Publicado em 25 de abril de 2020 às 11:28
Se entender e encarar essa pandemia está difícil para nós, adultos, imagine como fica a cabecinha de uma criança diante dessa loucura toda. Tem mãe e pai em casa, mas eles estão estressados, angustiados, sobrecarregados com questões do trabalho. Tem as privações. Muitas. Não pode ir à escola, nem botar os pés na rua. Tem a saudade dos amiguinhos, dos tios, primos e avós. O tempo todo tem alguém mandando lavar as mãos, passar álcool. >
Não dá pra exigir que elas tenham um comportamento exemplar na quarentena, certo? Mas muitos pais estão preocupados porque seus filhos estão agindo novamente como bebês. Voltaram a pedir a chupeta ou a fazer xixi na cama, por exemplo.>
Fomos atrás de especialistas para entender por que isso acontece. Afinal, é normal a criança ter esses retrocessos? Dar uns passos atrás e voltar a viver fases já antes superadas? Como a família pode ajudar os pequenos nessas questões e evitar mais sofrimento para eles?>
A psicanalista Renata Tavares Imperial diz que tem escutado muitos pais aflitos com a mudança no temperamento dos filhos. É possível citar algumas manifestações mais comuns que comparecem na fala dos pais, como, por exemplo, irritabilidade, agitação, aumento do apetite, sono interrompido, dificuldade em se concentrar nas atividades escolares>
>
A psicóloga Danielle Alvim Sampaio diz que realmente as crianças podem revelar de diversas maneiras o que estão sentindo sobre esse isolamento. Elas podem demonstrar tristeza; apatia; perda de interesse; agressividade; choro excessivo sem motivo; perda de apetite ou fome em excesso; resistência em fazer atividades rotineiras, como tomar banho, comer, entre outras. Sem falar nas brigas frequentes com irmãos, cita.>
Segundo Renata, esses comportamentos também variam de acordo com a idade da criança. As crianças mais velhas, com idades entre sete e dez anos, conseguem expressar que estão tendo pesadelos, medo de dormir sozinhas, medo que alguém da família adoeça pelo coronavírus... Além de ser mais fácil a observação, por parte da família, de uma queda do rendimento escolar. As crianças menores, entre três e cinco anos, costumam manifestar no corpo o desconforto que estão vivendo nesse momento de isolamento social. Apresentam com frequência, aumento dos episódios de enurese noturna e diurna, alterações no apetite, ficam mais irritadas e mais birrentas, até mesmo agressivas com os brinquedos e as pessoas à sua volta, explica.>
Para ela, todas essas possíveis alterações no comportamento, não indicam, necessariamente, que há algo de errado com a criança, e sim que ela está afetada pelo momento social que estamos vivendo. As crianças, como qualquer pessoa, não sairão ilesas dessa pandemia do coronavírus.>
Danielle concorda: Estamos vivendo um momento muito complicado para todos: crianças , adultos e idosos. Um momento novo. Nunca ninguém imaginou passar por isso! E as crianças sentem como nós, adultos. Não conseguem, porém, expressar o que estão sentindo com palavras, falar sobre isso.>
Dessa forma, afirma a psicóloga, crianças pequenas podem apresentar recaídas em seus comportamentos. Entendemos como regressão a forma como a criança chama atenção para si mesma. Ele quer dizer com a regressão que precisa de atenção, cuidado, segurança. Ela está apenas externalizando o que está sentindo. No momento que estamos vivendo muitas crianças estão externalizando tristeza, insegurança, ansiedade e medo. E elas não conseguem lidar com seus sentimentos.>
É preciso compreender que o que chamamos de regressão, dizem as especialistas, pode ser um mecanismo de defesa da criança. >
Estamos vivendo um momento muito peculiar, que porta um traço de novidade, de surpresa, de muita incerteza, que afeta a todos. Onde está o vírus? Quem já foi contaminado? Não tenho sintomas, mas mesmo assim posso estar contaminado? Por que não posso ver e abraçar meus avós? Em situações como essa, cada pessoa vai lançar mão da sua forma de lidar com o novo, vai acessar os recursos que possui para se acalmar e para enfrentar as adversidades. A criança, de acordo com sua realidade e respeitando as limitações da idade, também vai acessar os recursos que ela já construiu, principalmente aqueles que a acalmam, como por exemplo, a chupeta, que é o exemplar mais clássico. A fralda também pode cumprir essa função, pois não é simples para a criança perder seus excrementos, seu xixi e cocô, observa Renata.>
