Josilene Angela Féo descobriu o câncer de mama através da mamografia. Atualmente ela está em hormonioterapia durante cinco anos, tempo necessário para reduzir as chances de recidiva
Josilene Angela Féo descobriu o câncer de mama através da mamografia. Atualmente ela está em hormonioterapia durante cinco anos, tempo necessário para reduzir as chances de recidiva. Crédito: Carlos Alberto Silva

Câncer de mama: projeto oferece mamografia de graça no ES para prevenção da doença

A iniciativa tem contribuído para salvar vidas, promover a conscientização e fortalecer o cuidado com a saúde feminina em dezenas de municípios capixabas

Tempo de leitura: 13min
Vitória
Publicado em 14/08/2025 às 09h01

A dona de casa Josilene Angela Féo, 63 anos, gosta de dizer que teve 'sorte'. Acostumada a cuidar da saúde rigorosamente, ela não precisaria fazer a mamografia no ano de 2023. Mas a filha sugeriu que realizasse o exame. "Durante a mamografia vi a profissional agitada. Porém jamais passou pela minha cabeça que eu poderia ter um câncer de mama".

Dias depois ela escutou da médica a palavra que nunca mais esqueceu: carcinoma ductal invasivo. Em outras palavras, o tipo mais comum de câncer de mama que começa nos ductos mamários. "Era um nódulo pequeno e estava escondido no seio. Eu não sentia dor... O diagnóstico me traumatizou, trazendo dores, a tristeza, o medo e a ansiedade. Naquele dia a minha vida mudou", lembra. Era véspera das festas de fim de ano e ela só contou a notícia para o marido e os dois filhos. "A minha decisão foi me guardar".

No início do ano seguinte ela começou o tratamento, quando fez a cirurgia chamada de quadrante da mama, também conhecida como quadrantectomia. É um procedimento cirúrgico onde uma parte da mama afetada por câncer é removida, preservando o restante da glândula. Em poucos meses perdeu 10 quilos, passando a pesar 48 quilos. Fez quimioterapia e viu o cabelo cair em 14 dias. Josilene decidiu raspar a cabeça.

A ideia era tornar aquele momento, conhecido por ser um dos mais dolorosos no processo das mulheres que enfrentam a doença, o menos depressivo possível. "Perder meu cabelinho foi difícil. Ele era pretinho, lisinho e a minha identidade. Quando me vi careca percebi que também havia beleza. Eu descobri os meus olhos verdes", conta.  

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Durante o tratamento do câncer de mama, Josilene Ângela raspou a cabeça. Crédito: Divulgação Josilene Angela Albertini

O momento mais doloroso foi durante os primeiros banhos em casa. "Eu tomava banho de olhos fechados para não ver a minha cirurgia", conta emocionada. O filho cuidou dos curativos e também dos momentos debaixo do chuveiro. "Acredito que durante um mês eu fiquei de olhos fechados durante o banho. Me dei essa oportunidade de sofrer". Tempos depois o cabelo voltou a crescer. 

Moradora da Serra, ela está em hormonioterapia durante cinco anos, tempo necessário para reduzir as chances de recidiva. Não há doença, cabelos caindo ou furinhos das seringas no braço que a faça desistir. "Aprendi a viver um dia de cada vez, passei a amar ainda mais os meus filhos, e a aproveitar a vida. Eu cresci bastante e sou uma mulher feliz. Eu quero é viver".  

A PREVENÇÃO E A DETECÇÃO PRECOCE

Josilene é uma das 64 mil mulheres que já foram beneficiadas com exames gratuitos de mamografia através do Programa Prevenir, que existe há 11 anos. "Esse número representa um impacto significativo na prevenção e detecção precoce do câncer de mama, especialmente entre mulheres que enfrentam dificuldades de acesso ao sistema de saúde. A iniciativa tem contribuído para salvar vidas, promover a conscientização e fortalecer o cuidado com a saúde feminina em dezenas de municípios capixabas", diz Ediene Maria Messias, diretora operacional do Sicoob Sul.

A mamografia é a principal aliada no diagnóstico precoce do câncer de mama. Ele é o tipo mais comum de câncer em mulheres no mundo e no Brasil, depois do câncer de pele não melanoma. O exame pode revelar a presença de tumores malignos em estágios ainda assintomáticos.

