Poder público tem dever cívico, como qualquer um, de dar cota de sacrifício

Autoridades devem pactuar uma lista de emergências condizente com a realidade, que encontre soluções para o presente sem atravancar o futuro. Enquanto milhares de brasileiros perdem empregos, é indecoroso que órgãos blindem privilégios

Publicado em 12/05/2020 às 06h00
Atualizado em 12/05/2020 às 06h00
Cofre e dinheiro: rentabilidade da poupança está cada vez mais baixa
Diante dos impactos econômicos da pandemia, todos devem apertar os cintos. Crédito: Freepik

Existe uma anedota antiga, mas sempre atual, sobre a divisão de responsabilidades. A historieta começa com os personagens Todo Mundo, Alguém, Qualquer Um e Ninguém diante de uma importante tarefa. Todo Mundo tinha certeza de que Alguém a cumpriria. Qualquer Um poderia tê-la realizado, mas, ao final, Ninguém a fez. Muito usada para ensinar crianças sobre a importância da colaboração e as consequências de se fugir das obrigações, a parábola vem bem a calhar neste momento em que governos, em todas as esferas, enfrentam a incontornável missão de cortar gastos.

O objetivo é claro e pactuado. Diante dos impactos econômicos da pandemia do novo coronavírus, todo mundo sabe que é hora de apertar os cintos. Mas a forma como as despesas serão enxugadas virou um jogo de empurra entre autoridades públicas, com uma lista de prioridades que muda de direção ao sabor dos ventos das conveniências. No Espírito Santo, a reunião em que foram discutidas onde, como e quando os cortes seriam feitos, na última quinta-feira (7), teve saldo de muita discussão e nenhuma decisão. Qualquer um poderia ter colaborado, mas…

MPES e TJES anunciaram alguns contingenciamentos, como renegociação de aluguéis e corte de hora extra, diárias e gratificações. Embora muito bem-vindas, as medidas ainda não estão à altura da magnitude do momento. É preciso mais. A revisão da arrecadação capixaba aponta queda de R$ 3,4 bilhões neste 2020, uma redução de 17% em relação às expectativas anteriores ao baque da Covid-19. Com isso, o Orçamento estadual precisa urgentemente ser readequado. Disso, ninguém duvida… Mas o esforço fiscal, que deveria ser compartilhado, tornou-se uma batata quente.

O governo do Estado quer enxugar benefícios de servidores de todos os Poderes, para reduzir gastos com folha - a proposta proíbe reajustes salariais e novas contratações até o fim de 2021. Argumenta que essa medida é uma contrapartida para o socorro da União a Estados e municípios. Presentes na videoconferência, Assembleia Legislativa, Tribunal de Justiça e Ministério Público Estadual trataram de apontar outros caminhos. E é aqui que o empurra-empurra começa a ficar perigoso para a saúde econômica do Estado.

Se por um lado há sugestões acertadas como a de suspender investimentos não prioritários e a revisão de empréstimos junto ao BID, notadamente em um cenário de câmbio desfavorável, por outro lado algumas propostas podem trazer prejuízos irreversíveis na retomada.

A principal delas é a mudança da destinação das verbas dos fundos Soberano e de Infraestrutura, ambos formados com recursos do petróleo. O risco mais premente é de que, ao abrir essas poupanças para a cobertura de despesas correntes, os órgãos públicos eximam-se da tarefa de enxugar gastos - algo necessário mesmo antes da pandemia, registre-se.

Outro perigo é dilapidar dois mecanismos importantes para a economia capixaba. Os fundos não são intocáveis, se o intuito for cobrir custos emergenciais para salvar vidas. Mas, recém-criados, tornariam-se natimortos caso a mudança de finalidade não viesse acompanhada de critérios bem definidos, como a regra de ouro de não aplicá-los em despesas permanentes. Desvirtuar os fundos antes de enxugar a máquina pública é uma inversão de prioridades que custará caro.

Autoridades públicas devem pactuar uma lista de emergências condizente com a realidade, que encontre soluções para o presente sem atravancar o futuro. Enquanto milhares de brasileiros têm contratos suspensos, salários reduzidos e empregos dizimados, é indecoroso que os órgãos sejam tão profícuos em propostas de cortes em outros Poderes, ao mesmo tempo em que blindam privilégios de seus membros. Se persistir essa inação diante do dever cívico de assumir sua cota de sacrifício, ao final Todo Mundo vai culpar Alguém porque Ninguém fez o que Qualquer Um poderia ter feito.

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