Publicado em 7 de novembro de 2022 às 17:06
Igor Gielow>
SÃO PAULO - Um espectro ronda a escolha do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva para o cargo de comandante do Exército, um dos mais sensíveis após quase quatro anos de simbiose deletéria entre o capitão reformado Jair Bolsonaro e os fardados.>
Trata-se do tuíte publicado pelo general Eduardo Villas Bôas em 3 de abril de 2018, na véspera do julgamento de um habeas corpus ao petista pelo Supremo Tribunal Militar, no qual o então chefe da Força intimidava a corte ao repudiar o que chamava de impunidade.>
O episódio é um marco da relação entre os poderes civil e militar desde a redemocratização de 1985. O próprio Villas Bôas viria a dizer depois, em um livro, ter agido no limite da responsabilidade.>
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Ele nega ter ameaçado a corte que, segundo ministros, iria de qualquer modo negar o habeas corpus ao petista, abrindo caminho para os 580 dias que ele passou preso na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba por condenação na Operação Lava Jato. Mas o episódio deixou marcas indeléveis.>
As tentativas do petista de estabelecer pontes com os fardados, desde que recuperou seus direitos políticos, não prosperaram. Mas as críticas que se ouvem entre generais, almirantes e brigadeiros a Lula nunca ecoaram fora de quartéis.>
Agora Lula terá de optar por um novo comandante, e tudo o que quer é previsibilidade e normalidade na relação com os fardados —que não deverá ser calorosa, apesar do passado em que promoveu grandes programas de reequipamento das Forças em seus governos.>
Isso colocaria o mais antigo general de quatro estrelas, o chefe do Departamento de Engenharia e Construção Júlio Cesar de Arruda, como o favorito para o posto. Ninguém na Força discute antiguidade, mas ela não é um critério mandatório: o presidente pode escolher qualquer um do topo da hierarquia, da ativa ou da reserva, para o cargo.>
Aqui entra o fator Villas Bôas. Em 2015, a presidente Dilma Rousseff (PT) o escolheu por considerá-lo o mais político e articulado dos três mais antigos do Exército: ele era o terceiro na fila.>
Como o próprio general descreveu em seu livro-depoimento no ano passado, "estabeleci como meta que o Exército voltasse a ser ouvido com naturalidade", contra o "patrulhamento que agia toda vez que um militar se pronunciava, rotulando de imediato como quebra de hierarquia ou ameaça de golpe".>
Deu no que deu. Após o tuíte, como Villas Bôas conta, houve uma adesão progressiva do estamento fardado à candidatura de Bolsonaro, mais por antipetismo do que por admiração. Ao contrário, o então deputado era visto como um medíocre a ser manipulado, e a segunda parte do plano não deu certo, como a crise em que ele demitiu ministro da Defesa e comandantes militares em 2021 provou.>
Neste 2021, o Villas Bôas da vez se chama Tomás Miguel Miné Ribeiro, chefe do Comando Militar do Sudeste, que compreende o Estado de São Paulo, desde o ano passado. Ele é visto pelo entorno de Lula como o nome mais habilitado a ocupar o topo da hierarquia do Exército.>
Discreto, sempre teve interlocução com políticos de diversas colorações. Foi ajudante de ordens do tucano Fernando Henrique Cardoso, mas também era o chefe de gabinete de Villas Bôas responsável pela redação do famigerado tuíte — naturalmente, naquela ocasião ele cumpria ordens, tanto que o texto passou pelo Alto-Comando da Força, composto hoje por 16 generais de quatro estrelas.>
Assim, sua grande vantagem competitiva é lembrada, por petistas e outros aliados de Lula, com um certo receio.>
Tomás, como é chamado no Exército, é o segundo da fila da antiguidade. Está ao lado de Valério Stumpf, hoje o número 2 da Força, considerado carta fora do baralho para o comando por ser próximo do bolsonarismo.>
Stumpf, que como quatro estrelas foi chefe da Secretaria de Finanças, do poderoso Comando Militar do Sul e, desde maio, do Estado–Maior da Força, antes trabalhou como secretário-executivo do Gabinete de Segurança Institucional sob os generais da reserva Sérgio Etchegoyen (governo Michel Temer, MDB) e Augusto Heleno (gestão Bolsonaro).>
Etchegoyen, ao lado de Villas Bôas, é visto como um dos teóricos da volta ao protagonismo político dos militares, fazendo a transição para a gestão Bolsonaro.>
Na sequência da antiguidade vem o general Estevam Teophilo, comandante de Operações Terrestres. Ele também é descartado a priori pelo entorno de Lula: é um dos mais aguerridos bolsonaristas do Alto-Comando da Força, além de irmão de um ex-secretário nacional de Segurança do atual governo, general da reserva Guilherme Teophilo.>
Se Tomás for abatido pelo fantasma do antigo chefe Villas Bôas, os olhos se voltam para Arruda, que é da arma de Engenharia --tradicionalmente, celeiro de oficiais-generais mais cinzentos politicamente. Respeitado e com perfil discreto, ele comandou a Academia Militar das Agulhas Negras. Ele e os três outros generais na fila vão à reserva de março a novembro do ano que vem.>
Há outros nós a serem desatados. No petismo, ninguém engoliu a participação ativa do ministro da Defesa, o ex-comandante do Exército Paulo Sérgio Nogueira, na tentativa de Bolsonaro de criar confusão eleitoral ao promover um relatório sobre confiabilidade de urnas eletrônicas que nunca veio à luz.>
Lula já decidiu que, após quatro ministros que eram generais de quatro estrelas da reserva, a Defesa voltará a ser comandada por um civil, como era previsto no plano original da pasta.>
Contra o ex-ocupante da pasta Jaques Wagner (PT-BA) pesa o fato de ele ser malvisto pelo Alto-Comando. Outro ex-ministro da era petista, Celso Amorim, tem interlocução, mas não é perdoado pela condução da Comissão da Verdade que apontou crimes dos militares na ditadura, mas não apurou os da luta armada.>
A batata quente pode assim cair no colo do vice eleito, Geraldo Alckmin (PSB), bem-visto como um nome moderado. Seria uma repetição do que Lula fez com José Alencar de 2004 a 2006, impondo o respeito da votação recebida na chapa --restando saber se o ex-governador paulista evitaria a péssima gestão do então vice do petista.>
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