Publicado em 12 de agosto de 2020 às 10:58
A juíza da Vara da Infância e Juventude de Vila Velha, Patrícia Neves, concedeu entrevista ao Bom Dia ES, da TV Gazeta, nesta quarta-feira (12) e comentou o caso envolvendo uma menina de 10 anos, que descobriu que está grávida de três meses. Segundo a magistrada, os crescentes registros e o número de casos subnotificados em todo o país preocupam as autoridades.>
O caso da menina foi registrado no último fim de semana, em São Mateus, no Norte do Estado, e é investigado pela Polícia Civil. Segundo informações da polícia, a criança disse que era vítima de estupro desde os 6 anos e o principal suspeito de cometer o crime é o próprio tio. A menina está em um abrigo, sendo acompanhada pelo Conselho Tutelar da cidade.>
De acordo com a magistrada, houve um crescimento no número de crianças que ficam grávidas após abusos. A gravidez juvenil, que é a de adolescentes, vem diminuindo no país, mas o que nos assusta é que a de crianças, a infantil vem aumentando, destacou, sem citar de quanto foi esse aumento.>
Com anos de experiência no atendimento de situações envolvendo crianças vítimas de violência sexual, a juíza relembrou fatos parecidos que marcaram sua carreira. O primeiro caso que eu vi foi há 29 anos na minha primeira Comarca, que foi uma coisa surpreendente para mim. Uma criança de 9 para 10 anos, grávida. A partir daí, lamentavelmente, nunca deixei de ver, então eu conheço muitos casos, lembrou.>
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Ao comentar sobre a situação da criança de São Mateus, a juíza ressaltou que muitos casos acabam não ganhando tanta repercussão. Eles não tomam a proporção, porque em São Mateus, por exemplo, é uma cidade menor que na Grande Vitória, então assumiu uma proporção, mas esses casos, se vocês fizerem alguma entrevista com o pessoal dos postos de saúde, da ponta da saúde, vocês vão se surpreender, revelou.>
Durante a conversa, a magistrada destacou que muitos dos casos de estupro contra menores ocorrem no âmbito familiar. No entanto, em alguns contextos, a família não tem conhecimento do crime. Nós temos duas situações: uma em que a família realmente não sabe ou entra em um processo de negação, porque vai ter que fazer a escolha entre um ente da família, porque esse tipo de violência como foi noticiada essa e as outras, ele é mais comum por familiares. Existe a situação que não sabe e quando sabem entram em choque e existe uma situação ainda que é das pessoas se sentirem proprietárias do corpo do outro, o filho é propriedade", ressalta.>
Patrícia Neves
Juíza da Vara da Infância e Juventude de Vila VelhaPatrícia ressaltou que é preciso mudar a mentalidade da população, para que mais crimes sejam denunciados e os autores punidos. O que nós precisamos é mudar, primeiro a mentalidade. Existe uma subnotificação muito grande, as pessoas têm medo de denunciar ou as pessoas acham que aquilo ali é uma brincadeira que está sendo feita com a criança, porque normalmente isso começa com o ato libidinoso, já não começa com o estupro, então é o está tocando a criança indevidamente.>
Para ela, o alerta não é para criar pânico e sim para que as famílias saibam identificar situações de abusos sexuais.>
Patrícia Neves
Juíza da Vara da Infância e Juventude de Vila VelhaComo aconteceu em São Mateus, em que a vítima foi encaminhada para um abrigo, a magistrada ressaltou que primeira medida a ser tomada é afastar o agressor do convívio da vítima.>
A gente tem o artigo 130 do Estatuto que trata do afastamento do agressor do lar. Mas você tem a situação que se a mãe foi omissa ou se a mãe foi conivente ou as pessoas que convivem com a criança, essa criança vai acabar sendo vitimizada duas vezes. Ela sofreu a violência e ela vai ter que ir para uma instituição de acolhimento até que se encontre alguém da família. Mas o natural é que a gente afaste o agressor do lar e isso vai sendo acompanhado, comentou.>
Ainda de acordo com a juíza, o avanço da legislação garantiu a implantação de uma rede de apoio e atendimento para as vítimas. Existe a lei 13.431 que foi a famosa que criou o depoimento especial, mas, na verdade, ela criou a rede de atendimento a crianças que são vítimas ou testemunhas de violência. Existem irmãos de 5 ou 6 anos que são testemunhas da violência contra uma irmãzinha ou irmãozinho de 10 anos. É um grande ciclo de violência e, aí, a rede municipal, ela tem atendido com todas as dificuldades orçamentárias, com dificuldade de pessoal, eles têm atendido muito bem as demandas que chegam, destacou.>
A juíza Patrícia Neves reforçou que a pena para este tipo de crime é alta e pode variar de acordo com cada caso. É um crime com uma pena muito alta. O estupro de vulnerável é uma das penas mais altas do Código. A pena inicial, aí não importa se dizem que consentiu a vítima, não existe consentimento antes dos 14 anos de idade, a pena é de 8 a 15 anos. Já inicia com o regime fechado, não há possibilidade de nenhum tipo de progressão em um crime desses. Se houver lesão, houver morte, a pena vai aumentando de 12 a 20, de 15 a 30, então você tem um aumento grande, explicou.>
Patrícia reforçou que, apesar da defesa dos agressores alegarem o consentimento da criança, nada justifica os abusos. Eu já vi criança de 11 anos na segunda gravidez e isso é considerado estupro. Eles podem até tentar legalmente como defesa dizer que a criança consentiu. Uma criança consente em brincar, brincar de pique, consente em sair para brincar, ela não tem ainda o discernimento na personalidade ou formação para dizer que ela consentiu com uma vida sexual ativa, lembrou.>
Ela ainda reforça que a Justiça é firme e busca punir os agressores. Eles tentam essa defesa só que a legislação brasileira, ela é muito dura com relação a isso. Abaixo dos 14 anos completos, é estupro de vulnerável, presume-se a violência, não há que possibilidade de se discutir se houve consentimento ou não, mas são muitos casos, só não são noticiados, reforçou.>
Para que casos de abusos sexuais contra crianças possam ser investigados a população precisa denunciar. Segundo a juíza, o disque 100 é o caminho mais seguro e rápido para informar as autoridades sobre essas situações. O telefone funciona 24 horas por dia, incluindo sábados, domingos e feriados.>
Além disso, a magistrada reforçou que campanhas educativas ajudam a identificar situações de violência. Existem hoje muitas campanhas que a gente posta nas redes sociais, normalmente, se aborda isso de uma forma lúdica, tudo tem o seu tempo para ser ensinado ao ser humano. Hoje existem brincadeiras, existem vídeos com desenhos animados que se alguém me tocar, e eu não me sentir bem, conversar com a mamãe, conversar com a professora, comentou.>
A juíza destacou também que no período de pandemia a falta do convívio da criança com o ambiente escolar preocupa. Em um período desses de pandemia, é um período que nos preocupa muito, porque a escola é o foco primeiro de denúncias, porque os professores têm um vínculo de confiança com seus alunos e eles percebem a mudança de comportamento ou os alunos falam para eles o que está acontecendo, porque há um vínculo muito grande de confiança. Geralmente, não falam para o pai e para a mãe, porque geralmente o agressor está dentro de casa e, aí, é o professor que inicia todo aquele protocolo da questão de violência, ressaltou.>
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