Assim, destaca ela, uma criança que pode ter tido a vivência de dormir no quarto dos pais pode ser que recorra a isso para se sentir mais segura e conseguir adormecer. Essas mudanças de comportamento, que a princípio, podem parecer uma regressão ou podem transparecer que a criança está desaprendendo algo que já havia aprendido ou superado podem, então, ter esse caráter de busca por algo já conhecido, algo que a criança já sabe que a acalma, que a ajuda a lidar com esse clima de incerteza. É muito comum que as crianças gostem de assistir sempre o mesmo filme, o mesmo desenho animado, pois representam o conhecido, aquilo que elas dominam, que diminuem as chances delas serem tomadas por algo do inesperado.>
Renata Tavares Imperial
PsicanalistaCrianças também são ótimas detetives. Elas percebem tudo o que se passa ao redor, toda essa carga pesada da pandemia que muitos pais tentam disfarçar, mas que acabam deixando transparecer em seus próprios atos dentro de casa. >
Os pais são o espelho da criança. Pais que estão emocionalmente descontrolados acabam passando o descontrole para as crianças. Se estão ansiosos, as crianças ficarão mais ansiosas também. O ambiente também influencia muito nas atitudes das crianças. Se estão vivendo em um ambiente harmonioso, equilibrado, ficarão mais equilibradas. Por isso, é importante os pais observarem o que eles estão sentindo, como estão agindo com as crianças. Mas eles não devem se culpar, se sentir fracassados em algum momento. O que vale é tentar se equilibrar, pensar positivo e entender o está acontecendo. Sobretudo quais são os sentimentos que aquela criança que regrediu está sentindo, orienta Danielle.>
Espero que não se sintam e não se vejam dessa forma. Os pais possuem suas próprias questões subjetivas, seus interesses, demandas como filhos, como profissionais, como cônjuges etc. Portanto, neste momento, suas próprias fragilidades tendem a comparecer. Mas, como adultos que são, espera-se que encontrem maneiras de contornar suas angústias e ansiedades para poder apoiar os seus filhos. Já escutei muitos relatos de pais dizendo que o fato de terem se tornado pais os ajudaram a superar dificuldades que possuíam. A responsabilidade, os laços amorosos e a convivência familiar também podem propiciar uma rede de afeto e de suporte tanto para os filhos, como para os pais. >
É preciso, segundo Danielle, acolher a criança, entendendo que esses comportamentos não são intencionais e sim sintomas. E buscar o diálogo, por mais complicado que seja o assunto a tratar, como uma pandemia.>
Eles devem usar uma comunicação adequada, respeitosa, equilibrada com a criança. Expressar seus sentimentos com o contato físico, abraçar, beijar, dar colo, carinho. >
A criança precisa ser lembrada que é querida e amada. É bom evitar frases negativas, evitar comparações com irmãos mais velhos ou outras crianças. Tem que procurar entender o que ela está sentindo e falar sobre o que papai e a mamãe também estão sentindo, frisa a psicóloga.>
Convém observar que o desenvolvimento infantil não é linear. Ele tem mesmo altos e baixos. Por isso, a família deve se atentar se a mudança de comportamento, se a regressão está mesmo dentro desse contexto de coronavírus ou é algo normal da fase.>
Se a criança apresentou regressão no comportamento por conta da chegada de um irmãozinho, por exemplo, isso pode ocorrer e passar. Mas se a intensidade dos comportamentos e frequência forem grandes, é necessário que esta criança entre em observação, afirma Danielle.>
Renata destaca que antes de qualquer conclusão, se a criança está apresentando um retorno a uma etapa no desenvolvimento já superado, é fundamental ter em conta que estamos vivendo um momento crítico em função da pandemia. >
Penso que o mais recomendado é que os pais, em um primeiro momento, observem seus filhos, escutem o que eles têm a dizer, não somente através das palavras, mas também com seus gestos, suas atitudes, suas expressões corporais, enfim, qualquer manifestação apresentada pela criança tem valor e tem uma importância enorme para se avaliar como o filho pode estar vivenciando o momento atual. Em outras palavras, a observação e a escuta têm que vir em primeiro lugar, antes de qualquer medida, comenta a psicanalista.>
