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Cemitério de Santo Antônio é museu de arte a céu aberto, diz professor

Cemitério de Santo Antônio é museu de arte a céu aberto, diz professor

Pesquisadores da Ufes mapearam cerca de 120 peças no local, incluindo duas de Carlo Crepaz, um dos precursores da escultura no Espírito Santo

Publicado em 2 de novembro de 2020 às 05:00

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Cemitério de Santo Antônio
Cemitério de Santo Antônio: antigamente, esculturas eram colocadas nos túmulos das famílias de maior poder aquisitivo. (Ricardo Medeiros)

Um cemitério não é o primeiro lugar que pensamos quando o assunto é arte. No entanto, seu lado cultural e histórico é reconhecido em todo o mundo, mesmo que ainda cause um estranhamento nas pessoas. E não seria diferente no Espírito Santo. Em Vitória, o cemitério de Santo Antônio, no bairro que leva o mesmo nome, já é considerado por especialistas um exemplo de museu a céu aberto.

Por lá, estão esculturas de personagens religiosos, túmulos e placas, que são as principais peças estudadas pelo professor Aparecido José Cirilo, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Em parceria com a pesquisadora Isis Santana Rodrigues, foram mapeadas cerca de 120 obras em todo o local, durante os últimos dois anos.

"Foi uma tentativa de ver os cemitérios não apenas como um lugar da morte, mas também de arte. A qualidade das obras é muito boa, e ali ainda está uma parte da história do nosso povo. Tem uma importância social, cultural e até turística", avalia o professor.

O interesse em fazer esse estudo surgiu em 2017, quando Cirilo recebeu a informação de que poderiam ter duas obras do artista plástico Carlo Crepaz no cemitério. Escultor italiano que veio morar no Espírito Santo durante os anos 1950, foi ele quem deu origem à primeira geração de escultores capixabas que investiram, de fato, na arte urbana.

"Inicialmente, o Crepaz veio para trabalhar no santuário da Basílica de Santo Antônio, em Vitória. Mas, depois disso, fez também a 'Pietá' do Convento da Penha, em Vila Velha, e a escultura do índio guerreiro 'Arariboia', que hoje está no Saldanha da Gama. Embora seja da Itália, ele é o primeiro grande escultor do Estado. Essa arte ao ar livre, que está nas ruas e em lugares onde muitas pessoas passam, ganhou muita força com ele", revela.

Cemitério de Santo Antônio
Muitas obras no cemitério têm temática religiosa. (Ricardo Medeiros)

Apesar de mapeadas, essas duas obras do artista italiano, no entanto, nunca foram localizadas. E mesmo que elas estejam registradas no inventário do próprio escultor, Cirilo acredita que a falta de interesse público prejudicou a localização. Esse descaso não é visto apenas em peças mais famosas, como é o caso de Crepaz, mas em todas as peças artísticas do local.

"Com o passar do tempo, mais da metade das letras e identificações se perderam, além de pedaços das esculturas. Nessas situações, as peças são retiradas e jogadas em um depósito dentro do próprio cemitério. Ou seja, saem de circulação e ainda por cima quebradas, pois não há um interesse em mantê-las conservadas", lamenta Cirilo. 

Outro fator que também impede a manutenção dessas peças, segundo o professor, é a depredação por parte dos frequentadores, que às vezes quebram partes das esculturas ou fazem pichações. Há, ainda, a escassez de profissionais especializados cuidando do espaço, sem conhecimentos técnicos na área de preservação.

Cemitério de Santo Antônio
Flores são deixadas ao lado das esculturas em homenagem aos mortos. (Ricardo Medeiros)

"Por não saberem como fazer a limpeza dos túmulos e das esculturas de forma apropriada, os próprios funcionários usam materiais que podem danificar aquela obra. Por exemplo, quando eles vão limpar uma peça de mármore branco cheia de fungos, muitas vezes usam água sanitária. Tem uma boa intenção por trás, porém isso corrói todo aquele material", explica. 

Mas, de acordo com Cirilo, nem sempre foi assim. Séculos atrás, quanto mais sofisticados eram os túmulos, maior poder aquisitivo as famílias demonstravam. Por isso, elas investiam uma boa quantia de dinheiro na preservação dos cemitérios, o que garantia uma relação mais íntima com a memória do falecido e um status diante da sociedade.

O professor observa que essa tradição começou a mudar devido às sucessivas crises econômicas em todo o país, e pelo enfraquecimento das relações familiares. "Foi a partir disso que os túmulos mais bonitos, com esculturas em cima, começaram a ser substituídos pelos mais simples. Era uma coisa muito cara para aquela geração, da mesma forma como é atualmente. Se a própria morte não virou uma prioridade, então imagine a arte cemiterial", constata.

Cemitério de Santo Antônio
Mestranda Isis Santana e o professor Aparecido José Cirilo pesquisam a arte nos cemitérios . (Ricardo Medeiros)

Para mudar essa realidade, o professor defende que haja a construção de um centro cultural dentro do local, preparado para fazer visitas guiadas com estudantes e turistas. "Podemos retomar esse afeto com a morte através da arte. Em Santo Antônio, podemos ver as tradições dos grupos que habitaram a Capital, o perfil social de cada um e detalhes de como a sociedade interagia em outras épocas. Cada obra é uma parte da história do município", ressalta Cirilo. 

Cemitério de Santo Antônio
Esculturas trazem riqueza de detalhes. (Ricardo Medeiros)

Ainda em fase de produção, o professor também conta que um livro será escrito após a organização dos dados, cujo material está documentado em fotos e textos. No momento, ele e Isis ainda estão finalizando um inventário, que usa a metodologia do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para identificar peças, material e autoria.

"A ideia de fazer o livro é para mostrar que o cemitério também pode ser um museu a céu aberto, não apenas um lugar de dor e de perdas. Precisamos dar uma voz para esse tipo de arte, compartilhar esse acervo de imagens para a população", defende.

Obra de arte em tùmulos do cemitério de Santo Antônio(Ricardo Medeiros)

Maria Fernanda Conti é aluna do 23° Curso de Residência em Jornalismo da Rede Gazeta, sob supervisão da editora Joyce Meriguetti e de Aline Nunes.

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