Publicado em 22 de julho de 2020 às 11:42
O governo Jair Bolsonaro (sem partido) zerou a alíquota de importação do medicamento conhecido pelo nome comercial de Zolgensma. O presidente comemorou a decisão em suas redes sociais na segunda-feira (13). >
Utilizado no tratamento de crianças com atrofia muscular espinhal (AME), o remédio é tido como o mais caro do mundo -atualmente, custa cerca de R$ 12 milhões (dose única, valor levantado pelo próprio governo federal).>
No entanto, ele ainda não foi registrado na Anvisa, procedimento necessário para assegurar que o medicamento está de acordo com a legislação sanitária e para minimizar eventuais riscos à saúde.>
Ex-diretores da Anvisa e ex-membros do Ministério da Saúde disseram à Folha de S.Paulo que não se lembram de outra ocasião em que o Executivo tenha zerado a alíquota de importação de um medicamento que não tivesse passado antes pelo controle da Anvisa, o que é visto como a criação de um precedente negativo.>
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Em primeiro lugar, por ignorar uma etapa do controle de segurança dos medicamentos, esvaziando a competência técnica e facilitando a exposição a risco. Em dezembro de 2019, por exemplo, um parecer técnico do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) afirmou que ainda há "grande incerteza sobre os efeitos" do Zolgensma no tratamento de AME.>
Em segundo lugar, por dar uma chancela do governo brasileiro a um medicamento de altíssimo custo, facilitando judicializações que podem ter impacto enorme no orçamento do Sistema Único de Saúde.>
Ao zerar a alíquota, argumentam, o governo brasileiro deu seu reconhecimento de que se trata de uma terapia válida. Essa decisão fortalece o argumento dos interessados no medicamento ao ingressarem na Justiça e exigirem a compra pelo sistema público de saúde. Dado que uma única dose do remédio custa cerca de R$ 12 milhões, qualquer determinação judicial de compra do Zolgensma atualmente terá consequências orçamentárias significativas, ponderam.>
"É muito importante seguir o arcabouço de pesquisa institucional que foi construído com tanto cuidado e também preservar o interesse coletivo, o bem comum. Mas existe essa tensão entre a necessidade individual e o bem comum", afirma a professora Hillegonda Maria Novaes, da Faculdade de Medicina da USP.>
Ele afirma que foi criado um precedente que é "péssimo". "Até o momento, medicamentos que não foram registrados na Anvisa não têm sido fornecidos [na Justiça], só em casos excepcionais, tratados como anomalias que não devem acontecer", completa.>
Para Diovana Loriato, diretora nacional do Instituto Nacional de Atrofia Muscular Espinhal (Iname), a medida do governo ajuda, mas ainda é um primeiro passo.>
"Além do custo da medicação, tinha o imposto da importação, de cerca de 4%, e tem também o ICMS, que gira em torno de 18% do valor da medicação. A medida é importante, passo positivo, mas a gente precisa que os governadores tenham a mesma sensibilidade do governo federal para que as famílias não tenham esse pesado custo", argumenta.>
Ela diz que mais de 20 famílias no Brasil têm feito campanhas nas redes sociais para conseguir arrecadar os valores necessários para importar o Zolgensma.>
"É um primeiro passo de uma longa jornada, com alíquota zerada, ICMS zerado, incorporação no SUS e inclusão do medicamento no rol da OMS para que seja de fornecimento obrigatório pelos planos de saúde", continua.>
Sobre a decisão da zerar o imposto ter precedido o registro na Anvisa, Diovana não vê problemas de segurança.>
"O registro possibilita que o medicamento possa passar a ser comercializado no Brasil. Estamos falando de um medicamento aprovado pelo FDA (Food and Drug Administration, agência de fármacos e alimentos dos EUA), pelo EMA (órgão europeu) e também no Japão. É uma medicação segura. A aprovação na Anvisa vai acontecer nos próximos dias. Não tem qualquer tipo de problema esse imposto ter sido zerado um pouco antes da aprovação, que vai sair e já aconteceu nas agências mais sérias do mundo", diz.>
O Zolgensma foi registrado pelo FDA em 2019, decisão que foi sucedida por denúncias e investigação por manipulação de dados. A agência chegou a falar em responsabilizar cível e criminalmente a Novartis, laboratório que desenvolve o medicamento. No entanto, o FDA afirmou em maio de 2020 que o medicamento é seguro para uso e não puniu a empresa.>
Em nota, a Anvisa diz que o processo de registro do Zolgensma foi peticionado em 13 de janeiro de 2020. Após análise inicial, a agência pediu à Novartis alguns "dados necessários para comprovar a eficácia e segurança da medicação". A empresa, então, enviou o que foi requisitado em 26 de junho e a Anvisa avalia a possibilidade de registro.>
Sobre o processo no FDA, a Anvisa diz que acompanhou todo o processo e que "dados finais mostraram que a manipulação não impactou na qualidade, segurança e eficácia do produto".>
O Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (Camex), órgão interministerial responsável pela resolução de zerar a alíquota de importação, diz que o Ministério da Saúde foi consultado e não apresentou objeções.>
"Segundo informou o Ministério da Saúde, trata-se de terapia experimental e a importação é permitida, sob conta e risco dos interessados.">
Sobre a ausência de registro na Anvisa, disse que ele é sujeito a prazos e regulamentos próprios e "não tem correlação com o imposto de importação".>
"A partir do estudo sobre a classificação fiscal, confirmada a não produção e não havendo óbice do Ministério da Saúde, o governo brasileiro conferiu tratamento similar ao que é concedido aos demais produtos de saúde na mesma situação", completou.>
A decisão foi motivada, afirmam, pelo pleito oficial de uma família que tem uma criança que sofre de AME.>
O Ministério da Saúde diz que o fim da alíquota não interfere nos valores pagos nas aquisições feitas pela pasta, "uma vez que é isenta". "Logo, não haverá impacto em eventuais processos judiciais nos quais a União seja parte.">
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