O Programa é uma iniciativa de responsabilidade social do Sicoob ES com foco na prevenção e detecção precoce dos cânceres de mama, próstata e pele. "O programa oferece exames gratuitos, palestras educativas e ações comunitárias em parceria com secretarias municipais de saúde, equipes da Saúde da Família e instituições de saúde locais", diz a diretora.

Qualquer mulher pode participar do projeto, mas há critérios de prioridade. A seleção é feita pelas secretarias de saúde, equipes da Saúde da Família, hospitais e clínicas locais, que ajudam a identificar mulheres com maior risco para a doença, seguindo os critérios do Sistema Único de Saúde (SUS), como idade, histórico familiar e outros fatores de risco. "O Prevenir Mulher é aberto tanto para associadas ao sistema de cooperativas financeiras quanto para a comunidade em geral, reforçando seu caráter inclusivo".

16 mil

mulheres foram beneficiadas com exames de mamografia em 2024

Os resultados dos exames são avaliados por profissionais de saúde. Nos casos em que são apontados alterações ou suspeitas de câncer, as pacientes são encaminhadas para dar continuidade do diagnóstico e tratamento nas unidades de saúde pública do SUS. A diretora conta que o objetivo é garantir que o atendimento seja rápido e gratuito, aumentando as chances de cura com o diagnóstico precoce. Para 2025, estão previstos aproximadamente 16 mil exames de mamografia.

câncer de mama

 A IMPORTÂNCIA DA MAMOGRAFIA

A mamografia é um exame simples e tem como propósito rastrear o câncer de mama por meio da identificação de nódulos nos seios, antes mesmo de serem palpáveis. Por meio dela, é possível identificar microcalcificações precocemente e, quanto mais cedo o câncer for descoberto, maiores são as chances de cura.

Karolline Coutinho Abreu Vilela, mastologista especialista em Imagenologia Mamária da Unimed Vitória, diz que a mamografia é o principal exame de imagem utilizado tanto para o rastreamento quanto para o diagnóstico do câncer de mama. "Ela utiliza baixas doses de radiação para produzir imagens detalhadas do tecido mamário, capazes de revelar nódulos, calcificações ou outras alterações, muitas vezes antes de serem percebidas ao toque".

O Ministério da Saúde recomenda que o exame ocorra a cada dois anos, em mulheres de 50 a 69 anos. Mas com base no impacto comprovado da mamografia anual na redução da mortalidade por câncer de mama, as principais sociedades médicas — como o Colégio Brasileiro de Radiologia (CBR), a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) — recomendam que mulheres assintomáticas e com risco habitual façam o exame a partir dos 40 anos. Trata-se da estratégia de rastreamento mais eficaz disponível atualmente para essa população. "Estudos comprovam que fazer mamografia anualmente a partir dos 40 anos reduz a mortalidade por câncer de mama", diz a mastologista. 

Médica explica os benefícios da mamografia

Durante a mamografia, o seio é colocado entre as duas placas do mamógrafo, que comprimem as mamas e emitem raios-X para produzir as imagens. O processo pode ser desconfortável devido a compressão, e algumas mulheres podem sentir dor pontualmente, principalmente se estiverem no período menstrual. "Para obtermos imagens de boa qualidade, precisamos comprimir as mamas durante o exame, o que pode gerar algum desconforto. Porém, na maioria dos casos, a dor é leve e suportável, durando apenas alguns segundos", explica a médica. Mediante prescrição médica, a mamografia é oferecida gratuitamente pelo SUS.

EM BUSCA DA CURA

Evandra Bergamin chorou muito naquele seis de novembro de 2024. Quando saiu da sala da biópsia, após fazer uma mamografia dias antes, sabia que enfrentaria uma batalha. O resultado tinha confirmado o câncer na mama esquerda. "No dia que recebi a notícia eu chorei muito e fui para casa desesperada. Falei: 'Doutora, eu tenho uma filha para criar'. Só pensei na nela", lembra.

