Centro Cultural Carmélia: crônica de uma morte anunciada

Prefeitura e governo tentam reverter devolução do espaço à União, mas abandono se arrastou por anos sem nenhuma providência de gestores locais que assistiram à longa agonia

Publicado em 06/08/2020 às 06h00
Atualizado em 06/08/2020 às 06h01
Teatro Carmélia vai ser usado para armazenamento de sacos de café.
Teatro Carmélia é alvo de disputa entre prefeitura e União. Crédito: Vitor Jubini

Na crônica “O deletério do povo capixaba”, compilada no livro póstumo “Vento Sul”, a escritora Carmélia Maria de Souza, morta em 1974, espinafrou a postura de alguns moradores do Espírito Santo que “não sabem valorizar as coisas que têm”. Não enxergavam, ela denunciava à época, o potencial turístico de uma cidade como Santa Teresa ou o interesse cultural de uma rua como a Duque de Caxias, uma das mais antigas da Capital. “A ilha”, registrava a cronista sobre Vitória, “está pedindo para que você a deixe crescer.”

Estivesse viva, Carmélia Maria de Souza certamente teria apontado sua artilharia para o abandono do centro cultural no bairro Mário Cypreste que, inaugurado em 1986 durante a gestão do então governador Gerson Camata, foi batizado com seu nome. O Teatro Carmélia, como é conhecido, está agora sob os holofotes devido ao anúncio de que será desativado, após ser requerido pela União. Mas o fato é que o espírito deletério atinge o espaço há anos, sem nenhuma providência de gestores locais, que assistiram à longa agonia sem entregar uma solução e agora lamentam a morte.

Em 2013, apenas dois anos após uma reforma, já havia denúncias formais de infiltrações e falta de água que tornavam penoso o trabalho dos funcionários da TVE, instalados no local. Desde essa época, artistas e ativistas culturais também viram a sala de cinema, o teatro e a biblioteca que funcionavam na edificação virarem ruínas. Nos discursos, muitos projetos de prospecção de recursos e de reúso do local. Na prática, sobraram os escombros que são vistos numa das portas de entrada da Capital.

Prefeitura de Vitória, a quem o espaço estava cedido, e até o governo do Estado, que administrou o local até 2010, tentam impedir a devolução do Centro Cultural Carmélia Maria de Souza ao governo federal. O prédio foi atingido por tabela com a desocupação dos galpões do IBC, em Jardim da Penha, que serão leiloados em novembro. Com isso, o armazenamento de sacas de café e os escritórios da Companhia Nacional de Abastecimento, que ocupavam os galpões, serão transferidos para o Carmélia.

O governador Renato Casagrande afirmou, em rede social, que o aparelho “precisa continuar como espaço cultural e instrumento de revitalização do Centro”. Infelizmente, há sete anos a edificação no bairro Mário Cypreste não funciona nem como uma coisa, nem como outra. Pelo contrário, insere-se em um contexto mais amplo de perdas de espaços culturais no Estado e de precariedades que assolam a região. Nesse último aspecto,  a expectativa é que as obras do Portal do Príncipe, iniciadas neste mês, sejam o pontapé para intervenções mais profundas do poder público, para além da mobilidade. 

Já o prefeito Luciano Rezende declarou-se surpreso com a decisão da União de reaver o imóvel. No entanto, a possibilidade de reúso foi aventada ainda em julho do ano passado, quando a nova gestão da Secretaria de Patrimônio da União no Estado assumiu e, em visita ao centro cultural, constatou o abandono. De lá para cá, até houve tratativas para revitalizar o imóvel, mas elas sempre esbarraram em problemas financeiros e técnicos.

