Com Biden, Brasil será forçado a rever sua política externa

Mesmo com uma pouco provável reversão do resultado das eleições dos Estados Unidos na Suprema Corte, caminho seguido até aqui pelo Palácio do Planalto não tem sustentação, especialmente na agenda ambiental

Publicado em 07/11/2020 às 05h00
Joe Biden em coletiva em Wilmington, no Estado de Delaware (EUA)
Joe Biden em coletiva em Wilmington, no Estado de Delaware (EUA). Crédito: Adam Schultz / Biden for President

Em 2019, durante uma visita a Dallas, Jair Bolsonaro converteu seu famoso slogan em “Brasil e Estados Unidos acima de todos”. Ao longo dos últimos dois anos, no entanto, o presidente investiu mais na relação com Donald Trump do que com o país norte-americano. Com a entrada de Joe Biden na Casa Branca, o Brasil será forçado a rever sua política externa, sob o risco de ficar ainda mais isolado no cenário global. Mesmo com uma pouco provável reversão do resultado das eleições dos Estados Unidos na Suprema Corte, o caminho seguido até aqui pelo Palácio do Planalto não tem sustentação.

Um dos assuntos já colocados na mesa pelo próprio Biden é a política ambiental. Se Trump comandava o bloco dos negacionistas, o democrata promete engrossar o coro internacional que pressiona o governo brasileiro a adotar critérios mais rígidos de preservação. O Brasil tem até o final do ano, por exemplo, para decidir se reforça ou não a meta climática do país no Acordo de Paris, abandonado por Trump. A postura do país não interfere apenas na fauna e na flora, o que já seria motivo suficiente de preocupação, mas na economia do país, especialmente em um cenário de crise.

Um comprometimento maior ajudaria a melhorar a imagem do país entre futuros parceiros, bastante corroída com os recordes em incêndios e desmatamentos. Outra impacto deve ser a postura do Brasil em meio à guerra comercial entre Estados Unidos e China, que tem embaralhado o tabuleiro para produtores nacionais e que envolve o delicado tema do leilão do 5G.

Nessas e em outras questões, o alinhamento ideológico do cidadão Jair Bolsonaro terá que ceder lugar à diplomacia que se espera do presidente do Brasil, com uma boa dose de pragmatismo. Até porque, na balança dos acordos firmados pela atual gestão, o ponteiro oscila para o lado dos Estados Unidos. O Planalto cedeu a Base de Alcântara, prorrogou a isenção de tarifa para o etanol e suspendeu vistos para norte-americanos, por exemplo. Em troca, recebeu de Trump ameaças de sobretaxa ao aço e alumínio brasileiros. Também trocou o certo pelo duvidoso: abriu mão do tratamento diferenciado na OMC por um possível apoio dos Estados Unidos à entrada na OCDE. A conta não fecha. 

Desde a década de 1970, os benefícios conquistados pelo Brasil na relação com os Estados Unidos resultaram mais da habilidade de negociação de diplomatas e governantes do que de interesse estratégico norte-americano na América Latina ou alinhamento ideológico dos ocupantes do Planalto e da Casa Branca. Essa capacidade de negociar é que precisa ser reconquistada, não apenas com os Estados Unidos, mas no cenário global. O menosprezo a parceiros latinos, o bate-boca com o líder francês Emmanuel Macron e a hostilidade com países como Alemanha e Noruega, que levou à suspensão ou ao corte de repasses para o Fundo Amazônia, guiados mais por vaidade do que por técnica, não podem continuar.

A exemplo de Trump, Bolsonaro tem adotado um tom desdenhoso ou até belicista nos palcos multilaterais, como a ONU, a União Europeia e o Mercosul, em um isolacionismo prejudicial à economia brasileira. Se escolher o caminho do pragmatismo, como tem dado sinais nos últimos dias, não será surpresa que o governo federal retire dos holofotes ministros da ala ideológica, como Ernesto Araújo e Ricardo Salles, justamente os dois que comandam as pastas de maior relevo e maior potencial de atrito, Relações Exteriores e Meio Ambiente.

Apesar da alegada amizade com Trump, a relação até o momento tem sido assimétrica e a entrada de Biden pode trazer boas perspectivas ao Brasil. Diplomatas ligados à campanha do democrata ouvidos pela revista Veja informaram que, se confirmado no cargo, o novo presidente pretende “recomeçar do zero” as relações com o governo brasileiro. China e meio ambiente continuam no balcão de negócios, mas antigas rusgas seriam ignoradas. A promessa de bons ventos traduziu-se em alta na bolsa, com o otimismo do mercado financeiro ao possível fim do protecionismo do America First de Trump. Sinal de que, mais do que um amigo, o Brasil precisa é de um parceiro na Casa Branca.

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