Encaminhada ao mastologista, passou pela cirurgia no Hospital Evangélico de Cachoeiro de Itapemirim um mês depois, quando removeu os nódulos. Ao contrário do desespero inicial, sentiu-se calma, pronta para enfrentar o que viesse. “Por mais medo que tivesse, sabia que era passageiro”, relembra.

Evandra Bergamim
Evandra Bergamin descobriu o cancêr na mama esquerda e está em tratamento. Crédito: Carlos Alberto Silva

Moradora de um distrito de Vargem Alta, a lavradora conta que não tinha o costume de fazer o autoexame nas mamas. "Sabia da importância, mas não fazia por relaxamento. Era muito raro eu tocar nos meus seios". Foi a cunhada que sugeriu que ela fizesse a mamografia como exame de rotina. "Hoje entendo a importância de fazer o exame todos os anos. Ele salvou a minha vida". Descoberto no estágio inicial, ela começou o tratamento imediatamente.

Evandra recusou a ser vítima e fez um único pedido para a família. "Não queria ninguém me tratando com pena ou como coitada". Ainda em tratamento, já fez seis sessões de quimioterapia. Agora serão 18 de radioterapia e depois terá que tomar remédio durante cinco anos. "Nas primeiras sessões eu senti bastante enjoo. A partir da terceira, eu comecei a sentir mais dores no corpo. Sinto fraqueza e dores nos braços e nas pernas", conta.

Por conta do tratamento o cabelo caiu. "Estava massageando durante o banho e senti um tufo de fios na minha mão. Quando a minha filha soube ficou desesperada, mas tive que me fazer de forte". Foi cortando o cabelo aos poucos até que decidiu raspar a cabeça. "No início chorei e sofri, mas sabia que tudo seria passageiro. Ao meu ver careca me senti linda. Hoje os cabelos estão crescendo novamente", conta ela que pela primeira vez na vida usou lenços ou turbantes.

Os adereços, assim como as perucas, foram emprestados pelo Grupo de Apoio aos Portadores de Câncer de Cachoeiro de Itapemirim (GAPCCI), casa de apoio que foi criada para atuar como uma extensão do lar do paciente. "O papel da Ong nesse processo é mobilizar médicos e profissionais de saúde voluntários, viabilizando o atendimento com qualidade e sensibilidade. Toda a verba arrecadada com os atendimentos retorna para a própria Ong, que usa esses recursos para ajudar pacientes em tratamento do câncer", explica a oncologista Sabina Bandeira Aleixo.

O OLHAR ATENTO PARA A PREVENÇÃO

Rosângela Aparecida
Há seis anos a empresária Rosângela Aparecida Ribeiro faz o exame de mamografia através do Projeto Prevenir. Crédito: Carlos Alberto Silva

Desde os 40 anos a empresária Rosângela Aparecida Ribeiro faz a mamografia. "Nos três primeiros anos fiz o exame preventivo através do encaminhamento da Unidade Básica de Saúde do meu bairro. Depois conheci o Projeto Prevenir na igreja, no bairro Jaburuna, em Vila Velha, pude realizar a mamografia gratuitamente".

Ela, que tem 49 anos, diz que a campanha, que acontece principalmente no mês de outubro, é muito importante para incentivar todas as mulheres a se cuidarem. "Além de palestras, tem o esclarecimento e envolvimento para tirar as dúvidas sobre o exame e a doença. E a importância do conhecimento do descobrimento precoce, pois sabemos que se for necessário o tratamento pode ser um pouco menos doloroso". 

Rosângela conta que o exame é desconfortável. "Mas a dor se torna insignificante mediante ao processo de poder descobrir algo precocemente. De tempos e tempos também faço o autoexame das mamas. Gosto de estar com os meus exames em dia". Rosângela já indicou o projeto para amigas, familiares e vizinhas. 

A mastologista Rovena Scardini de Léo ressalta que o autoexame é uma opção que pode ajudar as mulheres a perceberem mudanças nas mamas, mas ele não substitui a mamografia. "O exame de imagem é capaz de detectar alterações muito pequenas, ainda não palpáveis, e por isso é essencial como método de rastreamento".

