Publicado em 2 de setembro de 2020 às 16:23
Após uma autorização de emergência, os Estados Unidos anunciaram nas últimas semanas o uso de plasma sanguíneo de pacientes recuperados da Covid-19 como tratamento para quem está com a doença. >
Para entender como funciona e quais os riscos desse processo, A Gazeta conversou com especialistas no assunto - que afirmam haver algumas complexabilidades no método, que ainda passa por pesquisas. >
Plasma convalescente consiste em um tratamento que busca utilizar anticorpos presentes no plasma (paste liquida do sangue) de pacientes recuperados do doença, neste caso, da Covid-19. De acordo com o imunologista Daniel Gomes, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), dentre os componentes da parte líquida há anticorpos que o ser humano produz normalmente. Todos podem ser isolados no plasma.>
"No caso da Covid-19, os pesquisadores têm feito o isolamento de plasmas de pacientes convalescentes, que são os que tiveram Covid-19 e se recuperaram, e injetam esse plasma em pacientes que estão com a doença ativa. Por que eles fazem isso? Porque uma das características que os anticorpos possuem é a capacidade de neutralizar os organismos, como o vírus", explicou. >
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Para alguns pesquisadores, o tratamento é indicado para pacientes com maior risco de complicações, com comorbidades como diabetes, hipertensão e obesidade. O médico infectologista Estevão Urbano, que é diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), explicou que os anticorpos utilizados são específicos contra a Covid-19. A transfusão, realizada como uma doação de sangue, deve ser feita ainda na primeira semana em que o paciente que receberá o plasma foi infectado pela Covid-19. >
"O objetivo é inibir a multiplicação do vírus em um momento que organismo ainda não consegue produzir anticorpos, normalmente na primeira semana. Como a grande maioria dos pacientes tem uma evolução favorável natural, para um grupo seleto - com mais chances de evoluir para a forma grave da doença, não seria benéfico o tratamento logo na primeira semana para diminuir a multiplicação do vírus? Essa é a lógica do plasma convalescente. Mas é importante lembrar que esse processo não é razoável quando o paciente já está em estado avançado, quando o indivíduo já produz próprios anticorpos", disse. >
Porém, os especialistas afirmam, ainda, que os estudos - assim como todos destinados à Covid-19, ainda são pouco conclusivos. O médico Estevão Urbano completou que ainda é preciso saber se o tratamento funciona ou não. >
"Os estudos estão sendo feitos às pressas, com metodologia inadequada e dificuldade de conclusões definitivas. Recentemente esse tratamento foi liberado de forma mais rápida porque há algumas evidências de que pode ajudar pacientes com disponibilidade de evoluírem para a forma mais grave, mas essas evidências são muito diferentes do que estamos acostumados na medicina, são frágeis. O uso é uma decisão individual, vai de acordo com a opinião do médico, sem ser obrigatório, mas com um respaldo para ser aplicado", disse.>
Ele completou que futuramente, após novos estudos publicados, será possível concluir com dados definidos se realmente o tratamento pode ajudar. O médico infectologista Crispim Cerutti concorda com a afirmação. Para ele, o tratamento é um adjunto terapêutico e sua eficácia precisa ser observada nos próximos dias.>
"Os resultados dos estudos ainda são bem controversos. Em algumas pesquisas o plasma ajudou pacientes, em outras isso não foi tão evidente. Existe uma crítica muito forte de vários pesquisadores que acreditam que houve a liberação desse produto sem que as evidências disponíveis fossem suficientes para dar o respaldo necessário. É algo que precisamos aguardar os desdobramentos, pois muitos produtos são liberados para uso e continuam sendo estudados", explicou. >
O imunologista Daniel Gomes completou que o tratamento é conhecido como imunoterapia e apenas o uso dos anticorpos não seria eficaz para tratar os outros efeitos doença. Para isso, seria necessário usar em conjunto com os tratamentos convencionais, que incluem os remédios corticoides e anti-inflamatórios. >
"Esse tratamento não é novidade. Ele já foi usado na primeira pandemia mundial, a Gripe Espanhola. Há dois grandes grupos no mundo estudando esse tipo tratamento. O menos recente é um estudo chinês, mas na ocasião não conseguiram chegar em uma conclusão. A mais recente é de um grupo americano, com dados mais robustos, ostentando mais sucesso nesse tratamento", disse. >
Já o médico infectologista Estevão Urbano, afirmou que o que mais tem matado pacientes de Covid-19 são, justamente, os problemas inflamatórios que a doença acarreta. "Esses problemas respiratórios muitas vezes estão isentos de vírus. Para tratá-los, os corticoides e anti-inflamatórios são os indicados", explicou. >
Embora os Estados Unidos estejam animados com o tratamento, o imunologista Daniel Gomes salientou que a transfusão é complexa e exige cuidados específicos para que possa funcionar sem acarretar outros riscos. Uma das preocupações, por exemplo, é a garantia de que o paciente convalescente não tenha nenhuma infecção que possa contaminar o paciente que receberá a transfusão de plasma.>
"Esse plasma transferido precisa ser muito bem avaliado para não conter outros organismos. Podem ser transferidos no plasma o vírus do HIV, Zika, Chikungunya e Dengue, por exemplo. Então antes de ser transferido, precisa ser certificado que o paciente não tenha nenhuma dessas doenças. Não é uma terapia muito simples, é um pouco mais complexa e antes de ser adotada como medida de tratamento necessita de uma série de notificações", disse. >
Outra preocupação é com o tempo de infecção do paciente convalescente para fazer o processo de isolar o plasma e injetar no paciente contaminado. Isso porque nem todo anticorpo que o ser humano produz tem capacidade proteger. No caso da Covid-19, Gomes explica que os neutralizantes protetores diminuem após cerca de três meses de infecção pelo novo coronavírus. Ou seja, a retirada de anticorpo deve ser realizada dentro desse tempo para que o tratamento possa funcionar.>
"Essa é mais uma ferramente que a ciência tem buscado. Mas o conjunto de todo do cenário ainda não apontou um tratamento especifico ou vacina aprovada. Então é necessário mantermos as medidas de distanciamento social, uso de máscara e higiene", afirmou. >
No último sábado (29) A Gazeta divulgou que uma pesquisa liderada pelo Centro de Hemoterapia e Hematologia do Espírito Santo (Hemoes) vai utilizar plasma no tratamento de pacientes internados com Covid-19. As transfusões poderão começar nesta semana, segundo Rachel Lacourt, diretora-técnica da instituição. >
Até agora, 20 pessoas curadas já doaram o plasma, que é coletado por um equipamento específico. O doador também deve atender a todos os requisitos da doação de sangue, como peso, idade e demais critérios de saúde. >
Já nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump anunciou no último dia 23 de agosto que a Food and Drug Administration (FDA) - agência reguladora de alimentos e medicamentos, na sigla em inglês, autorizou em caráter emergencial o uso de plasma convalescente no tratamento de pacientes diagnosticados com Covid-19. >
Na ocasião. Trump afirmou que o tratamento teve uma "taxa incrível de sucesso" e o classificou como "seguro". Ele ainda afirmou que a autorização foi baseada na ciência e em uma determinação independente da FDA. >
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