Publicado em 2 de julho de 2020 às 11:11
Há três anos a paraplegia passou a fazer parte da vida da pequena Ana Clara Rodrigues de Souza, de 9 anos, resultado de um tumor na medula. Ela depende de uma cadeira de rodas para realizar as atividades do seu dia a dia, mas o equipamento está quebrado e não há perspectivas de quando o problema será resolvido.
Assim como ela, dezenas de pacientes no Estado que dependem dos serviços do Centro de Reabilitação Física do Espírito Santo (Crefes) relatam enfrentar dificuldades para obter ou trocar seus equipamentos, como cadeiras de rodas, órteses ou próteses. Há pacientes que estão na fila há pelo menos nove meses.
Uma demora que tem causando transtornos, como relata a mãe de Ana Clara, cuja cadeira quebrou a roda. Liliane dos Santos Ferreira, relata que foi ao Crefes há algumas semanas fazer o pedido. Segundo o laudo médico, a cadeira deve ter apoio de cabeça, já que a doença da menina pode trazer complicações para sua coluna.
No Crefes informaram que eles não têm previsão de quando poderão voltar a fazer as medições e de entregar uma nova cadeira. Disseram que é por causa da pandemia do novo coronavírus, conta a mãe.
Para garantir o tratamento médico da filha, ela conseguiu uma cadeira de rodas emprestada, que também apresenta problemas. Está com suporte do pé quebrado, o que exige que a mãe saia sempre de casa com um alicate para consertar o equipamento no meio da rua. O apoio de braço da cadeira também está com problemas.
Em função disto ela tem evitando andar de ônibus. A gente espera o serviço Porta a Porta. No ônibus fico com vergonha de ter que consertar a cadeira. O suporte do pé solta e tenho que ajeitá-lo, explica a mãe, que leva a filha com frequência ao Hospital Universitário (Hucam), em Vitória, onde faz tratamento.
Liliane mora com a filha em João Goulart, na Grande Terra Vermelha, em Vila Velha, em uma casa cujo aluguel é de R$ 350. Não trabalha e vive com o auxílio que a filha recebe. A cadeira dela é pequena, a almofada para sentar já não serve mais, e não tenho condições de comprar outra, relata emocionada.
A assistente administrativo Suzana Lima é portadora de uma doença rara, a osteogênese imperfeita, mais conhecida como ossos de vidro ou de cristal. Conta que fez o pedido para a troca de sua cadeira de rodas há um ano e até hoje não obteve resposta. O pedido aguarda a convocação para medição e confecção da cadeira, porque na minha condição tem que ser sob medida, explica.
Ela destaca que a cadeira de rodas é indispensável para a vida ativa de uma pessoa com deficiência. Sem essa ferramenta, infelizmente não podemos nos deslocar. Dependemos de cadeiras de rodas, cadeira de banho, órteses e próteses para nossa vida continuar sendo independente, tendo autonomia e segurança diariamente, assinala.
De acordo com Suzana, há uma demanda grande no Crefes, mas o atraso no cumprimento de entrega e pedidos é ainda maior. Por exemplo, a Portaria 1.272 do Ministério da Saúde orienta a troca a cada dois anos das cadeiras, visto o uso contínuo. Mas a minha fez dois anos em novembro de 2019, realizei o pedido em outubro de 2019 e até o momento não fui chamada para fazer medição e nem entrega, relata.
O equipamento velho ou quebrado, explica Suzana, póe em risco a vida dos pacientes. Coloca nossa vida em risco com uma cadeira que já teve sua vida útil completa, que é de dois anos. Faço todos os movimentos na cadeira de rodas. Elas são minhas pernas e precisam de manutenção, relata.
Rosilda Maria Dias, presidente da Comissão de Cadeirantes do Espírito Santo (Cocades), relata que fez um pedido para a troca de sua cadeira higiênica (de banho) em junho do ano passado e até agora não teve resposta. A qualidade do material da cadeira que nos entregam é muito ruim, e com menos de dois anos já apresenta problemas. Estou há um ano aguardando uma resposta, relata.
Ela avalia que a situação vivida pelos cadeirantes é constrangedora. Todos os dias tenho que esperar o meu esposo chegar do trabalho para conseguir tomar banho. É regredir em toda a evolução que conquistamos de autonomia por causa de burocracia e de material sem qualidade. Minha autonomia vai para o lixo, desabafa. Ela é deficiente há 11 anos.
As dificuldades enfrentadas junto ao Crefes, explica Rosilda, já se arrastam há anos, mas foram acentuadas em decorrência da pandemia. Há 20 dias soube que houve a exoneração da pessoa responsável pelo gerenciamento da concessão de órteses, próteses e cadeiras de rodas. Com isto a situação deve ficar ainda mais difícil, pondera.
Rosilda explica que a Cocades é responsável ainda por fazer os pedidos de troca de equipamentos para várias pessoas com deficiências (PCDs). Temos pessoas que são do interior, como Aracruz, São Mateus, além de Guarapari, dentre outras localidades que estão enfrentando dificuldades para obter ou trocar as suas de cadeira de rodas. O Crefes atende todo o Estado, relata.
A maior parte destas pessoas, explica Rosilda, já possuem prescrição médica para uso do equipamento. A prescrição é necessária na primeira ida ao Crefes. Depois ela fica anexada ao seu prontuário, onde está descrito a necessidade de cada paciente. Para a primeira cadeira é preciso prescrição, nos anos seguintes e sabido que precisamos da troca de 30 em 30 meses, como é recomendado pelo Ministério da Saúde, explica.
As dificuldades estão sendo enfrentadas ainda por pessoas que demandam órteses e próteses, tratamento também efetuado no Crefes. É a mesma dificuldade, relata.
Em Aracruz, Ana Luiza Pereira Vassolé, 30 anos, teve que lançar mão da improvisação. Há 15 anos uma artrite reumatóide com deformidade a deixou paraplégica, dependendo diariamente de uma cadeira de rodas.
No final do ano passado, com menos de dois anos de uso, a cadeira que havia sido fornecida pelo Crefes quebrou a roda. Como não teve acesso a outra, conseguiu uma doação. O problema é que me doaram uma cadeira de tetraplegia, que é bem maior, relata.
A solução encontrada por ela foi aproveitar as rodas, que foram adaptadas a sua antiga cadeira. Foi a solução improvisada que encontramos. Não consegui outra cadeira. Meu pedido é feito por intermédio da Cocades porque tenho dificuldades de sair de Aracurz, relata.
Por nota, a direção do Centro de Reabilitação Física do Espírito Santo (Crefes) informou que, em decorrência das demandas, possui para pronta entrega a cadeira paraplégico padrão e outros dispositivos para locomoção. Informou ainda que a entrega destes materiais, além de órteses e próteses, está mantida.
Foi informado ainda que o Núcleo de Trabalho de Prótese, Órtese e Concessão mantém-se em atividade, sendo que as consultas na unidade são agendadas via Sistema Nacional de Regulação. A entrega de materiais é feita após o usuário passar por consulta com a equipe multidisciplinar do Crefes. O paciente pode realizar a troca da cadeira a cada dois anos, conforme portaria do Ministério da Saúde 388/1999, diz o texto da nota.
Por último, a direção do Crefes acrescenta que, de janeiro a maio deste ano, foram realizados mais de 800 atendimentos, além da entrega de 1.407 materiais, que possuem garantia de um ano pelo fornecedor, conforme estabelecido no edital de compras. Acrescenta que os usuários podem solicitar informações sobre processos por meio dos telefones 3636-2174, 3636-2180 ou e-mail crefes.da@saude.es.gov.br
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