Publicado em 31 de julho de 2020 às 18:33
A notícia do fechamento do Centro Cultural Carmélia Maria de Souza, em Vitória, pegou a classe artística capixaba de surpresa. Gerenciado pela Prefeitura de Vitória, o aparelho será transformado em local para armazenamento de sacas de café, laboratório e escritórios da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). O imóvel vai receber o material que atualmente está abrigado nos Galpões do IBC, em Jardim da Penha, que teve a sua venda anunciada pela União.>
Muitos artistas lamentam o encerramento das atividades do Carmélia. Afinal, independente das atividades estarem paralisadas por conta da pandemia do novo coronavírus, a quantidade de espaços públicos capazes de receber grandes espetáculos teatrais e apresentações musicais é cada vez menor na Grande Vitória. >
Tirando o Teatro da Ufes (comandado pelo governo federal), atualmente contamos com o Palácio da Cultura Sônia Cabral (sob tutela do governo estadual) e o Centro Cultural Frei Civitella di Trento (sob direção da Prefeitura de Cariacica) como espaços aptos a receberem espetáculos. Em contrapartida, temos o Teatro Carlos Gomes (também do governo estadual), em um processo de reforma que já dura anos. >
O Teatro Municipal de Vila Velha, outro ponto importante, também não está apto a receber eventos por conta de melhorias nas instalações. Podemos citar ainda o Cais das Artes, um projeto que segue com obra parada e sem previsão para inauguração. A perda definitiva do Carmélia é vista pela classe artística como mais um desfalque no cenário cultural, que segue carente de espaços.>
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"Estamos todos muito tristes e desapontados com a insistência em não se cuidar da cultura neste pais. Muita falta de sensibilidade e respeito aos artistas, não bastasse a pandemia que colocou a classe artística e cultural em grave crise. O Teatro Carlos Gomes fechado e em eterna expectativa de restauração, desde 2017. Temos também fechado o Teatro Sesc Glória desde maio deste ano. Como se não bastasse tanta carência de palcos para a arte teatral e a música, somos agora surpreendidos pela notícia que o Centro Cultural Carmélia foi requerido pela União, com decisão tomada desde maio deste ano, e só agora tomamos conhecimento", diz o produtor e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Vila Velha, Manoel Góes, resumindo o sentimento da classe artística.>
Produtores e artistas tinham a esperança do Carmélia - que já não recebia espetáculos há sete anos - ser reformado ou transformado na Cidade do Samba, revitalizando a região em que o centro cultural se encontra. Com a notícia, a classe cultural se reuniu nesta sexta-feira (31) para debater ações no intuito de tentar barrar o fechamento do complexo como campanhas nas redes sociais, podendo até abrir uma ação cível contra a União e a realização de uma manifestação em frente ao prédio, no bairro Mário Cypreste, programada inicialmente para a próxima terça (4).>
"Nós vamos fazer alguma coisa para colocar na cabeça destas pessoas que eles não podem fazer isso com a cultura do Espírito Santo", disse o presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado no Espírito Santo (Satedes), Pietro Marcos Barbosa Suanno, que não participou da reunião citada.>
Em conversa com o "Divirta-se", a artista multimídia e produtora cultural Stael Magesck vê o fechamento do Carmélia como um exemplo de descaso e desvalorização com a cultura e os trabalhadores da arte. >
"Também sinto um total desprezo para com a cidade de Vitória, principalmente sua região central. Há tempos reivindicamos que a área próxima ao Carmélia seja equipada. Queremos levar arte, cultura e educação a uma comunidade que realmente precisa desse tipo de iniciativa. É um local de vulnerabilidade social e que precisa de segurança. Atividades como a nossa, levam vida a essas áreas", desabafa, dizendo que a comunidade precisa ser ouvida pelo poder público.>
Em suas redes sociais, a artista ainda resgatou o caso do extinto Teatro Edith Bulhões, na Avenida Beira-Mar, em Vitória. Como o Carmélia, o terreno também pertencia à União e acabou sendo demolido em 2010, dando lugar à construção da nova sede da Receita Federal. >
Quem também comparou a situação à história do extinto teatro na Avenida Beira-Mar foi o diretor, produtor, dramaturgo e ator José Celso Cavaliéri. "Já fazem 10 anos e o teatro continua desvalorizado. Nada foi feito para substituir (o Teatro Edith Bulhões). Pelo contrário, estamos perdendo: Teatro Galpão se foi; Teatro Carlos Gomes num processo de reforma que não acontece; Teatro Sesc Glória sem sabermos o que irá acontecer... Agora o Centro Cultural Carmélia, virar depósito para café? Um absurdo!", publicou.>
Em seu protesto, ele ainda pediu ajuda aos parlamentares capixabas: "Atenção, senhores deputados e senadores, acudam nosso pedido de socorro, não deixem tirar mais um espaço Cultural".>
Celso Adolfo, presidente do Sindicato dos Artistas Plásticos Profissionais do Espírito Santo, lembrou que o espaço também recebia exposições e lamentou a morte de um aparelho cultural tão importante. "Assistimos à morte lenta de nossos aparelhos culturais. Cabem aos artistas a mobilização para cobrar novos espaços e vamos fazer isso. Esperamos, por exemplo, que as obras do Cais das Artes saiam definitivamente do papel. Não adianta fazer editais culturais se nós não temos espaços de apresentação", cobra. >
