocorrido, inclusive mediante a abertura de processo administrativo para avaliação da conduta da equipe envolvida". Acrescentou que não vai comentar a apuração interna em razão do que chamou de "confidencialidade que envolve questões médico-assistenciais", e que o hospital está à disposição das autoridades.

O Hospital São Camilo declarou ainda que recebeu parecer técnico da Secretaria de Estado da Saúde do Espírito Santo (SESA), "o qual concluiu pela adequação dos protocolos institucionais adotados à época dos fatos". 

Hospital São Camilo | Nota na íntegra

"O Hospital São Camilo informa que acompanha com respeito e seriedade todos os desdobramentos relativos ao falecimento do recém-nascido Heitor Rossi de França, ocorrido em 28 de dezembro de 2024. Desde o primeiro momento, foram adotadas providências internas para apuração do ocorrido, inclusive mediante a abertura de processo administrativo para avaliação da conduta da equipe envolvida. 

Em razão da confidencialidade que envolve questões médico-assistenciais e da preservação da ampla defesa e do contraditório no âmbito das apurações, o Hospital não comentará aspectos específicos dos profissionais eventualmente citados. Entretanto, assegura que colabora integralmente com as autoridades competentes e está à disposição para prestar todas as informações necessárias ao esclarecimento dos fatos. 

O Hospital reitera ainda que mantém rigorosos protocolos assistenciais e que revisa continuamente suas práticas, reforçando rotinas de capacitação técnica e de segurança do paciente, com o objetivo permanente de aprimorar a qualidade dos atendimentos prestados. 

Cabe informar que, no curso das apurações, o Hospital recebeu parecer técnico da Secretaria de Estado da Saúde do Espírito Santo (SESA/ES), o qual concluiu pela adequação dos protocolos institucionais adotados à época dos fatos. 

Por fim, manifesta sua solidariedade à família e reafirma seu compromisso com a ética, a responsabilidade e o respeito à vida."

O que diz o CRM

Nesta sexta-feira (9), o CRM-ES declarou que "todas as denúncias recebidas e casos com repercussão pública são rigorosamente apurados e aberta sindicância", e que "a sindicância tem como objetivo verificar os fatos e, se houver indícios suficientes de infração ao Código de Ética Médica, poderá resultar na abertura de um Processo Ético Profissional". 

O CRM disse que "não se manifesta sobre casos concretos, a não ser nos autos, conforme disposto no Código de Processo Ético Profissional.", e que "todos os trâmites processuais seguem em segredo de Justiça". 

O que diz a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa)

Em nota, a Secretaria de Estado da Justiça (Sesa),  informou que o procedimento de auditoria interna instaurado para apurar o caso foi concluído em abril de 2025, e invocou  Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) para não divulgar qual foi o entedimento da pasta. 

Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) | Nota na íntegra

"A Secretaria da Saúde (Sesa) informa que o procedimento de auditoria interna instaurado para apurar o caso foi concluído em abril de 2025. Informa, ainda, que, seguindo as normativas médicas e respeito à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), não divulga informações de processos de auditoria, pois envolvem dados pessoais e clínicos resguardos por lei. Os resultados das apurações são encaminhados para os órgãos competentes. A Sesa esclarece que, por não se tratar de uma unidade hospitalar gerida pelo Estado, e considerando que a apuração de conduta médica é atribuição do Conselho Regional de Medicina (CRM), encaminhou o relatório final da auditoria para a referida entidade, que conduz sindicância própria sobre o caso."

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