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Covid-19: quais medicamentos foram testados e quais foram comprovados

Covid-19: quais medicamentos foram testados e quais foram comprovados

Especialistas comentam a eficácia de cada um dos remédios que vêm sendo, de algum modo, apontados como promissores na batalha contra o novo coronavírus

Publicado em 23 de julho de 2020 às 19:13

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Remdesivir é um antiviral que se mostrou eficaz na fase inflamatória da Covid-1
Remdesivir é um antiviral que se mostrou eficaz na fase inflamatória da Covid-1. (Getty Images)

Diante da pandemia do novo coronavírus, em que novas formas de combate ao vírus vêm sendo testadas pela ciência, por meio de medicamentos já existentes ou de vacinas a serem lançadas, a reportagem buscou especialistas para comentarem a eficácia de cada um dos remédios apontados como promissores. Quais destas drogas de fato já são consideradas confiáveis contra a Covid-19?

CLOROQUINA E HIDROXICLOROQUINA

De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a cloroquina e a hidroxicloroquina têm uso indicado para doenças como lúpus eritematoso, malária e artrite reumatoide. "Não existe ainda nenhum ensaio clínico concluído que comprove os benefícios da hidroxicloroquina no caso da Covid-19. Se a pesquisa clínica for bem-sucedida, o medicamento pode ser registrado na Anvisa e receber a nova indicação em bula", divulgou o órgão no mês de abril.

O que dizem os especialistas:

Para a médica infectologista Rúbia Miossi, estes foram medicamentos testados in vitro, ou seja, em cultura de células em laboratório. "Funciona, mas é preciso aplicar uma dose alta. A diferença é que a hidroxicloroquina é menos tóxica do que a cloroquina, então conseguimos usar uma dose mais alta que a cloroquina, para tentar atingir o nível ideal. O problema é que os estudos clínicos que foram feitos não tiveram bons resultados, não houve melhora da mortalidade e não houve diminuição da internação", afirmou.

Neste sentido, Miossi explica que, a princípio, a medicação não funciona para o coronavírus. "Ela já foi testada para chikungunya, dengue e zika e não funcionou. Tem alguns estudos em andamento, precisamos do resultado deles, mas é cedo para utilizar, achando que vai funcionar com base apenas em estudos pré-clínicos. Não dá para ficar fazendo teste nas pessoas sem ser de forma controlada, monitorando que eventos adversos podem acontecer. Muita gente que tomou reclamou muito de enjoo e vômito devido à medicação, não é um efeito adverso grave, mas é um desconforto e, não tendo melhora na internação e morte, não é muito proveitoso."

Cloroquina virou motivo de disputa política
Cloroquina virou motivo de disputa política. (Divulgação)

Para o infectologista Lauro Ferreira Pinto, o uso da cloroquina para tratar a Covid-19 carece de embasamento científico. "A cloroquina e a hidroxicloroquina foram usadas na China e ainda fazem parte do uso de protocolos daquele país para tratar a Covid-19. Mas nem os chineses nem ninguém conseguiu produzir nenhuma prova de estudo controlado, o chamado duplo cego, que mostra eficácia. Pelo contrário, os estudos controlados bem feitos, publicados em boas revistas, até agora não mostraram eficácia nem para tratar nem para prevenir a doença", esclareceu.

IVERMECTINA

Em nota de esclarecimento divulgada pela Anvisa, a agência reguladora afirmou que não existem estudos conclusivos que comprovem o uso da ivermectina, remédio tradicionalmente utilizado para combater piolhos e vermes, para o tratamento da Covid-19, bem como não existem estudos que refutem esse uso. "Até o momento, não existem medicamentos aprovados para prevenção ou tratamento da Covid-19 no Brasil. Nesse sentido, as indicações aprovadas para a ivermectina são aquelas constantes da bula do medicamento. Cabe ressaltar que o uso do medicamento para indicações não previstas na bula é de escolha e responsabilidade do médico prescritor".

O que dizem os especialistas:

Segundo o especialista Lauro Ferreira Pinto, a respeito da Ivermectina houve um estudo em que se aventou a possibilidade de uma ação contra o coronavírus fora do corpo humano. "Só que os níveis, para ter alguma ação contra o coronavírus no corpo humano, deveriam ser pelo menos 100, 200 vezes ou mais dos níveis usados para matar piolho. Então não existe evidência nenhuma de que essa medicação tenha alguma ação preventiva ou de tratamento contra a Covid, pelo contrário", alertou.

