Publicado em 24 de fevereiro de 2021 às 14:59
- Atualizado há 4 anos
WASHINGTON - A intervenção do presidente Jair Bolsonaro no comando da Petrobras foi o golpe mais forte na confiança do investidor estrangeiro desde o início deste governo e provocou novas dúvidas sobre o tamanho do poder que o ministro Paulo Guedes (Economia) ainda exerce sobre a política econômica do Brasil.>
Os donos do dinheiros no exterior já estavam bastante cautelosos quanto a fazer aportes no Brasil, que tem perdido relevância global por causa da piora de seus indicadores econômicos e não possui grau de investimento há algum tempo. >
Assim, o impacto da interferência do presidente na estatal do petróleo causou temor de um efeito cascata em outras empresas públicas e deve ter reflexos a longo prazo no mercado externo.>
Muitos dos investidores nos EUA não acreditam que Guedes deixará o cargo em breve. Dizem que o ministro --que sempre afirmou ter sido rechaçado pelos intelectuais da economia-- agora se sente aceito no poder.>
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As perguntas que fazem, porém, são sobre a influência que ele terá como fiador de uma agenda liberal daqui para a frente, diante da postura intervencionista de Bolsonaro.>
No fim da semana passada, o presidente anunciou a troca no comando da Petrobras, com a indicação do general Joaquim Silva e Luna no lugar de Roberto Castello Branco, economista ligado a Guedes.>
A reação do mercado foi histórica, com reflexos negativos na Bolsa, câmbio, risco-país, juros futuros, e a revisão generalizada nas avaliações de bancos e agência de classificação de risco em relação às estatais do país --agora vistas com mais pessimismo.>
Sede da empresa Petrobras na Reta da Penha em Vitória
As ações da Petrobras caíram mais de 21,5% só na segunda-feira (22) e a companhia chegou a perder R$ 102,5 bilhões em valor de mercado desde sexta-feira (19), quando Bolsonaro anunciou a troca do comando na estatal.>
Em Nova York, as ADRs (certificados de ações negociados nos Estados Unidos) da Petrobras caíram 21% na segunda. Esses papéis, que geralmente estão na 34ª posição entre os mais negociados, ficaram em 5º lugar na data, movimentando US$ 1,64 bilhão, contra média diária de US$ 400 milhões.>
A reação negativa do mercado arrefeceu nesta terça-feira (23) após Bolsonaro aliviar o discurso intervencionista e o governo sinalizar, ao longo do dia, que iria destravar a processo de privatização da Eletrobras. Ainda assim, a petroleira acumulava perda de R$ 73,5 bilhões no Brasil. Em NY os papéis subiram 6,68% nesta terça.>
Investidores e analistas ouvidos pela reportagem afirmam que a interferência de Bolsonaro causou preocupação no mercado estrangeiro, que vê nas ações da Petrobras o principal termômetro da economia do Brasil, e pode ter afugentado os poucos investimentos que entravam no país.>
"A reação do mercado diz tudo sobre a reação de investidores. Sem dúvida, o que aconteceu não ajuda a convencer estrangeiros a voltar a investir no Brasil", diz Will Landers, chefe de renda variável para a América Latina do BTG Pactual.>
"Começou a entrar um pouco de dinheiro estrangeiro [no Brasil] em novembro. [Esse movimento] tinha continuado nos primeiros 45 dias do ano, mas Petrobras caindo 20% em um dia não ajuda ninguém.">
Desde o início do governo Bolsonaro, investidores estrangeiros têm esperado o que chamam de melhor momento para colocar dinheiro no país, mas isso ainda não aconteceu de maneira efetiva e em grande escala.>
"Os investidores estrangeiros já não estavam otimistas com o Brasil, estavam agindo com bastante cautela, e o país estava fora das principais escolhas dos gestores", afirma Victor Scalet, estrategista macro da XP Investimentos. "Então não dá para dizer que houve uma grande decepção entre os investidores.">
A pandemia e a crise econômica global pioraram o cenário para o Brasil como porta de entrada de dinheiro estrangeiro, mas a avaliação de especialistas é que trocar o comando da Petrobras desta maneira abalou a confiança de forma generalizada --para além do setor energético. Scalet diz que o impacto foi forte, mas com diferenças sobre cada tipo de investidor.>
"Para quem trabalha sobre empresas, bateu mais forte, e a principal dúvida é se vai haver um efeito cascata de interferência do governo em outras estatais.">
Já para os investidores que operam de olho na macroeconomia do país, explica, as dúvidas são no sentido de se vai haver uma reorientação na política econômica do país.>
O que mais incomodou os donos do dinheiro no exterior foi a postura de Bolsonaro, que ameaçou nas redes sociais esta e outras intervenções.>
Às vésperas das eleições de 2022, eles dizem, o presidente pode adotar novas atitudes intervencionistas ou populistas para tentar conter a alta da inflação e a queda de sua popularidade.>
Os investidores estão observando, principalmente, dois fatores a partir de agora: qual impacto das interferências na direção da empresa e na política de preço dos combustíveis e qual o papel que Guedes vai exercer nos próximos meses.>
O temor do mercado é justamente uma guinada intervencionista de Bolsonaro, nos moldes do governo Dilma Rousseff. A ex-presidente impediu o reajuste do preço dos combustíveis para tentar controlar a inflação e provocou perdas bilionárias para a Petrobras.>
Até os mais otimistas, que acreditavam que Bolsonaro seguiria o roteiro liberal de Guedes, mesmo com certos limites e apesar de seu histórico nacionalista, ficaram mais céticos nos últimos dias.>
Nesta terça (23), Guedes era o principal convidado de um evento virtual promovido pelo Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS). Ao lado do embaixador do Brasil em Washington, Nestor Forster, o ministro falaria a analistas e investidores americanos sobre a tentativa de entrada do Brasil na OCDE, apesar de as expectativas dos convidados terem se voltado para a Petrobras nos últimos dias.>
Trinta minutos antes do início, porém, Guedes avisou que havia tido um imprevisto e não compareceria ao evento. Ainda defasada, estatal sobe mais de 12% após tombo>
A Petrobras recuperou R$ 28,98 bilhões dos R$ 102,5 bilhões em valor de mercado perdidos com a interferência de Jair Bolsonaro (sem partido) na estatal. Nesta terça-feira (23), as ações preferenciais (mais negociadas) da Petrobras subiram 12,16%, para R$ 24,06, após caírem 21,51% na segunda (22). >
As ordinárias (com direito a voto) tiveram alta de 8,95%, para R$ 23,48. "As sinalizações são que essa é uma intervenção pontual, sem intervenções no conselho e na diretoria da empresa, até mesmo pelo respaldo estatutário da Petrobras, que não permite que essas ações sejam feitas", diz Henrique Esteter, analista da Guide Invetimentos. Com a alta, o valor de mercado da petroleira foi para R$ 309,53 bilhões. Na véspera, eram R$ 280,55 bilhões.>
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