Salário alto, imposto de renda alto; dividendo alto, imposto de renda zero. Para que a pessoa física pagasse menos imposto, não se fazia muito esforço: CLT se tornava PJ e sua remuneração habitual se transformava em distribuição de lucros. Num instante, não se falava mais em imposto de renda. Para completar, quando se investia, os resultados da “conta investimento” não se misturavam com a tributação da “conta corrente” do dia a dia. Uma coisa não conversava com a outra.
A fórmula era conhecida, mas a estrutura do Imposto de Renda da Pessoa Física ganhou um novo capítulo com a Lei federal 15.270/2025. Ao estabelecer a incidência do imposto de renda sobre dividendos, as rendas mais altas deixaram de ser vistas de forma compartimentada ou segundo sua denominação de origem.
A mudança é profunda para quem está na faixa de rendas altas. Antes, era comum tratar salários, pró-labore, aplicações financeiras e dividendos como caixas praticamente independentes, cada qual com seu regime tributário, alíquotas e particularidades. Mas a nova lei impõe outra lógica: a combinação das fontes de renda passa a determinar o nível efetivo de tributação, especialmente quando o contribuinte se aproxima dos gatilhos de retenção ou do piso de tributação anual (R$ 600 mil anuais).
O efeito prático é claro. Rendimentos financeiros que antes tinham impacto restrito ao próprio produto e eram tributados isoladamente, como os lucros de CDBs, fundos e ganho de capital em ações, por exemplo, agora podem empurrar o contribuinte para faixas globais de tributação mínima anual, mesmo quando cada parcela isolada (como a sua receita laboral ou outras receitas de capital) não alcançaria tal limite.
Imagine, por exemplo, um contribuinte que receba R$ 450 mil por ano em salários e, além disso, realize R$ 180 mil em ganhos de aplicações financeiras. Separadamente, nenhuma dessas fontes o colocaria na zona da tributação mínima anual. Mas, somadas, ultrapassam o limite de R$ 600 mil, o que basta para acionar o novo formato. É exatamente aí que se revela a lógica da lei: não é o tipo de renda que importa, mas seu conjunto.
É nesse ponto que o planejamento passa de opcional a necessidade. Para o contribuinte atento, o melhor é combinar fluxos de renda ao longo do ano, avaliar o melhor momento para realizar ganhos, escalonar distribuições e entender quais investimentos geram o aumento de sua tributação global anual. Em outras palavras, é bom saber como suas próprias fontes de renda conversam entre si.
No fundo, muito mais que isentar contribuintes de renda mais baixa, instituir a tributação de dividendos, ou mesmo aumentar a tributação para os de maior renda, a Lei 15.270/2025 explicita que a renda de alta complexidade (que mistura trabalho, capital, risco e acumulação) não cabe mais em caixas estanques.
Para quem está neste universo, mais que tributária, a discussão é estrutural. Significa reconhecer que o perfil de renda determina o perfil do imposto, e que o investidor sofisticado precisa de uma visão igualmente sofisticada sobre o impacto fiscal de suas decisões que possam resultar em qualquer tipo de ganho financeiro.
E se a legislação avança para integrar fluxos de renda antes tratados isoladamente, a pior estratégia seria ignorar essa convergência. A melhor é compreendê-la e utilizá-la em um planejamento que seja, ao mesmo tempo, técnico, responsável e aderente à lei.
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