"Eles ainda não entenderam que o que dã vida ou alma à cidade são a arte e a cultura. O que seria de Nova York sem a Broadway, seus museus e salas de concertos. E Paris, sem seus museus, sua história e os artistas que lá viveram. Atenas sem seus monumentos históricos, Londres sem Shakespeare e sua história preservada, apesar das guerras. Vitória tem belezas naturais e só. Tudo muito mal aproveitado. Triste", comentou o jornalista, ator e produtor Luiz Tadeu Teixeira, >
O Carmélia, cuja área pertence à Conab e, no passado, abrigou o Instituto Brasileiro do Café (IBC), estava cedido à Prefeitura de Vitória e ao governo estadual. No local, atualmente funciona a TV Educativa (TVE), pertencente ao Estado. A emissora também terá que deixar as instalações. >
Há pelo menos dois anos, a PMV tentava transformar o centro cultural em um espaço destinado ao carnaval, com a criação da Cidade do Samba. Em entrevista a A Gazeta, nesta sexta (31), Leonardo Krohlling, coordenador do Comitê de Acompanhamento e de Recuperação Econômica para Situação de Emergência de Saúde Pública - Covid-19, de Vitória, informou que o município possuía uma cessão provisória do imóvel e que, para desenvolver uma ação, precisaria de uma cessão de longo prazo.>
Em 2019, a prefeitura recebeu a informação de que o projeto, em parceria com a Liesge, não seria aceito. Já no início deste ano, foi surpreendida com a notificação para que deixasse o local. >
Na mesma matéria, Edvaldo Teixeira da Silveira, presidente da Liesge, afirmou que a decisão da União de transformar o Carmélia em centro de armazenagem mostra o desrespeito com a cultura capixaba. É uma demonstração de que a União não gosta ou respeita a cultura, desabafa. O espaço, segundo Edvaldo, seria usado pelas escolas na confecção de fantasias e realização de oficinas de capacitação profissional. >
Em conversa com o "Divirta-se", o secretário de cultura de Vitória, Francisco Grijó, lamentou a perda do Centro Cultural Carmélia e a não efetivação da Cidade do Samba no local. "Pelo projeto, o centro também contaria com um teatro, que seria coordenado pela Secretaria Municipal de Cultura. Cheguei a participar de uma reunião na Secretaria do Patrimônio da União (STU). Eles tinham a ideia para a implementação de oficinas de start-ups no Carmélia, mas não foi à frente", afirma.>
A secretária de Estado de Gestão e Recursos Humanos, Lenise Loureiro, informou que recebeu a notificação da Secretaria de Patrimônio da União (SPU-ES) para deixarem o local e que o prazo venceu em junho, mas que foi pedida uma prorrogação. Ela relata que já foi lançado um edital de chamamento público para a escolha de um imóvel para abrigar a TV Educativa. >
Em relação ao Centro Cultural Carmélia, ela explica que ele não vinha sendo utilizado como teatro há alguns anos. Chegamos a apresentar uma proposta de reformar a estrutura, em especial fazer funcionar o teatro também para a rádio e a TV, com espaço para transmissões ao vivo, com plateia. Mas os planos da União são no sentido de venda, e a gestão de patrimônio está se desfazendo de alguns bens, relata Lenise.>
Em nota, a Secretaria de Estado da Cultura (Secult) informou a situação dos aparelhos públicos sob sua jurisdição. " O Carlos Gomes está nas primeiras etapas de sua reforma, na fase do projeto. A previsão é que esta etapa termine em fevereiro de 2021. A partir daí, será feita uma licitação e a obra terá início. Sobre o Sônia Cabral, vale destacar que o processo de ocupação do espaço é aberto e democrático, feito por seleção pública tanto para o palco quanto para seu espaço expositivo e suas salas, que podem ser ocupadas com oficinas e cursos">
Inaugurado em 1986, o Centro Cultural Carmélia Maria de Souza já sediou grandes espetáculos e festivais de teatro, recebendo artistas locais e de renome nacional. O espaço também contava com uma biblioteca e um cinema de arte. >
O Cine Carmélia ainda é visto com nostalgia e saudosismo pelos cinéfilos. A sala abrigou exibições do Festival de Cinema de Vitória, o antigo Vitória Cine Vídeo, nos anos 1990. >
Em suas telas, o público capixaba pôde ver, com exclusividade, filmes premiados pelo Oscar, como o francês "Indochina" (1993), de Régis Wargnier, e "Nada é Para Sempre" (1992), de Robert Redford. O espaço também foi exibidor oficial dos acervo do Circuito Belas Artes e de clássicos restaurados, como "Blade Runner" (1982), de Ridley Scott, e "Laranja Mecânica" (1972), de Stanley Kubrick. >
Em 2011, o centro cultural chegou a ser reformado e reinaugurado pela PMV. À época, abrigou a sede da Lei Rubem Braga de Incentivo à Cultura, com espaço para biblioteca com o acervo de livros, CDs, DVDs e outros produtos culturais frutos de projetos contemplados pela iniciativa. No local, funcionou ainda um telecentro voltado a pesquisas acadêmicas. O Teatro José Carlos de Oliveira foi fechado em 2013, e as salas de múltiplo uso estão sem utilidade desde 2012. >
Em matéria publicada em 2018, A Gazeta constatou o estado de abandono do empreendimento cultural. A reportagem chegou a flagrar um abrigo de moradores em situação de rua, vários vasilhames de isopor e garrafas de plástico acumulando água e sujeira, além de muito mato.>
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