Publicado em 23 de maio de 2025 às 13:12
Eles parecem reais, pesam como um recém-nascido, têm textura de pele humana, detalhes minuciosos e vêm com enxoval completo. Os bebês reborn, bonecos hiper-realistas, conquistaram adultos em todo o mundo. O fenômeno, embora muitas vezes tratado como hobby ou arte, levanta discussões profundas no campo da saúde mental.
Segundo o psicólogo Alexandre Vieira Brito, o vínculo com objetos simbólicos não é incomum na psicologia humana. “O apego aos bebês reborn pode ser compreendido dentro da lógica da transferência emocional: o boneco representa algo significativo para a pessoa, como um filho perdido, um desejo não realizado ou até uma figura de afeto idealizada. No entanto, o que preocupa é o apego excessivo".
O psicólogo, que também é professor do Unesc, ressalta que há estudos que mostram que objetos transicionais, como bonecos e pelúcias, ajudam a mediar emoções e servir de suporte emocional em momentos de perda, ansiedade ou solidão. “Embora normalmente estejam associados à infância, esses vínculos podem persistir ou ressurgir na vida adulta”, disse.
A psiquiatra Karen de Vasconcelos vê a busca por bebês reborn como uma tentativa de preencher lacunas emocionais em alguns casos. “Essa relação afetiva com o boneco pode revelar um vazio, seja pela perda de um filho, perdas gestacionais, solidão extrema e até traumas não elaborados ao longo da vida. A prática é comum em mulheres que sofreram abordos espontâneos ou que não puderam ter filhos”, explica.
Quando questionado sobre a normalidade de se brincar com bonecos na fase adulta, o psicólogo Alexandre Vieira Brito disse que o comportamento por si só não é indicativo de nenhum transtorno. “Brincar pode ter valor emocional, artístico ou terapêutico. Tudo depende do contexto e do impacto na vida funcional da pessoa”, explicou.
Ele acrescenta ainda que se o indivíduo mantém uma rotina, trabalha, tem autocuidado, lida com a realidade de forma equilibrada, mantém relações sociais, a presença do boneco é apenas uma extensão emocional. “Assim como as pessoas colecionam vários objetos, podem colecionar bebês reborn”.
A psiquiatra explica que a utilização desses bonecos é reconhecida como recurso terapêutico com resultados positivos na redução da agitação e da ansiedade. “No entanto, quando a pessoa começa a negar a natureza simbólica do boneco, tratando-o como um ser vivo, criando uma rotina exclusiva em função dele e se afastando da vida social ou do contato humano, há um sinal de ruptura com a realidade. Se uma pessoa entra em crise emocional porque se afastou do boneco, por exemplo, ele deixa de ser uma ferramenta emocional e se transforma em uma muleta psicológica que, possivelmente, indica transtorno como depressão, transtorno de personalidade ou mesmo episódios psicóticos”, alerta Karen de Vasconcelos.
O psicólogo diz que quando a pessoa começa a comparar experiências afetivas, corre o risco de haver uma alienação e ter prejuízos no vínculo social com outras pessoas. "Além de prejuízos psicológicos também quanto a sua capacidade de simbolização. É esse limite entre ter o bebê reborn como simbólico ou se alienar na experiência que devemos ter atenção".
Alexandre Vieira Brito
PsicólogoO assunto, apesar de muito polêmico ultimamente, requer um olhar cuidadoso para o tema. “Não sabemos o que as pessoas enfrentam no seu dia a dia. Precisamos apoiá-las, fazer um acolhimento empático e sem julgamentos. Dialogar, observar os sinais e, se necessário, sugerir acompanhamento psicológico ou psiquiátrico. A família e os amigos desempenham papel importante ao incentivar o autocuidado e a propor redes de apoio afetivo. Há casos em que torna-se necessário fazer o uso de medicamentos ansiolíticos ou antidepressivos como parte do tratamento, sempre sob orientação de especialistas”, finaliza Karen de Vasconcelos.
A psiquiatra Luana Dantas, da Holiste Psiquiatria, diz que é importante lembrar que adultos também utilizam elementos do mundo lúdico como forma de prazer e regulação emocional — como no caso dos games. “Não há problema em um adulto brincar, jogar ou cuidar de algo simbólico. O que precisamos avaliar é a intensidade, a frequência e, principalmente, o impacto na vida real. Quando há prejuízo funcional ou sofrimento, é sinal de que algo precisa ser olhado com mais cuidado”, orienta.
Esse tipo de comportamento pode estar associado a quadros como depressão, transtornos de ansiedade ou mesmo luto não elaborado. “Há pessoas que alimentam uma fantasia intensa com o reborn, tratando-o como um bebê real em todos os aspectos. Se isso vier acompanhado de isolamento, recusa em lidar com outras pessoas, ou sofrimento evidente ao se separar da boneca, é importante procurar ajuda especializada”.
Para familiares e amigos que convivem com alguém muito apegado a uma boneca reborn, o olhar deve ser de acolhimento, sem julgamentos, mas com atenção aos sinais. “Nem todo apego é patológico. O problema não está no objeto em si, mas na função que ele cumpre na vida da pessoa. Se ela está emocionalmente estável, mantendo uma rotina funcional, e usa a boneca como hobby ou expressão afetiva, não há motivo para preocupação. Mas se há sofrimento envolvido, a escuta e o suporte psicológico são fundamentais”, conclui Luana.
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