Mesmo em mulheres com mamas densas, ela continua sendo o exame de referência (padrão ouro) para a detecção precoce da doença. "Pacientes com mamas densas poderão se beneficiar ao complementarem o rastreamento com outros métodos de imagem, como a ultrassonografia ou a ressonância magnética, conforme o perfil de risco individual", diz a médica. 

Médica fala sobre a importância da mamografia

ENTENDA A DOENÇA

O câncer de mama é uma doença causada pela multiplicação desordenada de células anormais da mama, que forma um tumor com potencial de invadir outros órgãos. "É um tumor originado na mama, geralmente a partir de células dos ductos mamários, por onde passa o leite. Ele ocorre quando essas células passam a se multiplicar de forma desordenada, formando um nódulo que pode se espalhar para outras partes do corpo, se não for tratado precocemente", explica a oncologista clínica Sabina Bandeira Aleixo, do Hospital Evangélico de Cachoeiro de Itapemirim (HECI), que também é parceiro do projeto. 

Apesar de ser mais comum entre as mulheres, a doença também pode acometer os homens, embora seja raro. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), estima-se que 73.610 novos casos sejam registrados este ano e que a doença cause 18 mil mortes.

A oncologista explica que existem diversos tipos de câncer de mama. O mais comum é o carcinoma ductal invasivo, que se origina nos ductos mamários e pode invadir tecidos ao redor. "Outro tipo frequente é o carcinoma lobular invasivo, que começa nos lóbulos, que são as glândulas que produzem leite. Também há subtipos definidos por características moleculares". 

Sabina Bandeira Aleixo diz que o principal sintoma é o aparecimento de um nódulo (caroço) na mama, geralmente indolor. Outros sinais de alerta incluem alteração no formato da mama, vermelhidão ou retração da pele, saída de secreção pelo mamilo (especialmente se for sanguinolenta) e caroços na axila. "É importante lembrar que muitos casos são diagnosticados antes de qualquer sintoma, por meio da mamografia".

A oncologista reforça que a mamografia é o principal exame para detecção precoce do câncer de mama, já que ela permite identificar alterações antes mesmo de se tornarem palpáveis. "Diagnosticar precocemente aumenta muito as chances de cura e possibilita tratamentos menos agressivos. Em casos de alto risco, a investigação começa mais cedo", diz Sabina Bandeira Aleixo.

E lembra que o autoexame não substitui a mamografia, mas é uma ferramenta de autoconhecimento. Ao se observar e tocar as mamas regularmente, a mulher pode identificar alterações suspeitas. 

Médica explica os cuidados com o câncer de mama

Não é possível evitar totalmente o câncer de mama, mas é possível reduzir os riscos. Ter um estilo de vida saudável — com alimentação equilibrada, prática de atividade física, controle do peso e do consumo de álcool — é fundamental. Evitar o tabagismo e manter os exames em dia também faz parte da prevenção. Além disso, a amamentação tem efeito protetor.

O acompanhamento regular com profissionais de saúde é essencial, tanto para a detecção precoce quanto para o acompanhamento após o tratamento. O diagnóstico precoce é crucial, pois aumenta significativamente as chances de cura e permite tratamentos menos agressivos.

A oncologista diz que novas terapias vêm sendo incorporadas, como os inibidores de CDK4/6 e os anti-HER2, que são mais modernos, além de imunoterapias específicas para os subtipos agressivos. "O avanço da medicina personalizada, com testes genéticos do tumor, também ajuda a selecionar o tratamento mais eficaz para cada paciente. A chegada dessas tecnologias no SUS e em planos de saúde tem sido um grande passo".

Mulheres que já tiveram câncer de mama ou têm histórico familiar devem seguir um plano de vigilância mais próximo, de acordo com a orientação médica. "O acompanhamento regular com profissionais de saúde é essencial". 

"O Programa Prevenir é fundamental porque leva informação, exames e cuidado às comunidades, especialmente às mais vulneráveis. A parceria com os hospitais permite acesso ampliado e rápido à mamografia e ao diagnóstico precoce, o que salva vidas. Esse tipo de iniciativa reforça que a prevenção é um trabalho coletivo, que envolve o sistema de saúde, profissionais e a sociedade", diz Sabina Bandeira Aleixo.

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