Publicado em 29 de junho de 2023 às 08:29
SÃO PAULO - O teor e a gravidade das condutas de Jair Bolsonaro (PL), além da inclusão de provas no processo, estão entre as controvérsias que serão analisadas pelos ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) nesta quinta-feira (29), no terceiro dia do julgamento que pode deixar o ex-presidente inelegível por oito anos.>
O elemento principal da ação, que foi apresentada pelo PDT, é a reunião realizada por Bolsonaro em julho de 2022 com dezenas de embaixadores. Na ocasião, a menos de três meses do primeiro turno, o então presidente repetiu mentiras sobre o processo eleitoral e buscou desacreditar ministros do TSE.>
Entre as perguntas a serem julgadas pelos ministros estão se o ex-presidente disseminou desinformação sobre o processo eleitoral no encontro e se a reunião teve finalidade eleitoral. A defesa sustenta que o evento foi um ato de governo e parte de "diálogo institucional público".>
Dos sete ministros, o relator da ação, Benedito Gonçalves, foi o único que já se manifestou, defendendo a inelegibilidade de Bolsonaro ao votar na última terça-feira (27)>
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De acordo com a atual legislação, caso condenado, o ex-presidente estará apto a se candidatar novamente em 2030, aos 75 anos, ficando afastado portanto de três eleições até lá (sendo uma delas a nacional de 2026).>
O julgamento analisa uma Aije (ação de investigação judicial eleitoral), instrumento que tem como objetivo apurar condutas que possam afetar a igualdade de disputa na eleição, como abuso de autoridade ou uso indevido dos meios de comunicação social em benefício de um candidato.>
Além de ter sido transmitido pela TV Brasil, o evento realizado no Palácio da Alvorada foi divulgado pelas redes sociais de Bolsonaro. Na ocasião, a Secretaria de Comunicação do governo barrou a imprensa, permitindo apenas a participação dos veículos que se comprometessem a transmitir o evento ao vivo.>
"Se ele tivesse usando todo aquele aparato [estatal] para divulgar, por exemplo, uma ação do governo dele, uma política pública, não haveria nenhum abuso", diz Anna Paula Mendes, professora de direito eleitoral do IDP e coordenadora acadêmica da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político).>
Caso concordem que o encontro teve finalidade eleitoral e que Bolsonaro disseminou informações falsas e distorcidas, os ministros devem se manifestar quanto à gravidade da conduta, elemento necessário para condenação pelos ilícitos eleitorais dos quais Bolsonaro está sendo acusado.>
Segundo Anna Paula, a questão da gravidade será um ponto central do julgamento, com possibilidade de discussão sobre se fica configurada a gravidade de Bolsonaro tanto de vista da reprovabilidade da conduta (qualitativo) quanto de seu alcance (quantitativo).>
Isso porque, caso entendam, por exemplo, que o aspecto quantitativo não está comprovado, eles podem ter entendimentos diferentes sobre a possibilidade de condenação.>
Nesta quinta, votarão os ministros do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Raul Araújo, Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares e, por fim, os membros do STF (Supremo Tribunal Federal) Cármen Lúcia, Kassio Nunes Marques e Alexandre de Moraes.>
Para a advogada Juliana Freitas, membro-fundadora da Abradep, o tom adotado no voto do relator, de proteção do TSE e fortalecimento das instituições, coloca os ministros que não queiram acompanhá-lo em uma situação delicada, tendo em vista o trabalho do tribunal de enfrentamento à desinformação.>
Antes de analisar a reunião em si, o cenário mais provável é que os ministros se pronunciem sobre questões processuais levantadas pela defesa em seus votos, como a inclusão da minuta golpista de decreto de estado de defesa no processo.>
O argumento é o de que o documento, que foi encontrado em janeiro na casa de Anderson Torres, ex-ministro de Bolsonaro, teria ampliado o objeto inicial da ação, que foi apresentada em agosto do ano passado com foco na reunião com embaixadores.>
Em seu voto, Benedito considerou que, porque já houve decisão do plenário do TSE a respeito deste ponto ao longo da tramitação, ele não poderia nem sequer ser novamente decidido neste momento. É possível que algum dos ministros divirja do relator, voltando a analisar a questão.>
O relator refutou ainda o argumento de que a inclusão dessa prova estaria em contradição com precedente da corte no julgamento da chapa Dilma-Temer em 2017.>
O advogado especialista em direito eleitoral Alberto Rollo aponta que três dos ministros do TSE— Azevedo Marques, Ramos Tavares e Kassio Nunes Marques — não participaram da decisão sobre a minuta no processo e, por conta disso, avalia que eles podem fazer algum tipo de ressalva.>
Além da questão sobre a manutenção ou não da minuta, outro aspecto a ser observado é como ela será empregada na argumentação dos ministros. No voto do relator, ela é apontada como um exemplo de desdobramento do discurso contra o sistema eleitoral.>
Em caso de condenação, a inclusão da minuta deve ser usada pela defesa em recurso ao STF.>
Para Acácio Miranda, especialista em direito eleitoral e doutor em direito constitucional, é pouco provável a tese de cerceamento de defesa seja aceita, porque só a reunião em si seria uma prova suficiente para gerar a inelegibilidade.>
Também deve ser analisado pelos ministros o questionamento da defesa quanto às provas incluídas de ofício (sem pedido das partes) pelo relator, como transcrições de lives e entrevista do ex-presidente à rádio Jovem Pan em 2021. Neste caso, não há decisão anterior do plenário do TSE.>
Em seu voto, Benedito reafirmou que as diligências complementares determinadas por ele "são expressamente previstas no procedimento da Aije e foram criteriosamente fundamentadas". Para os advogados de defesa, a atuação ultrapassou o que é permitido na lei eleitoral e estaria sendo empregada para "suprir atuação deficiente" do autor da ação.>
Já a determinação de Benedito, em seu voto, de que a decisão seja encaminhada para outras esferas da Justiça, como a inquéritos em curso no STF, não deve gerar divergências.>
Para Juliana Freitas o importante é que essa transmissão seja feita respeitando o direito à ampla defesa. "Não se pode presumir que, porque houve uma condenação em uma determinada instância e em determinado processo, que outras condenações necessariamente acontecerão", diz.>
CONDUTAS ILÍCITAS>
A Aije (ação de investigação judicial eleitoral) pretende apurar condutas que possam afetar a igualdade de disputa na eleição. Os ministros terão que analisar se a partir da realização da reunião com embaixadores e de sua divulgação ficou configurado abuso de autoridade e uso indevido dos meios de comunicação social em benefício de um candidato>
FINALIDADE ELEITORAL E ABUSO DE PODER>
Os ministros deverão decidir se o evento com embaixadores, que teve uso de aparato estatal e transmissão pela TV Brasil, teve finalidade eleitoral. Ao apresentar a ação, o PDT argumentou haver desvio de finalidade na reunião, que deveria ser ato de governo, dado que o ataque à Justiça Eleitoral e ao sistema eletrônico de votação seriam parte da estratégia de campanha eleitoral de Bolsonaro. A defesa sustenta que sua atuação ali seria como chefe de Estado e que o público-alvo do evento não era composto por eleitores, mas pessoas sem cidadania brasileira>
DESINFORMAÇÃO>
Deverá também ser alvo de análise pelos ministros se o teor do discurso de Bolsonaro era desinformativo com fatos sabidamente falsos ou gravemente descontextualizados sobre o processo eleitoral. Em linhas gerais, segundo precedente do TSE, a disseminação de desinformação por redes sociais pode caracterizar uso indevido de meios de comunicação social. A defesa de Bolsonaro alega que o então presidente estaria promovendo diálogo institucional com objetivo de "contrapor ideias e dissipar dúvidas sobre a transparência do processo eleitoral">
GRAVIDADE>
Um dos elementos necessários para a condenação pelos ilícitos eleitorais dos quais Bolsonaro está sendo acusado é a gravidade. Existem dois aspectos de gravidade que podem ser considerados: o qualitativo, que se refere a reprovabilidade da conduta, e o quantitativo, que trata do alcance e repercussão da conduta sobre a eleição>
MINUTA GOLPISTA>
A controvérsia sobre a inclusão da minuta de decreto de estado de defesa entre as provas está na divergência quanto a se ela estaria ampliando o objeto da ação apresentada pelo PDT em agosto. O relator da ação, em seu voto, disse que a inclusão da prova não contrariou orientação traçada pela corte em 2017, no julgamento da chapa Dilma Temer, como alega a defesa>
PROVAS ADICIONADAS PELO RELATOR>
A defesa de Bolsonaro considera que a atuação do relator ultrapassou os limites do que prevê a legislação eleitoral ao determinar de ofício (sem pedido das partes) a inclusão de uma série de provas na ação, como lives de 2021 e documentos de outras investigações. Os ministros deverão avaliar se as medidas foram tomadas dentro dos limites do que prevê a lei, que dá poderes mais amplos ao juiz, possibilitando atuação mais proativa>
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