Teatro Carmélia e a Cultura do abandono

Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Cadeiras entregues à ação do tempo no Teatro Carmélia M. de Souza. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Estrutura de madeira apodrecida veio abaixo no Teatro Carmélia M. de Souza. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Revestimento de madeira que envolvia parte do sistema de ar condicionado caiu. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Revestimento de madeira que envolvia parte do sistema de ar condicionado caiu. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Visão ampliada da estrutura do teatro. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Visão ampliada da estrutura do teatro. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Revestimento de madeira que envolvia parte do sistema de ar condicionado caiu. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Visão ampliada da estrutura do teatro. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Cadeiras entregues à ação do tempo no Teatro Carmélia M. de Souza. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Teatro Carmélia M. de Souza. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Cadeiras entregues à ação do tempo no Teatro Carmélia M. de Souza. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Parte do teto do Teatro Carmélia desabou com ação do tempo. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Parte do teto do Teatro Carmélia desabou com ação do tempo. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Painéis dos últimos eventos ainda estão no interior do teatro. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Cadeiras entregues à ação do tempo, hoje dão lugar ao abandono. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Cadeiras entregues à ação do tempo, hoje dão lugar ao abandono. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Painéis dos últimos eventos ainda estão no interior do teatro. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Cadeiras entregues à ação do tempo, hoje dão lugar ao abandono. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Painéis dos últimos eventos ainda estão no interior do teatro. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Equipamentos eletrônicos. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Mesa e cadeira da sala de comando do teatro. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Sala de ar condicionado. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Cortina preta utilizada no palco do teatro. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Área de acesso ao teatro. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Refletores de luz em armário na sala de comando do teatro. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Tomadas e fios na sala de comando do teatro. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Teatro Carmélia M. de Souza. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Painel de entrada do teatro. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Mesa e cadeira da sala de comando do teatro. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Visão ampliada da estrutura do teatro. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Refletores de luz em armário na sala de comando do teatro. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Parte do teto veio abaixo. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Extintor com data para a próxima recarga no ano de 2015. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Placa com número de série e brasão da Prefeitura de Vitória, aplicada em cadeira da sala de comando do teatro. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Teatro Carmélia M. de Souza. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Extintor abandonado no interior do teatro. Fernando Madeira
Cultura do abandono, Teatro Carmélia M. de Souza
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão. Fernando Madeira
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão
Local que um dia foi iluminado pelo brilho dos artistas Capixabas, hoje é escuridão

Uma das propostas era transformar o local na Cidade do Samba, para confecção de fantasias pelas agremiações e melhoria do acesso ao Sambão do Povo. A administração da cidade, porém, admitiu que não teria verba para bancar a obra e tentava costurar um acordo de cooperação com a Liga das Escolas, para reforma e manutenção. Em ofício encaminhado pela SPU à Companhia de Desenvolvimento de Vitória em 2019, o órgão foi categórico ao afirmar que a prefeitura não poderia realizar a concessão do imóvel cedido a ente privado, mesmo que sem fins lucrativos. Em bom português, não poderia emprestar o que não era seu.

A comoção da classe artística e de defensores do desenvolvimento do Espírito Santo é compreensível. O Estado tem um histórico de perda ou má gestão de espaços artísticos ou com potencial turístico e econômico que suscita uma justa preocupação por mais uma derrota, especialmente na região do Centro. Não são raros os casos de prédios públicos abandonados ou subutilizados, como o Mercado da Capixaba, que há anos clama por uma revitalização que nunca chega. Na área cultural, o principal palco capixaba, o Teatro Carlos Gomes é uma ausência dolorosamente sentida desde que foi fechado em 2017 para uma reforma que ainda não saiu do papel. O epítome é o Cais das Artes, obra milionária que um imbróglio judicial impede de zarpar.

O destino do Teatro Carmélia ainda é incerto, já que negociações com o governo federal ou mesmo acionamentos na Justiça podem reverter a devolução à União. Seja qual for o rumo, o espaço e a comunidade merecem o fim do descaso que se viu nos últimos sete anos. A esperança é que a mobilização de ativistas e políticos em torno do centro cultural possa lançar luz sobre a gestão de outros imóveis no Estado que, à mercê das traças, são a raiz de inúmeros males, como o déficit imobiliário, a degradação de patrimônio histórico e o vácuo turístico e cultural. O Espírito Santo precisa aprender a valorizar o que tem.

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