Rúbia Miossi explica que o medicamento é aprovado para uso como vermífugo e outras doenças parasitárias, como piolho e sarna. "A medicação é tomada em dose única e costuma ser muito boa. Existem alguns estudos in vitro, muito antigos, dizendo que ela teria propriedades antivirais. A questão é que é uma dose muito superior a que a gente usa habitualmente e a dose necessária para conseguir atingir o nível dentro da célula para funcionar como antiviral é muito alta também, sendo que, segundo alguns estudos, ultrapassaria a dose tóxica. Então a ivermectina, nas doses habituais, não serve para tratar coronavírus, os estudos em fase pré-clínica já mostraram que seria inviável".

AZITROMICINA

Solicitada pela reportagem, a Anvisa informou que os medicamentos autorizados no Brasil têm aprovação e eficácia para aquelas indicações que constam na bula, ao exemplo da azitromicina. "Diversos estudos têm testado diferentes medicamentos para o tratamento de Covid-19, mas ainda sem resultados conclusivos. A Anvisa é uma agência reguladora e não tem atribuição para efetuar recomendação de uso de nenhum dos produtos regulados". Vale destacar que a azitromicina, especificamente, é um antibiótico usado para tratar pneumonias.

O que dizem os especialistas:

De acordo com o infectologista Lauro Ferreira Pinto, a azitromicina é um antibiótico usado há muito tempo para tratar pneumonia atípica, mas que não tem nenhuma ação até agora demonstrada contra a Covid-19. "O uso em larga escala, o que deve fazer é aumentar a resistência da bactéria, pneumococo, contra este antibiótico no Brasil, que já é bastante elevada", disse.

A doutora Rúbia acrescentou que este antibiótico não tem propriedade contra vírus, mas já é usado há muito tempo por pneumologistas para reduzir a fibrose de doenças pulmonares crônicas, em uso prolongado, dentro de doenças para as quais foi testado. "No coronavírus o papel seria na verdade contra a pneumonia que vem junto, não o combate ao vírus em si. O paciente pode ter uma pneumonia bacteriana, e aí sim é interessante usar azitromicina, mas exatamente para o coronavírus não há aplicação".

NITAZOXANIDA

O Jornal da Universidade de São Paulo (USP) divulgou no dia 13 de julho que o Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP apontou que dois vermífugos que vêm sendo amplamente apontados como possíveis curas para a Covid-19, que são a ivermectina e a nitazoxanida,g não tiveram desempenho satisfatório em pesquisas. Nitazoxanida, especificamente, geralmente encontrada como Annita, é usado tipicamente para combater vermes.

O que dizem os especialistas:

Segundo Miossi, a nitazoxanida é um vermífugo, não podendo ser considerado um medicamento antiviral. "Ele também é um antiparasitário, tratando vermes. Houve alguns estudos iniciais semelhantes aos da cloroquina e da ivermectina, que mostram que in vitro poderia ter propriedade antiviral. Mas ao contrário das outras, ela também destrói as células que contêm o coronavírus. A gente não sabe se isso dá certo em seres humanos, só foi testado in vitro. Não sabemos que potencial de piora do quadro clínico pode ocorrer causando esta destruição celular, se é que causa essa mesmo destruição em pessoas", relatou.

No mesmo sentido, o infectologista Lauro afirmou que a medicação não tem ação comprovada contra o coronavírus. "Há hipóteses de que possa ter alguma ação, mas não há protocolo de uso de sociedade científica nenhuma nesse momento".

DEXAMETASONA

Em matéria veiculada pelo jornal O Estado de São Paulo no dia 17 de junho, afirmou-se que o corticóide dexametasona só deve ser utilizado com prescrição médica, de acordo com informações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Conselho Federal de Farmácia (CFF). O medicamento atua como anti-inflamatório e imunossupressor usado em doenças reumatológicas e alérgicas.

