“Hoje é o dia mais feliz da minha vida. Espero por isto há 20 anos”. O desabafo de uma vítima durante a realização de um júri popular nesta quinta-feira (07) em Vitória resume o drama de quem aguarda há décadas por justiça. Só na Capital são cerca de 200 processos em situação semelhante. Casos que começaram a ser julgados nesta quinta-feira (07).
A situação se replica em outras cidades do Espírito Santo, como Serra, Cariacica, Vila Velha, com um tipo de pauta dupla de júris, em que são agendados julgamentos de réus presos, que têm prioridade, e de réus soltos, com juízes diferentes. Na Capital a alternativa foi realizar sessões todos os dias, mas com o mesmo juiz.
O objetivo, segundo o presidente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, Samuel Meira Brasil Júnior, é reduzir o número de processos antigos que aguardam um desfecho. Ele relata que a intenção, nos próximos meses, é ampliar o número de servidores e até de juízes que atuam nas Varas de Júri para evitar situações como a que foi relatada por Laís Maira de Souza da Mata.
Ela foi vítima de uma tentativa de homicídio aos 14 anos, em junho de 2005. Na ocasião, outras duas pessoas morreram. Duas décadas depois, ao prestar seu depoimento, fez o desabafo pela angústia da espera por justiça.
Entre as ações adotadas pelo Tribunal para reduzir o acúmulo de processo está a criação do Núcleo de Aceleração de Processos (NAPs). Ocupando espaços ao lado do gabinete da presidência, equipes analisam processos de várias comarcas e de variados crimes que estão há anos aguardando por decisões.
A expectativa é de que, com a diminuição dos processos, servidores e juízes possam ser direcionados para auxiliar as diversas varas de júris do Estado.
As dificuldades
Mas ainda que o Tribunal consiga apoio de equipes para auxiliar as varas criminais responsáveis pelos tribunais de júri, há um outro obstáculo a ser enfrentado. Para que os processos caminhem, é preciso a atuação de representantes do Ministério Público do Espírito Santo (MPES) e da Defensoria Pública do Espírito Santo.
Há dificuldades em conciliar as agendas, em função da escassez de promotores e com o adicional de que muitos deles atuam em mais de uma promotoria, em cidades distantes, o que acaba afetando a pauta das sessões de julgamento. E sem a presença deles, o júri não pode ser realizado.
Não é diferente com a Defensoria, que há anos relata o também escasso número de defensores para atuar nas cidades. Em diversas decisões judiciais é citado a nomeação de advogados para a defesa de réus por ausência de defensores na cidade.
A espera por justiça
E por trás de cada um dos processos antigos há histórias de vítimas como a Laís, que teve a vida mudada após o crime. “Ele destruiu nossos sonhos, nossa família”, relatou. Hoje, aos 34 anos, conta que ainda vive com sequelas dos tiros que a atingiram e que comprometem a sua mobilidade.
Dois vizinhos perderam a vida no mesmo dia. Uma mãe que deixou três filhos e o outro um pai que deixou esposa e filho. “Todos tivemos que sobreviver com perdas”.
Laís prestou seu depoimento por videoconferência. Traumatizada, ela se mudou para Portugal. Os outros familiares acompanharam os trabalhos presencialmente.
O crime aconteceu em Santo Antonio, Vitória. O pai de Laís chamou a atenção de Hector Silva de Freitas por andar na rua com o carro em alta velocidade, onde crianças brincavam. Após um tempo ele retornou e promoveu disparos contra a família.
Hector não negou o crime, mas em seu interrogatório informou que não se recordava dos fatos. E pediu desculpas às famílias. Ele foi condenado a uma pena de 50 anos e oito meses e já saiu do Tribunal preso. Seu advogado não foi localizado, mas o espaço segue aberto a sua manifestação.
O que dizem o MPES e a Defensoria
Por nota, o MP informou que apoia a iniciativa do TJES de adotar medidas para acelerar o julgamento de processos antigos, especialmente aqueles envolvendo réus soltos.
Acrescenta que essa atuação já vem ocorrendo em diversas comarcas do Estado. “Nas quais o MPES não tem medido esforços para estar presente e viabilizar a realização dos julgamentos, contribuindo para a redução do acervo processual e para a entrega da prestação jurisdicional”
Acrescenta que o Tribunal do Júri, no entanto, é resultado de atuação integrada e seu funcionamento eficiente requer planejamento e coordenação entre todos os atores envolvidos, para garantir que cada instituição possa se organizar e cumprir seu papel com qualidade e responsabilidade.
“O Ministério Público reafirma sua disposição de colaborar e não medirá esforços para contribuir para o êxito dessa iniciativa, destacando ainda que se prepara para aprimorar sua atuação, ampliando seu quadro de membros e servidores por meio de concurso público, já em fase de planejamento”, informa.
A Defensoria Pública do Espírito Santo, por nota, informa que tem atuado de forma proativa para acelerar o andamento dos processos em curso no Estado. “Embora ainda não tenha sido formalmente acionada para atuar em conjunto com o Tribunal de Justiça, a instituição busca colaborar por meio de sua força de trabalho”.
Destaca que a nomeação de novos defensores públicos será fundamental para ampliar a atuação da Defensoria, o que permitirá uma contribuição ainda mais efetiva no desafogamento do Judiciário e na garantia de acesso à Justiça para a população.
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