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Governo federal muda regras e afeta bolsas de iniciação científica da Ufes

Governo federal muda regras e afeta bolsas de iniciação científica da Ufes

Alterações restringem concessão  do benefício para alunos que fazem pesquisa em áreas como História, Filosofia e Ciências Sociais

Publicado em 5 de maio de 2020 às 14:55

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Biblioteca Central da Ufes
Na Ufes, alunos da área de Humanidades têm novas regras para conseguir bolsa de iniciação científica. ( Fernando Madeira)

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, mudou as regras para a concessão de bolsas de Iniciação Científica e a medida afeta a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), particularmente alunos da área de Humanidades, em cursos como História, Letras, Filosofia e Ciências Sociais. Todos deixam de ser classificados como prioritários para o desenvolvimento de projetos de pesquisa. 

As novas bolsas, que terão vigência de agosto de 2020 a julho de 2021, deverão estar ligadas a projetos que apresentem aderência a, no mínimo, uma das áreas de tecnologias prioritárias do ministério. São elas:

  • Estratégicas: Espacial, Nuclear, Cibernética, e Segurança Pública e de Fronteira.
  • Habilitadoras: Inteligência Artificial, Internet das Coisas, Materiais Avançados, Biotecnologia e Nanotecnologia.
  • Produção: Indústria, Agronegócio, Comunicações, Infraestrutura, e Serviços.
  • Desenvolvimento Sustentável: Cidades Inteligentes, Energias Renováveis, Bioeconomia, Tratamento e Reciclagem de Resíduos Sólidos, Tratamento de Poluição, Monitoramento, prevenção e recuperação de desastres naturais e ambientais, e Preservação Ambiental.
  • Qualidade de Vida: Saúde, Saneamento Básico, Segurança Hídrica e Tecnologias Assistivas.

Os projetos de pesquisa básica, humanidades e ciências sociais somente serão considerados prioritários caso contribuam, em algum grau, para o desenvolvimento das áreas de tecnologia, segundo documento do CNPq.

O diretor de Pesquisas da Ufes, Fábio Luiz Partelli, observa que a possibilidade de projetos da área de Humanidades serem contemplados com bolsas se tornou bastante subjetivo com as novas regras, podendo inviabilizar o desenvolvimento de pesquisas.  "De certa forma, é um desprestígio com essas áreas que também têm importância, não apenas na formação acadêmica de estudantes, mas como profissionais", avalia.

Partelli exemplifica com sua formação como engenheiro agrônomo. Ele diz que, muitas vezes, no trabalho de campo os profissionais têm dificuldade em convencer um agricultor a adotar determinadas práticas. "Talvez, com um pouco mais de conhecimento em Antropologia, tivessem mais habilidade para lidar com a situação", cita. 

No edital mais recente do CNPq, no ano passado, a Ufes cadastrou 221 bolsas de iniciação científica em todas as áreas. Partelli diz que, para o próximo ciclo, ainda não foi aberto o processo de adesão e, desta maneira, ainda não é possível dimensionar o impacto nos alunos de Humanidades. 

PESQUISA

Estudante do último período de Letras - Italiano, Ruth dos Santos Silva, 22 anos, é bolsista e lamenta o corte provável em projetos da sua área, embora ela mesma não seja afetada por estar concluindo a graduação. Sua pesquisa é em literatura clássica e, pela atividade, recebe uma bolsa mensal de R$ 400.

Ruth dos Santos Silva, em evento de pesquisadores realizado em Juiz de Fora (MG),  onde apresentou sua pesquisa
Ruth dos Santos Silva, em evento nacional realizado em Juiz de Fora (MG), onde apresentou sua pesquisa. (Acervo pessoal)

"A pesquisa ocupa um espaço do nosso tempo, exige dedicação, muita leitura, muito trabalho. A bolsa é o pagamento para o pesquisador, ainda que iniciante, para poder comprar livros, pagar custos com viagem para apresentar trabalhos.  É investimento no financiamento de pesquisa", valoriza.

Ruth destaca que muitos alunos também usam o recurso, embora pequeno, para ajudar a se manter na universidade.  "A gente vivencia a desigualdade e a bolsa é também uma questão de permanência estudantil".

Para a pesquisadora, há uma sensação de menosprezo à área de humanidades, talvez pela falsa ideia de que é preciso procurar utilidade mais pragmática nas pesquisas. "Mas há muitos projetos importantes, e que deixarão de ser desenvolvidos, dentro de uma política de sucateamento da educação. Vamos ter ainda mais desigualdade no nível intelectual ao retirar esses investimentos em Humanidades porque não consideram uma área útil."

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Ex-bolsista voluntário e em sua segunda graduação, Filipe Firmino, 35 anos, entende que a mudança nas regras de concessão de bolsas é uma política que sufoca a possibilidade desenvolvimento científico no sentido mais amplo.  "A Iniciação Científica é o caminho de contato que o estudante tem com a pesquisa. Essa política é fundamental para a formação de cientistas no Brasil", conclui.

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