O que dizem os especialistas:

Para o médico Ferreira Pinto, a dexametasona correspondeu ao primeiro tratamento que se mostrou eficaz em estudo duplo cego randomizado, que é o padrão do estudo científico. "Só que tem que ser usado naqueles pacientes hospitalizados que precisam de oxigênio. Usar em paciente antes de ir para o hospital, ou na chamada fase inflamatória, piora a evolução e isso os ingleses já demonstraram. Então o uso da dexametasona tem que ser em paciente internado, na fase 2 da doença e com necessidade de oxigênio. Se usar fora desse critério, a dexametasona tem efeito ruim", explicou.

Também de acordo com Miossi, a dexametasona é um corticoide bastante conhecido e que, dentro do contexto da Covid-19, não deve ser utilizado no começo, quando se dá o início do quadro gripal. "Inclusive, usar neste momento pode até agravar o quadro em vez de melhorar, porque evita que as defesas do organismo se manifestem. Na fase terciária entra como controlador da inflamação, controla a inflamação generalizada que o vírus pode causar no organismo, que é quando a pessoa evolui de forma grave, com falta de ar, oxigenação baixa no organismo, risco de trombose", disse.

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A dexametasona é indicada para paciente que tem necessidade de suplementação de oxigênio, ou seja, que está precisando internar e principalmente no paciente que está na UTI. De qualquer forma, em pacientes que não precisavam de oxigênio, não houve boa resposta e, inclusive, apesar de não ser estatisticamente significativo, parece que o grupo de pacientes que não precisava de oxigênio, que estava bem em casa e usou dexametasona, evoluiu pior do que o grupo que de fato precisava do oxigênio. Ou seja, é melhor não utilizar se a pessoa não estiver internada

Rúbia Miossi
Médica infectologista
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DACLATASVIR E SUFOBUSVIR

Utilizados tradicionalmente para tratar a Hepatite C, o daclatasvir e sufosbuvir são antivirais. Sobre eles, a Anvisa, questionada pela reportagem, afirmou que não tem atribuição para efetuar recomendação de uso de nenhum dos produtos regulados, sendo que diversos estudos têm testado diferentes medicamentos para o tratamento da Covid-19, mas ainda sem resultados conclusivos.

O que dizem os especialistas:

Para o especialista Lauro Ferreira Pinto, estes são medicamentos usados para a Hepatite C, que estão em fase de testes para combater o novo coronavírus, mas que não têm comprovada a eficácia.

Já Rúbia Miossi pontuou que ambos faziam parte do tratamento da Hepatite C, tendo sido medicações usadas por volta de 2014. "Agora os tratamentos são outros, completamente diferentes. Eles são antivirais, mas não temos muitas informações a respeito deles para o coronavírus. Nos artigos científicos, eles nem são citados, provavelmente por terem sido estudos pequenos. São medicamentos de uso controlado, as pessoas não conseguem comprar sem receita específica", acrescentou.

REMDESIVIR

Em 1 de maio a Anvisa divulgou nota informando que está em contato com a Gilead, empresa que fabrica o medicamento antiviral remdesivir no exterior, a fim de acompanhar a evolução dos estudos do medicamento para o tratamento da Covid-19. O remédio não está disponível para tratamento no Brasil e foi desenvolvido para tratamento do vírus Ebola, na África.

O que dizem os especialistas:

Para Lauro, o remdesivir é um antiviral que se mostrou eficaz na fase inflamatória da Covid-19, reduzindo mortalidade e tempo de internação. "Ele só está disponível para uso nos Estados Unidos e é uma medicação cara, que tem custo estimado de 6 mil dólares por tratamento. Nos EUA, ele tem que ser usado em pacientes hospitalizados", disse.

Rúbia Miossi esclareceu que o remdesivir é o único antiviral que comprovadamente funcionou em pacientes com coronavírus. "Parece que não fazia muita diferença entrar com ele na fase inicial ou não, esta é uma das controvérsias que vemos no uso. É o único que tem aprovação fora do Brasil para tratamento do coronavírus, sendo indicado utilizar no início do quadro. Ele não está licenciado para uso aqui ainda, é extremamente caro e a própria indústria que o produz diz que não sabe se consegue produzir em larga escala, para vender para o mundo todo", frisou.

A especialista acrescentou que este medicamento conseguiu controlar o último grande surto de Ebola. "Depois foi descontinuada a produção, justamente porque era muito específico para o Ebola. Agora a empresa retornou a fabricação, justamente para testes com o coronavírus e parece que está tendo bons resultados, mas não temos ele para usar e os estudos ainda estão correndo", finalizou.

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