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Presidente da Petrobras manda recado a Bolsonaro em coletiva

Presidente da Petrobras manda recado a Bolsonaro em coletiva

'Em vez de ter uma visão interna, ou seja, de nos compararmos com nós mesmos, queremos nos comparar com os melhores e ser o melhor ou pelo menos uma das melhores empresas petróleo do mundo'

Publicado em 25 de fevereiro de 2021 às 12:56- Atualizado há 3 anos

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Roberto Castello Branco
Roberto Castello Branco. (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

RIO DE JANEIRO - Um dia após anunciar o maior lucro trimestral da história das companhias abertas brasileiras, o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, defendeu o alinhamento dos preços dos combustíveis ao mercado internacional e rebateu falas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que o criticou por fazer home office durante a pandemia.

Castello Branco foi demitido por Bolsonaro na última sexta (19), diante de insatisfações com reajustes nos preços dos combustíveis, mas fica no cargo até que o conselho de administração da companhia aprove a nomeação de seu sucessor, o general Joaquim Silva e Luna.

O balanço foi divulgado nesta quarta (24), em meio à crise provocada pela nomeação do general Joaquim Silva e Luna para substituir, no comando da empresa, o economista Roberto Castello Branco, primeiro presidente da estatal sob o governo Jair Bolsonaro.

O executivo vem recebendo diversas críticas tanto do presidente, de seus apoiadores e até de políticos da oposição, que questionam a política de alinhar os preços dos combustíveis às cotações internacionais, que já provocaram em 2020 altas de 35% e 28% nos preços da gasolina e do diesel nas refinarias, respectivamente.

Em teleconferência com analistas para detalhar o lucro de R$ 7,1 bilhões em 2020 divulgado nesta quarta (24), Castello Branco defendeu a política, dizendo achar "surpreendente, em pleno século 21, estarmos dando tanta atenção a isso".

"Em meio à severa recessão global e aos efeitos de um grande choque na indústria de petróleo, nós prometemos estruturar uma recuperação em 'J'. A meta era sair da crise melhor que antes", afirmou Castello Branco. "Nós entregamos nossas promessas". disse em sua primeira aparição após a demissão.

"Reduzimos a dívida [da empresa] em quase US$ 36 bilhões em dois anos, mas a Petrobras ainda é uma empresa muito endividada e nossa dívida é majoritariamente em dólares. Como é que se vai conciliar obrigações em dólares com receitas em reais?", disse.

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Nossa visão estratégica é baseada no lema 'Mind the gap', que está escrito na minha camisa. Pedimos emprestado ao undergound de Londres o 'Mind the gap' porque, em vez de ter uma visão interna, ou seja, de nos compararmos com nós mesmos, queremos nos comparar com os melhores e ser o melhor ou pelo menos uma das melhores empresas petróleo do mundo

Roberto Castello Branco
Presidente da Petrobrás
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"Gap", palavra em inglês, tem relação com defasagem e é usado para se falar da distância entre preços. Ele citou esse termo por causa das queixas sobre a diferença entre os preços dos combustíveis no Brasil e em outros países. A expressão completa 'Mind the gap' é usada para falar do vão entre os trens e as plataformas dos metrôs.  A fala foi encarada como um recado a Jair Bolsonaro, que demitiu Castello Branco por não concordar com o aumento do preço dos combustíveis.

Castello Branco repetiu argumento que já vem sendo usado em campanhas publicitárias da Petrobras, ao afirmar que pesquisas internacionais indicam que os preços da gasolina e do diesel no Brasil estão abaixo da média internacional. "O preço não é caro nem barato, o preço é preço de mercado", frisou o executivo.

"E se o Brasil quer ser uma economia de mercado tem que ter preços de mercado. Preços abaixo de mercado geram muitas consequências, algumas imprevisíveis, outras previsíveis, mas sempre negativas".

O executivo ainda não se manifestou publicamente sobre sua demissão da Petrobras, decisão criticada por investidores e pelos conselheiros de administração da empresa, que avaliam uma maneira de questionar Bolsonaro pelas críticas públicas feitas à gestão da empresa.

Mas respondeu, mesmo que indiretamente, a uma das principais críticas do presidente da República, depois replicada por seus apoiadores em redes sociais: a de que passou os últimos onze meses "em casa, sem trabalhar".

