Foram anuladas pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) as condenações dos policiais militares e das mulheres — familiares — que foram responsabilizados pela greve da Polícia Militar. O fato ocorre quase seis anos após a sentença, que é de setembro de 2019.
Por unanimidade, os desembargadores da 1ª Câmara Criminal decidiram que não era da competência do Juízo da 4ª Vara Criminal de Vitória julgar os processos contra os 24 réus pelos crimes de atentado contra a segurança de serviço de utilidade pública; incitação à prática de crime e associação criminosa.
O argumento foi de que, segundo as mudanças trazidas pela Lei 13.491, de outubro de 2017, as condutas praticadas por eles configuram crime militar. Assim, devem ser analisadas e julgadas pela Justiça Militar e não pela chamada Justiça comum.
“Ante o exposto, acolho a preliminar de nulidade por incompetência e, consequentemente, declaro a nulidade de todos os atos praticados pela Justiça comum, devendo o feito retornar à Justiça Militar, onde será processado e julgado”, é dito em um voto publicado no mês de julho.
Destino do processo
À coluna foi informado que alguns dos crimes dos quais os réus foram acusados na Justiça comum podem estar prescritos. Mas esta avaliação terá que ser feita pelo Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES), por meio da Promotoria de Justiça ligada à Vara da Auditoria Militar.
Outro ponto é de que será necessário fazer uma checagem, considerando que alguns dos que foram condenados na Justiça comum também já foram sentenciados pela Justiça Militar.
Não há informações sobre o destino do processo referente às mulheres — uma delas morreu —, considerando que são civis.
Por nota, o MP informou que ainda não recebeu as ações e que quando isto ocorrer, adotará as providências necessárias. “O MPES mantém seu compromisso de defesa irrestrita da sociedade”.
Os condenados
Após receber a denúncia do MP, a Juízo da 4ª Vara Criminal de Vitória distribuiu os acusados em dois núcleos, cada um deles com uma ação penal:
- Núcleo dos familiares - foram denunciadas 14 mulheres. Três delas foram condenadas — uma morreu logo depois — e outras 11 foram absolvidas das acusações
- Núcleo dos militares - dez foram denunciados. Deste total, seis foram condenados e quatro absolvidos
Justiça comum disse ter competência para julgar
Uma longa parte da sentença que condenou os réus, trata da competência para julgar as ações pelo Juízo da 4ª Vara Criminal de Vitória. Um dos pontos destacados é o de que os fatos narrados na denúncia apresentada pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES), informa que os grupos atentaram não só contra a ordem administrativa militar. “Que, se isolada, atrairia a competência da justiça castrense (militar)”.
Assinala que as ações deles afetaram a coletividade e a paz pública, temas não contemplados na nova legislação militar (Lei nº 13.491/17). “Ou seja, tendo atentado contra a coletividade, em certo grau, também atentaram contra a ordem administrativa disciplinar, mas a ela não se limitou”.
E destaca o princípio da igualdade, presente na constituição, assinalando que toda norma que vise ampliar a competência da Justiça Militar deve ser interpretada de forma restritiva.
“A regra é que todo cidadão, militar ou não, responda por seus atos perante a Justiça comum, salvo aquelas exceções devidamente previstas em lei com razoabilidade”, foi dito.
Logo após a sentença na Justiça comum ocorreu a pandemia de covid 19. Segundo andamento processual do TJ, as ações chegaram à 1ª Câmara Criminal no final de 2020, e no transcurso houve morte de réu e trocas de advogados.
A greve
A paralisação deixou um rastro de cerca de 220 mortes, causadas por balas perdidas, confrontos com a polícia e latrocínio — roubo seguido de morte. O dado é apontado como um dos maiores registros de homicídios ocorridos em um mês no Estado.
O MP denunciou 24 réus como responsáveis pela organização da greve, que se iniciou em 3 de fevereiro de 2017, quando um grupo de mulheres, esposas de policiais militares, bloquearam os acessos à 2ª Companhia Independente do 6º Batalhão da PM, em Feu Rosa, na Serra, impedindo a saída das viaturas.
No dia seguinte o movimento se espalhou por quase todas as unidades da PM e o Estado passou a viver dias de caos. Sem policiamento nas ruas, o massacre teve início. No sábado (4) oito pessoas foram assassinadas. Mas a segunda-feira (6), foi o dia mais sangrento, com 41 mortes.
Com o passar dos dias, corpos se empilharam no Departamento Médico Legal (DML) de Vitória, e nos cemitérios os enterros eram sucessivos. Além dos assassinatos, uma onda de arrombamentos, saques e assaltos também se espalhou na Grande Vitória e no interior do Estado.
Para tentar manter a presença nas ruas, o governo estadual pediu ajuda do Exército e da Força Nacional. A chamada “Operação Capixaba” começou no dia 6 de fevereiro. Ao todo, 3.169 homens das Forças Armadas, sendo 2.637 do Exército, 382 da Marinha e 150 da Força Aérea, além de 287 militares da Força Nacional patrulharam esquinas, rodovias e coletivos.
Em meio ao conflito, o governo estadual mudou o comandante da corporação, que passou para as mãos do coronel Nylton Rrdrigues.
Segundo o MP, durante 22 dias foram cometidos os crimes dispostos de atentado contra a segurança de serviço de utilidade pública, incitação à prática de crime e associação criminosa.
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