Vale juntar com o conhecimento de como o filho era antes da situação da pandemia. É muito importante os pais tentarem abordar a situação que está preocupante em momentos que estão mais tranquilos e em condições de falar de forma respeitosa e de ouvir o que a criança tem para transmitir. Nem sempre é possível, mas deve ser tentado. Essa abordagem pode ser feita em qualquer idade, respeitando sempre as condições da criança. Desde bebê as crianças estão atentas e interessadas naquilo que os pais têm a dizer, ressalta Renata Imperial.>
Danielle Alvim
PsicólogaSe for o caso, pode ser importante também pedir ajuda extra. >
Se os pais observarem que os filhos apresentam comportamentos que estão muito fora da normalidade , é hora de procurar ajuda profissional. Se a alteração de comportamento está atrapalhando a vida do seu filho, prejudicando sua saúde, seus relacionamento com as outras pessoas, ele pode estar sofrendo, afirma a psicóloga. "No momentos muitos profissionais estão fazendo atendimento on-line ", complementa ela.>
Até porque, afirma, os sintomas apresentados agora, se não forem bem trabalhados, podem piorar com a volta da rotina.>
Nesses casos, diz Renata, a família pode, em conjunto com os profissionais de referência (pediatra, psicólogo, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, etc), avaliar se ocorreu um agravamento do quadro e quais as medidas mais adequadas para este momento, com as limitações que o isolamento social impõe.>
Sempre que possível, os pais devem recorrer também ao pediatra que já acompanhava a criança anteriormente, para auxiliar na avaliação se se trata de um comportamento que pode ser passageiro, se é um comportamento comum para a faixa etária, ou se pode ser um quadro mais preocupante mesmo, destaca a psicanalista.>
Compreenda, acolha
Ao ver que o filho está agindo diferente, regredindo em alguns comportamentos, eles devem acolher a criança, entendendo que esses comportamentos não são intencionais e sim sintomas. E buscar o diálogo, por mais complicado que seja o assunto a tratar, como uma pandemia.
Fique atento aos sinais
Neste período, a criança pode revelar seus sentimentos de diversas maneiras. Pode ter um choro mais frequente, irritabilidade, agitação, sono interrompido, dificuldade em se concentrar nas atividades escolares. Pode demonstrar tristeza; perda de interesse; agressividade; perda de apetite ou fome em excesso; resistência em fazer atividades rotineiras, como tomar banho, comer, entre outras. Sem falar nas brigas frequentes com irmãos
Regredir é normal
A criança, por conta do estresse, da insegurança, pode regredir em certos comportamentos, voltar a agir como um bebê. Pode pedir chupeta, voltar a fazer xixi na cama ou precisar de fraldas de novo. Segundo especialistas, é um mecanismo de defesa dela para se acalmar, restabelecer a segurança
Observe
Observem seus filhos, escutem o que eles têm a dizer, não somente através das palavras, mas também com seus gestos, suas atitudes, suas expressões corporais, enfim, qualquer manifestação apresentada pela criança tem valor e tem uma importância enorme para se avaliar como ela pode estar vivenciando o momento atual.
Quando procurar ajuda
Se os pais observarem que os filhos apresentam comportamentos que estão muito fora da normalidade , é hora de procurar ajuda profissional. Se a alteração de comportamento está atrapalhando a vida do seu filho, prejudicando sua saúde, seus relacionamento com as outras pessoas, ele pode estar sofrendo
Mantenha-se equilibrado
Crianças são ótimas "detetives" e sabem detectar o clima na casa, na família. Se os pais estão mais agitados, ansiosos, estressados, inseguros, elas vão perceber e vão reagir diante disso. Só que elas não sabem se expressar. Cuide da sua saúde mental, mantenha a rotina de casa em ordem, converse bastante e passe tranquilidade a seu filho. Mostre que vai ficar tudo bem, que tudo isso vai passar
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta