Repórter / nvieira@redegazeta.com.br
Publicado em 13 de julho de 2025 às 09:17
Apostar na boa-fé alheia para não perder a venda tem sido a estratégia de muitos vendedores ambulantes, que ofertam seus produtos em meio ao vai e vem de veículos no trânsito da Grande Vitória. A estratégia não convencional vem ganhando espaço entre trabalhadores informais, e a modalidade foi batizada de "Pix da confiança", em que o cliente leva o produto antes de pagar. O gesto desafia as regras tradicionais do comércio e depende da honestidade do próximo. A tática inusitada levanta o questionamento: é possível confiar nas pessoas?
Larissia Nobre, de 30 anos, respondeu a essa pergunta. Ela começou a vender pipoca gourmet em 2017, junto duas amigas, visando juntar dinheiro para viajar. A receita especial era da mãe e o grupo começou oferecendo os produtos de loja em loja, em bairros de Vitória. Como o esforço rendia pouco, a mãe dela sugeriu a venda dos produtos no acesso à Terceira Ponte em Vitória.
Larissia Nobre
Vendedora de 30 anosA experiência no pedágio deu tão certo que passou a ser o novo ponto fixo do trio. Com o tempo a sociedade entre as amigas chegou ao fim, mas Larissia decidiu seguir com o empreendimento. Ela firmou parceria com a mãe e criou a marca “Delícias da Vânia”, mantendo o ponto de venda na ponte. “Era muito mais prático do que andar pelas lojas. E o movimento era ótimo. Eu levava cerca de 50 pipocas por dia, de segunda a sexta-feira, e vendia tudo”, contou.
O bom momento durou até o fim da cobrança presencial nas cabines de pedágio. Sem o grande número de carros parados, as vendas diminuíram. Foi nesse momento que Larissia resolveu experimentar algo novo e arriscado.
Larissia Nobre
Vendedora de 30 anosAssim nasceu na rotina de Larissia o Pix da confiança. Desde então, ela coleciona boas histórias. Uma cliente fiel chegou a ficar um mês sem pagar devido a uma troca de celular, mas fez questão de procurá-la para quitar a dívida e ainda pagou um valor a mais.
Larissia Nobre
Vendedora de 30 anosApesar de deixar de receber alguns pagamentos, a empreendedora afirma que o saldo é positivo e as pessoas devem ter consciência, pois é o caráter delas que está em jogo. “ Mesmo que eu leve um golpe ou outro, eu continuo confiando. Isso de mim não pode sair. Eu acredito nas pessoas”, finalizou.
Para Larissia, o Pix da confiança surgiu como alternativa após uma queda nas vendas. Já para Jonhson Apolinário, de 40 anos, o modelo de pagamento foi o pontapé para o novo empreendimento. Ele começou a vender biscoitos no Centro de Vitória diante da proposta de um amigo, que não se sentia à vontade para ir às ruas, mas acreditava no potencial da ideia. Ele topou e os dois, em sociedade, prepararam os kits, criaram um panfleto com QR Code para pagamento e foram testar. Apesar de ter começado o projeto em parceria, hoje ele comanda o negócio sozinho.
Há cerca de três meses em funcionamento, a empresa está em expansão e Jonhson começou a contratar pessoas para auxiliá-lo na venda dos biscoitos em pontos diferentes da cidade, sempre com o mesmo princípio: o produto é entregue ao cliente e o pagamento é feito depois.
Jonhson Apolinário
Vendedor de 40 anosJonhson reconhece que algumas pessoas podem não pagar de forma intencional, mas afirma que prefere não se apegar a isso. Por convicção cristã, decidiu seguir apostando na confiança e no perdão. Para ele, a experiência tem mostrado que a maioria das pessoas retribui de forma honesta e, em muitos casos, até além do esperado. Alguns clientes voltam dias depois para pagar, outros transferem valores acima do preço do produto, e há quem envie mensagens apenas para elogiar a iniciativa. “Às vezes, tudo o que a pessoa precisa é de um voto de confiança”, resume.
Jonhson Apolinário
Vendedor de 40 anosA prática do Pix da confiança parece inovadora, mas na avaliação de Adriana Rocha, gerente da Unidade de Relacionamento do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae/ES), a modalidade resgata formas antigas de se fazer negócio. A proximidade com o cliente, a palavra como garantia e a troca baseada na confiança lembram os tempos em que o comércio local dependia mais da relação pessoal do que de sistemas automatizados.
Adriana Rocha
Gerente da Unidade de Relacionamento do Sebrae/ESEmbora o novo método de pagamento se apoie em relações humanas e gere conexões positivas entre vendedores e clientes, a especialista alerta que confiar não significa renunciar ao planejamento. A confiança pode ser um valor central do negócio, mas precisa estar acompanhada de organização e critérios claros para garantir a sustentabilidade do negócio.
“Mesmo em modelos inovadores de venda, é crucial implementar medidas para diminuir o risco de não pagamento e assegurar a estabilidade da empresa. Manter registros organizados, estabelecer critérios claros e conhecer bem os clientes são passos importantes para equilibrar afeto e responsabilidade”, finaliza Adriana.
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