O Espírito Santo vive um momento crucial de sua trajetória econômica. A reforma tributária, cuja implementação se aproxima, representa uma transformação estrutural do modelo federativo brasileiro e trará implicações profundas em relação à capacidade de arrecadação, à competitividade regional e às estratégias de desenvolvimento dos Estados.
Para o Espírito Santo, que consolidou seu crescimento nas últimas décadas com base em um modelo de incentivos fiscais, disciplina orçamentária e vocação exportadora, o desafio é grande: adaptar-se a um ambiente em que os subsídios perdem validade, a arrecadação migra para o destino do consumo e as transferências federais tendem a beneficiar unidades com maior população e menor renda per capita.
Com a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), unificando tributos estaduais e municipais, a arrecadação passará a ocorrer no estado consumidor e não mais no produtor. Essa mudança, que busca reduzir distorções e simplificar o sistema tributário, tende a favorecer as regiões mais populosas e com mercados internos robustos, como São Paulo e Minas Gerais.
Para o Espírito Santo, cuja população é de cerca de quatro milhões de habitantes e cujo dinamismo depende fortemente da exportação de bens e serviços, há um risco evidente de perda relativa de receitas. A transição dos atuais benefícios fiscais, com prazo de extinção previsto até o final da década, reforça a urgência de repensar o modelo de desenvolvimento capixaba.
O Estado também enfrenta uma limitação adicional: os critérios de repasse do Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR), criado para compensar eventuais perdas e financiar investimentos em competitividade, priorizam regiões com baixo IDH e alta vulnerabilidade social. O Espírito Santo, que figura entre os Estados mais equilibrados fiscalmente e com bons indicadores sociais, pode não ser contemplado de forma expressiva nesses repasses, apesar de também enfrentar desequilíbrios estruturais na distribuição territorial de renda e infraestrutura.
Essa realidade exige uma estratégia própria de fortalecimento econômico e de reposicionamento dentro do novo pacto federativo.
Apesar dos riscos, o Espírito Santo possui vantagens comparativas que poucos Estados reúnem. A primeira delas é a estabilidade fiscal. Ao longo de décadas, o Estado construiu uma reputação de gestão responsável das contas públicas, mantendo baixo endividamento, capacidade de investimento e destaque nos rankings de transparência fiscal. Essa base institucional sólida é um ativo estratégico, pois transmite confiança a investidores e garante maior autonomia de planejamento em um cenário de mudanças regulatórias.
Outra força é a infraestrutura logística. O Espírito Santo está entre os poucos Estados brasileiros com acesso a múltiplos portos modernos e integrados, como Vitória, Capuaba, Tubarão, Barra do Riacho e os futuros portos em Presidente Kennedy, Aracruz e São Mateus. Além disso, a ampliação da malha ferroviária, com a retomada de projetos como a EF 118 e a EF 354, e o investimento em rodovias estruturantes reforçam o potencial do Estado como polo logístico e industrial.
Essa condição permitirá ao Espírito Santo atuar como um dos principais corredores de exportação e importação do país, conectando o Centro-Oeste, o Sudeste e o Nordeste com o mercado global. Com a extinção dos incentivos fiscais, essa infraestrutura pode se tornar o novo motor de atração de investimentos produtivos.
A vocação para o comércio exterior é outro diferencial competitivo. O Espírito Santo tem uma das maiores proporções de exportações em relação ao PIB entre os Estados brasileiros, o que reflete sua inserção nas cadeias globais de valor. A proximidade com os principais centros consumidores e produtores do país, aliada à eficiência portuária e à agilidade aduaneira, posiciona o Estado como alternativa natural para empresas que buscam reduzir custos logísticos e ampliar a competitividade internacional. O ambiente empresarial enxuto, o diálogo institucional maduro e a cultura de governança pública são fatores adicionais que elevam o grau de previsibilidade e segurança para investidores.
No campo das oportunidades, a transição tributária pode ser vista também como um convite à reinvenção.
Setores como turismo, cooperativismo, economia verde e inovação tecnológica tendem a ganhar relevância na nova configuração econômica. O turismo capixaba, apoiado por um patrimônio natural diversificado e por investimentos em infraestrutura urbana e de transporte, tem potencial para se consolidar como vetor de geração de emprego e renda, especialmente no interior e no litoral norte e sul. Com políticas públicas integradas de qualificação profissional, promoção de destinos e incentivo à hotelaria sustentável, o setor pode ampliar sua contribuição para o PIB estadual.
O cooperativismo, por sua vez, representa talvez a mais importante oportunidade de interiorização do desenvolvimento econômico capixaba. As cooperativas de crédito, agroindústria e serviços têm se mostrado fundamentais para sustentar a atividade produtiva em municípios menores, ampliando o acesso ao financiamento e fortalecendo o empreendedorismo local. Em um cenário de transição tributária, essas organizações podem atuar como instrumentos de mitigação dos impactos econômicos, estimulando a inclusão financeira, a formalização e a criação de cadeias curtas de valor. O fortalecimento do cooperativismo é, portanto, uma estratégia econômica e social, alinhada à lógica da economia solidária e à manutenção da renda local.
Outra oportunidade está na gestão pública organizada e digitalizada. O Espírito Santo é reconhecido nacionalmente pela modernização de suas instituições, pelos avanços em transparência e pelo uso de ferramentas de gestão por resultados. Esses atributos serão determinantes para garantir eficiência administrativa na adaptação às novas regras tributárias, no monitoramento de receitas e na atração de investimentos privados. A capacidade de planejar e executar políticas públicas com base em evidências é uma vantagem competitiva relevante em um ambiente de escassez de recursos.
A economia verde e as energias renováveis também se destacam como caminhos de crescimento. Projetos em curso no Estado, especialmente na área de energia solar e eólica, podem gerar sinergias com a indústria de tecnologia e com a instalação de data centers, cuja operação sustentável demanda matriz limpa e eficiência hídrica. Essa convergência entre inovação, energia e sustentabilidade reforça o potencial do Espírito Santo para alinhar crescimento econômico com compromisso ambiental, o que o torna mais atraente para fundos de investimento e empresas que seguem padrões ESG.
Em síntese, o Espírito Santo reúne as condições necessárias para atravessar o processo da reforma tributária com equilíbrio e visão estratégica. Há riscos concretos, como a perda de arrecadação e a menor participação nos fundos compensatórios, mas também há ativos institucionais e econômicos que podem ser mobilizados em favor de um novo ciclo de desenvolvimento. O momento ainda é de incerteza, pois muitos aspectos da reforma dependem de regulamentação e da efetiva atuação dos fundos federais, mas os caminhos estão abertos. Com planejamento, cooperação e disciplina fiscal, o Espírito Santo pode transformar desafios em oportunidades e se afirmar como um estado competitivo, sustentável e preparado para o futuro. Precisamos seguir fortes para seguir em frente.
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