"Home office não é uma invenção da Petrobras", disse. "Muitas empresas no mundo adotaram home office e continuam em home office. Algumas já declararam home office permanentemente."

Ele disse que a ideia é que, com o avanço da vacinação, a Petrobras migre para um modelo híbrido, com trabalho presencial e em casa, e defendeu que o home office contribuiu para reduzir custos e melhorar a produtividade da empresa.

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O home office não só reduziu a taxa de contaminação pelo vírus como também contribuiu para reduzir custos e para aumentar significativamente a produtividade. Vários estudos apontam isso. Não foi apenas a Petrobras que se beneficiou

Castello Branco
Presidente da Petrobras
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A conferência, como tem sido costume desde o início da pandemia, foi feita de forma virtual, com cada executivo da estatal em sua casa. Castello Branco vestia uma camisa de malha com o slogan do metrô de Londres "Mind the gap" (cuidado com o vão, em tradução livre). No fim de seu discurso de abertura da videoconferência, ele disse ter tido "a sorte de ter pessoas competentes, não só na diretoria executiva, mas também nos escalões inferiores".

"A Petrobras está numa trajetória excelente para cumprir com nosso objetivo de ser a melhor companhia de petróleo e gás do mundo em geração de valor para o acionistas", afirmou, na conclusão de seu discurso.

LUCRO MENOR

O lucro ficou 82,3% abaixo do recorde de R$ 40,1 bilhões registrado em 2019, primeiro ano de Castello Branco à frente da companhia. Mas ficou bem acima das estimativas do mercado que previam que a companhia fechasse o quarto trimestre com lucro de R$ 9,9 bilhões, o que representaria um prejuízo anual de cerca de R$ 43 bilhões.

No segundo trimestre de 2020, logo após o início da pandemia, a empresa anunciou uma série de revisões no valor de seus ativos, para adequar a expectativa de receita ao novo cenário de preços do petróleo, que levaram a prejuízo de R$ 48,5 bilhões.

Em três trimestres seguidos de prejuízo em 2020, a companhia acumulou perdas de R$ 52,8 bilhões. No quarto trimestre, diz a companhia, o lucro foi obtido com a reversão de perdas contábeis em ativos no valor de R$ 31 bilhões, ganhos cambiais de R$ 20 bilhões e reversão de gastos passados do plano de saúde de seus empregados em R$ 13,1 bilhões.

No resultado anual, a queda no lucro é explicada pela companhia com a queda de 35% do preço do Brent em dólares, pela revisão no valor de ativos, menores ganhos com desinvestimentos e desvalorização de 31% do real em relação ao dólar americano.

No ano, a receita da Petrobras caiu 10%, em comparação com 2019, para R$ 272 bilhões. O Ebitda, indicador que mede a capacidade de geração de caixa de uma companhia, subiu 10,6%%, para R$ 143 bilhões.

Apesar da pandemia, a empresa conseguiu manter clientes para o petróleo do pré-sal e, principalmente, de combustível de navegação mesmo nos momentos mais duros da pandemia, fechando o ano com a produção média recorde de 2,84 milhões de barris de óleo e gás por dia.

Na terça (23), em sua primeira reunião após anúncio de que o governo quer trocar o comando da companhia, o conselho de administração da Petrobras aprovou a convocação de assembleia de acionistas para votar a substituição na presidência da companhia.

Em nota distribuída após a assembleia, o conselho deu um recado contra tentativas de interferência do governo: afirmou que continuará a zelar com rigor pelos padrões de governança da Petrobras, "inclusive no que diz respeito às políticas de preços de produtos da companhia".

A forma atabalhoada com que Bolsonaro anunciou a mudança e as críticas à gestão da empresa e sua política de preços derrubaram o valor de mercado da companhia em R$ 102,5 bilhões em apenas dois dias.

Os efeitos se espalharam por outros indicadores da economia, em um sinal de que a intervenção foi um duro golpe na confiança do investidor estrangeiro e provocou novas dúvidas sobre o tamanho do poder que o ministro da Economia, Paulo Guedes ainda exerce sobre a política econômica do Brasil.

Esta semana a empresa estatal voltou a ser o centro da atenção do noticiário econômico(Vitor Jubini)

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