A decisão de Donald Trump de impor tarifas de 50% aos produtos brasileiros, anunciada em carta direta ao presidente Lula, representa um marco na reconfiguração das relações internacionais contemporâneas. Justificada pelo presidente americano como resposta aos "ataques insidiosos do Brasil às eleições livres" e à "relação comercial muito injusta", a medida esconde camadas mais profundas dessa tensão geopolítica.
Paradoxalmente, os Estados Unidos mantêm superávit comercial de US$ 7,4 bilhões com o Brasil, contradizendo a narrativa trumpiana de "déficits insustentáveis". Essa distorção factual revela que as tarifas transcendem questões econômicas, configurando-se como instrumento de clara pressão política diante da ascensão dos Brics como alternativa à ordem ocidental.
O timing da medida não é casual: coincide com a cúpula do Brics no Rio de Janeiro, onde o bloco expandido - representando 40% do PIB global e metade da população mundial - consolidou sua posição crítica ao unilateralismo comercial. A ameaça adicional de Trump de taxar em 10% países que se "alinhem às políticas antiamericanas" do Brics evidencia a instrumentalização do comércio como ferramenta geopolítica.
O Brasil se encontra em posição delicada. Como segundo maior parceiro comercial dos EUA e país que recebeu 36% das exportações brasileiras dos países Brics em 2024, Brasília precisa calibrar sua resposta entre o pragmatismo econômico e a defesa da soberania política.
A aprovação pelo Senado da Lei de Reciprocidade Econômica, que autoriza retaliações contra barreiras injustas, sinaliza que o governo brasileiro não aceitará passivamente as pressões externas. Contudo, a convocação de reunião emergencial no Planalto e as declarações cautelosas de Alckmin sobre a "injustiça" das tarifas demonstram a busca por soluções negociadas que evitem escalada.
Setores estratégicos como siderurgia (US$ 3,57 bilhões exportados aos EUA) e aeronáutica enfrentam cenário crítico, com a Embraer especialmente vulnerável dada sua dependência do mercado americano. A expectativa de redução do PIB e aumento do desemprego já se materializa na volatilidade dos mercados, com o Ibovespa registrando quedas significativas.
Paradoxalmente, a guerra comercial pode acelerar tendências já em curso, especialmente quanto à redução gradual do uso do dólar nas transações internacionais e ao fortalecimento de arranjos monetários alternativos entre países do Sul Global.
A menção explícita de Trump ao ex-presidente Bolsonaro e às decisões do Supremo Tribunal Federal introduz elemento inédito nas relações bilaterais, com a tentativa de subordinar a soberania judicial brasileira aos interesses estratégicos americanos. A resposta firme do governo brasileiro, afirmando que "o processo judicial é de competência apenas da Justiça Brasileira e não está sujeito a ingerência externa", estabelece marco importante na defesa institucional.
O "tarifaço" de Trump força o Brasil a acelerar sua estratégia de diversificação econômica e aprofundamento das parcerias Sul-Sul. O protagonismo brasileiro na presidência dos Brics e a articulação da cúpula climática COP30 em Belém posicionam o país como liderança natural do multilateralismo emergente.
A crise atual, embora desafiadora no curto prazo, pode catalisar a consolidação de uma ordem internacional mais equilibrada, onde potências médias como o Brasil assumam papel central na construção de alternativas ao unilateralismo das superpotências.
O xadrez geopolítico global está sendo redesenhado, e o Brasil não pode mais se contentar com posições ambíguas. A resposta às tarifas trumpianas definirá se o país consolidará sua autonomia estratégica ou retrocederá à condição de ator coadjuvante no cenário internacional.
Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.